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Venezuela recusa entrar em incumprimento e poucos percebem porquê

Por que razão um país tão descapitalizado continua a pagar a sua dívida externa? A questão foi atirada por um economista venezuelano e faz cada vez mais sentido.

Carlos Garcia Rawlins/Reuters
06 de Julho de 2016 às 09:00
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O conhecido economista de Harvard, Ricardo Hausmann, provocou um alvoroço no país onde nasceu, a Venezuela, quando há dois anos decidiu fazer uma pergunta incómoda.

 

Por que razão um país tão descapitalizado continua a pagar a sua dívida externa? Por outras palavras, como se justifica o pagamento aos ricos detentores de títulos em Nova Iorque, quando o país não consegue pagar importações básicas de alimentos e remédios de que os seus milhões de cidadãos pobres necessitam desesperadamente? "Acho a escolha moral estranha", concluiu Hausmann.

 

Como era de esperar, o economista foi criticado pelo governo venezuelano – o presidente Nicolás Maduro classificou-o de "delinquente financeiro" e "bandido" – mas hoje essa pergunta parece mais urgente do que nunca. Os preços do petróleo, força vital da Venezuela, caíram quase para metade desde que Hausmann falou pela primeira vez e o aperto financeiro do país piorou drasticamente.

 

O caos chegou a níveis sem precedentes – racionamento de comida, saques, linchamentos, assistência médica em ruínas – e, apesar de tudo isto, os traders de títulos receberam cada cêntimo do que lhes era devido, num total de vários milhares de milhões de dólares.

 

"Existem dois mundos", diz Francisco Ghersi, director administrativo da Knossos Asset Management em Caracas. "O mundo dos detentores de títulos e o mundo do que está a acontecer na Venezuela".

 

O que torna essa abordagem de "pagar a qualquer custo" ainda mais estranha é que surge num país administrado por pessoas que se dizem socialistas, que passaram mais de uma década a atacar os poderes capitalistas estrangeiros. Infinitas teorias, em parte produzidas pela opinião de Hausmann, tentam explicar por que o governo de Maduro aderiu tão obstinadamente a essa política. As principais podem ser divididas em três categorias.

 

Teorias

 

A primeira teoria é um argumento que foi lançado publicamente por altos dirigentes do próprio governo: a Venezuela pode esperar até os preços do petróleo recuperarem. Para quê gerar distúrbios, se a salvação pode chegar dentro de algumas semanas? (Os preços têm aumentado recentemente, para perto de 50 dólares por barril).

 

Outro argumento é uma espécie de teoria da conspiração proveniente, em parte, da natureza obscura das finanças da Venezuela. Essa teoria pressupõe que os grandes detentores dos títulos do país são próximos do Governo e que o Executivo de Maduro teme perder esse apoio tão necessário se os pagamentos forem interrompidos. As tentativas de obter comentários dos assessores de imprensa do governo sobre este e outros aspectos da reportagem não tiveram sucesso.

 

A terceira teoria, que se remonta à primeira ideia, afirma que embora a Venezuela tenha perdido o acesso aos mercados internacionais de capitais há muito tempo, entrar em incumprimento poderia piorar o aperto financeiro do governo, criando a possibilidade de os credores abrirem processos legais que prejudicariam a capacidade do país de exportar. Se uma quantidade menor de petrodólares entrar no país, os ganhos de não pagar a dívida poderiam desaparecer, piorando ainda mais a situação local.

 

Para Hausmann e especialistas jurídicos que estudaram as operações de petróleo do país, o risco de credores furiosos impedirem as exportações depois do "default" é, na verdade, diminuto. A forma como a petrolífera estatal PDVSA estruturou os seus contratos de vendas torna difícil interrompê-los com uma contestação jurídica, de acordo com Francesca Odell, sócia da Cleary Gottlieb em Nova Iorque. O que Hausmann e outros vêem no incumprimento é a oportunidade de libertar uma grande quantidade de dinheiro que poderia ser redireccionada para as importações.

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