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Marcelo contra o revisionismo da história que põe em causa "unidade da pátria"

Na comemoração do 25 de abril, o Presidente da República apelou a uma leitura distanciada e consciente dos momentos específicos da história, avisando contra os revisionismos que apenas suscitam divisões.

António Cotrim/Lusa
25 de Abril de 2021 às 12:15
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Marcelo Rebelo de Sousa apontou o seu próprio percurso de vida como exemplo da multiplicidade de fatores que determinam a história para apelar contra movimentos revisionistas de uma história que, olhada com os olhos de hoje, é difícil de entender, até pela crescente prevalência de elementos cada vez mais personalistas. O Presidente da República defendeu que a história portuguesa precisa ser assumida no seu todo, pois só assim pode ser compreendida na sua plenitude. 

Num período tão marcado por embates relacionados com visões distintas da história que, no caso nacional, teve como último exemplo a discussão em torno da tentativa de demolição do Padrão dos Descobrimentos por recusa do legado do império colonial, Marcelo começou por falar na guerra colonial e considerar que "olhar com os olhos de hoje" para fenómenos determinados pelo rumo da história até então, impossibilita compreender a história, desde logo porque "há no olhar de hoje uma densidade personalista" cujos valores estavam longe de ser predominantes há escassas décadas.

O discurso do Presidente foi uma espécie de compêndio de história. Marcelo falou da Conferência de Berlim em que, no final do século XIX, os "impérios esquartejaram a regra e esquadro o continente africano", e também de D. Pedro que, após protagonizar a declaração de independência do Brasil, regressou a Portugal, "duas coroas depois", para lutar pelo liberalismo contra os absolutistas.

É isso que explica o movimento dos capitães de abril, que Marcelo saudou sublinhando que "não vieram de outras galáxias" e que "não surgiram, num ápice, naquela madrugada para fazerem história", tendo sim de optar "entre cumprir e questionar, acreditar ou não acreditar e aceitar ou, a partir de certo instante, romper".

"Foram estes homens, eles mesmos, não outros, os heróis naquela madrugada do 25 de abril", prosseguiu. Foram, portanto, também eles resultado do determinismo histórico, por um lado, e das suas vivências, por outro, em particular das experiências na guerra ultramarina e da "inevitabilidade da sua inconsequência". Marcelo deixou ainda um elogio especial ao primeiro Presidente eleito em democracia, o Presidente Ramalho Eanes, que "sempre recusou o marechalato que merecia e merece".

Exemplos dados para afirmar que não se pode ler a história acriticamente, nem de forma "gloriosa" nem como uma tragédia, pois a mesma é evolutiva e determinada pelos homens e as suas circunstâncias a cada momento. A divergência na interpretação do passado não pode dar lugar a um futuro desunido, disse para, em suma, apelar à "unidade essencial da mesma pátria".

O professor de Direito Constitucional deu uma espécie de aula de história num plenário semi-vazio em virtude das restrições pandémicas e usou o seu próprio exemplo para melhor explicar o ponto de vista pretendido. Recordou que ele próprio é filho de um governante do império colonial e que foi "charneira, como milhões de portugueses, entre duas histórias na mesma história" para, após "ajudar a consagrar na constituição a democracia", ser "eleito e reeleito pelos portugueses".

Cerca de um mês após iniciar o segundo mandato, Marcelo Rebelo de Sousa recuperou um dos temas mais marcantes dos primeiros cinco anos em Belém, o problema da "pobreza estrutural" vivida por 2 milhões de portugueses, mas também das "desigualdades pessoais, territoriais" e entre instituições. Problemas persistentes que a pandemia veio agravar e que urge endereçar, apelou.

E sendo este um "tempo que ainda é de crise na vida e na saúde, de crise económica e social", é ainda mais necessário ter "serenidade" para compreender que a história, como a vida, não é feita só de brancos e pretos, mas dos muitos cinzentos que sempre prevalecem: "É prioritário estudar o passado e nele dissecar tudo o que houve de bom e de mau." 

"Não há nem nunca houve um Portugal condenado"
Aparentemente falando do episódio recente em torno do Padrão dos Descobrimentos, Marcelo pediu que "não se transforme o que liberta" numa "mera prisão de sentimentos úteis para campanhas de certos instantes, mas não úteis para a compreensão do passado, presente e futuro".

Isto porque "o 25 de abril foi feito para libertar, não para criar intolerâncias", uma vez que somos "claros e escuros". "Somos esse Portugal" e é preciso assumir isso mesmo "sem álibis nem omissões, mas sem apoucamentos injustificados" porque "não há, nunca houve, um Portugal perfeito, como não há, nem nunca houve, um Portugal condenado". 

O discurso de Marcelo mereceu amplos elogios dos partidos e recebeu aplausos da generalidade das bancadas, inclusive do Bloco de Esquerda. Ainda que sem aplausos, também os deputados do PCP se levantaram para homenagear as palavras de um Presidente que, talvez como nunca, falou mesmo em nome de todos.

(Notícia atualizada)
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