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Há três legislativas que a abstenção bate recordes
Desde a eleição para a Constituinte, em 1975, nunca a taxa de abstenção ficou abaixo dos dois dígitos. Desde então, e salvo raras exceções, os níveis de abstencionismo têm vindo a crescer consistentemente para a casa dos 20% nos anos 1980 e dos 30% no decénio de 1990. No século XXI chegaram ao patamar dos 40%, sendo que a abstenção bate recordes há três legislativas consecutivas.
Há quem lhe chame o "maior partido nacional" e a verdade é que, mesmo não sendo uma força política, a taxa de abstenção apresenta, há já três eleições seguidas, a maior percentagem do quadro de resultados das legislativas. Em crescendo desde 2005, a abstenção atingiu níveis recorde em cada uma das três últimas legislativas, fixando-se sempre acima dos 40%.
Mas nem sempre foi assim. Em 1975, na eleição para a Constituinte, as primeiras eleições livres pós Estado Novo, o abstencionismo ficou aquém dos 8,5%, um elevado nível de participação eleitoral certamente justificado pela vontade popular de ajudar determinar o rumo do país após décadas de ditadura.
Desde então, a tendência foi de crescimento da abstenção. Todavia, nas três eleições seguintes (1976, 1979 e 1980) a abstenção não foi além dos 17%, isto num período em que o país atravessou a fase conturbada do PREC e em que solicitou o primeiro pedido de ajuda financeira ao FMI.
Nas três legislativas que mediaram entre 1983 e 1987, o abstencionismo cresceu de forma paulatina em torno dos três pontos percentuais de legislativa para legislativa.
A subida para um patamar superior a 30% chegou só em 1991, precisamente na eleição em que Cavaco Silva conquistou para o PSD a segunda maioria absoluta consecutiva. Neste ato eleitoral conjugaram-se a normalização da vida política inerente a uma democracia quase a atingir a maioridade (o 25 de abril acontecera 17 anos antes), com a desmobilização decorrente do predomínio que Cavaco então detinha sobre o panorama político nacional.
E nem mesmo a mobilização aparente que a campanha de António Guterres gerou permitiu inverter a tendência de crescimento da abstenção. A vitória do PS após 10 anos de cavaquismo não se traduziu em maior participação eleitoral.
Da primeira para a segunda eleição que Guterres venceu deu-se o segundo maior crescimento dos níveis de abstenção da história democrática, apenas superado pelo aumento registado entre 1975 e 1976.
Posteriormente, nas eleições antecipadas de 2002 e 2005 verificaram-se recuos da abstenção, o primeiro residual e o segundo de cerca de três pontos percentuais.
Foi já nas eleições de 1999, que reconduziram José Sócrates a nova vitória com o PS, dessa feita sem maioria absoluta como a que alcançara quatro anos antes, que a abstenção escalou praticamente cinco pontos percentuais para a casa dos 40%, patamar onde se mantém desde essa altura.
O abstencionismo voltou a acentuar-se em 2011 e em 2015, sendo que nas três últimas legislativas a abstenção atingiu sempre máximos históricos.
Resta saber como irá agora evoluir a taxa de abstenção e perceber se vai, ou não, atingir um novo recorde nas legislativas deste domingo.
Recenseamento automático pode agravar abstenção
Depois das alterações legislativas levadas a cabo em agosto do ano passado, o recenseamento automático dos emigrantes com cartão de cidadão válido fez disparar o número de eleitores habilitados a votar nas eleições europeias de maio último.
Este aumento de quase 500% contribuiu para novo aumento da taxa de abstenção nessa eleição, pelo que é possível que nas eleições deste domingo se volte a refletir, mesmo que parcialmente, esse efeito, já que o aumento da base eleitoral poderá repercutir-se numa subida da abstenção.
Por outro lado, estas serão legislativas em que muitos jovens vão votar pela primeira vez, no caso os chamados "millennials" (que nasceram neste século). E uma vez que o abstencionismo apresenta maior incidência no eleitorado jovem, a abstenção pode também tender a aumentar por esta via.
Deve, no entanto, ressalvar-se que medidas tais como o voto antecipado em mobilidade poderão contribuir para contrabalançar.
É, no entanto, preciso salvaguardar que a taxa de abstenção verificada ao longo dos últimos atos eleitorais diz respeito à recessão técnica, e não real.
Isto porque o facto de os cadernos eleitorais continuarem por "limpar" (ou atualizar) faz com que haja eleitores que entretanto faleceram e que continuam a surgir nos cadernos, logo a contar para o apuramento da abstenção, ou que continuem a verificar-se situações de dupla morada, entre outros fatores.
Saber que campo político (esquerda ou direita) ou partido pode ser mais beneficiado, ou prejudicado, pela abstenção, é uma tarefa complexa. Ao Negócios, o investigador do ICS, Pedro Magalhães, frisa que, "neste momento, não há nenhuma indicação de que a abstenção possa ser muito diferente das ultimas eleições, nem de que os eleitorados de esquerda ou de direita estejam mais mobilizados". "Não é claro a quem a abstenção pode beneficiar ou prejudicar", conclui.
Já a politóloga Conceição Pequito, professora no ISCSP, recorre aos princípios básicos da Ciência Política para explicar que, tendencialmente, os maiores partidos (os chamados "catch-all") são mais penalizados pela abstenção do que as forças políticas mais pequenas. É que as forças mais representativas possuem eleitorados "cujos níveis de identificação partidária são muito baixos, o que significa que, entre eles, muitas vezes existe um eleitorado flutuante e oscilante que é também ele mais propício à abstenção e à transferência de votos", concretiza a docente.