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Execução orçamental confirma devolução de 0% da sobretaxa
Os dados da execução orçamental de Outubro apontam para que não haja uma devolução da sobretaxa de IRS no próximo ano, confirmando a notícia que já tinha sido avançada pelo Negócios na semana passada. Paulo Núncio, ainda como secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, está hoje no Parlamento para dar explicações.
Caso se confirme o mesmo ritmo de crescimento da receita de IRS e IVA que se observou até ao final de Outubro, os portugueses não verão mesmo qualquer percentagem da sobretaxa de IRS ser-lhes devolvida em 2016. Até Outubro, a receita líquida (excluindo os reembolsos) do IRS e do IVA está a avançar 3,5%, quando o valor inscrito no Orçamento do Estado para este ano é 3,7%. Se nos próximos dois meses ela não ultrapassar a meta orçamentada, não haverá lugar a qualquer devolução deste imposto.
Os dados da Direcção-Geral do Orçamento (DGO) mostram que a soma dos dois impostos resulta em 22,6 mil milhões de euros, 14,8 mil milhões do IRS (-1,1% face a 2014) e 12,2 mil milhões do IVA (mais 7,9%). Um valor que fica acima dos 21,8 mil milhões do ano passado, mas que não supera o valor orçamentado.
Recorde-se que no Orçamento do Estado para 2015, o Governo de Passos Coelho anunciou que manteria a sobretaxa de IRS em vigor, mas acrescentou que, caso a receita de IRS e IVA superassem os objectivos anuais, haveria lugar em 2016 a uma devolução da sobretaxa no montante que ficasse acima dessa meta.
As coisas até começaram bem. O Ministério das Finanças começou a divulgar estimavas de devolução da sobretaxa em Julho (com dados de Junho), apontando para uma devolução de 19% da mesma. No mês seguinte, essa previsão aumentou para 25% e, nos últimos dados conhecidos antes das eleições, disparou para 35%.
As surpresas começaram depois de os portugueses terem ido a votos. Em Outubro (dados de Setembro), as Finanças anunciaram que a estimativa de devolução da sobretaxa tinha afundado para os 9,7%. Um mês depois, essa previsão está agora nos 0%. Leia-se, não se espera que haja devolução.
Essa estimativa já está, aliás, reflectida nas simulações personalizadas que o Portal das Finanças apresenta a cada contribuinte.
Na síntese de execução orçamental, a DGO explica que a quebra de 1,1% do IRS se deve à "manutenção parcial do efeito relativo à descida das retenções na fonte aplicáveis aos trabalhadores das administrações públicas" em 2014, bem como ao "agravamento da redução da receita proveniente de rendimentos de capitais". A mesma justificação que o Governo já tinha dado em Outubro. Na altura, o Negócios perguntou ao Governo se esta informação não era antecipável, conhecendo os calendários deste ano e do ano anterior, mas não obteve resposta do gabinete de Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Do lado do IVA, a receita continua a crescer devido à "recuperação da actividade económica e a crescente eficácia das novas medidas de combate à fraude e evasão fiscais, quer na perspectiva da cobrança, quer no maior controlo dos reembolsos indevidos".
Os reembolsos são especialmente relevantes na análise do que se está a passar com estes dois impostos. Até Outubro, os reembolsos de IVA estão a cair 5,2% em comparação com 2014 (em Setembro estavam a cair 7%). Ou seja, foram devolvidos às empresas menos 210 milhões de euros do que ano passado, o que está a ajudar a receita líquida. No IRC – que não conta para a devolução da sobretaxa – está a assistir-se a um fenómeno semelhante, com uma quebra de 224 milhões de euros dos reembolsos. No total, 27% do aumento da receita fiscal líquida vem da contracção dos reembolsos.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) já tinha alertado para a possibilidade de esta diminuição dos reembolsos não ser sustentável. O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos acusou mesmo o Governo de usar a retenção de reembolsos como um "truque" para melhorar os números da execução.
Em Outubro, a queda acumulada dos reembolsos de IVA foi suavizada, o que prejudicou a receita líquida de IVA e, por arrasto, as estimativas de devolução de IRS.
Em entrevista à RTP, Pedro Passos Coelho recusou as acusações de manipulação e remeteu para futuras explicações do Ministério das Finanças. Hoje, o Diário Económico noticia que o Fisco continua a contar com uma devolução de 8,5% da sobretaxa. Paulo Núncio está no Parlamento esta manhã para dar explicações.