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Suécia quer pôr fim ao eldorado português para os reformados

A Suécia é o segundo país, após a Finlândia, a formalizar o pedido para pôr cobro às duplas isenções de IRS concedidas aos reformados que vêm para cá. O estatuto de Portugal como a Flórida da Europa está a ser beliscado.

Em Fevereiro, Magdalena Andersson passou um raspanete a Mário Centeno devido aos benefícios fiscais que considera “inaceitáveis”. Mais tarde avançou com um pedido de negociação do regime. União Europeia
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Depois de em Fevereiro ter passado um "raspanete" a Mário Centeno, na reunião do Ecofin, por causa da "inaceitável" isenção de IRS que Portugal concede aos reformados estrangeiros, a ministra das finanças sueca passou da indignação à prática. A Lisboa já chegou uma carta para que se iniciem os procedimentos para a revisão das regras. O objectivo é pôr cobro ao pacote fiscal que Portugal vende lá fora, e que, na prática, cria situações de dupla não tributação das pensões estrangeiras.

"O ministério estabeleceu contacto com o ministério das Finanças em Portugal, e vamos tentar encontrar uma solução para a situação" criada pelo regime de residentes não habituais, adiantou esta semana ao Negócios uma fonte oficial do gabinete de Magdalena Andersson. Sem adiantar os instrumentos de que pretende socorrer-se, a mesma fonte diz que o objectivo é "arranjar uma forma de garantir que as pensões suecas não poderão ficar isentas de tributação".

O contacto formal traduz uma abordagem mais determinada de Estocolmo, face aquela que tinha há cerca de um ano. Nessa altura, ao Negócios, as autoridades suecas mostravam-se ainda contemporizadoras, ao considerar que a dupla isenção de IRS oferecida pelo pacote fiscal português era uma "consequência involuntária" dos tratados tributários e mostravam-se confiantes no surgimento de soluções multilaterias, negociadas no âmbito da OCDE, que pudessem pôr-lhe cobro.

Contudo, um ano depois, e com a Suécia a figurar como o segundo país de origem dos residentes não habituais, logo a seguir a França, quer em termos globais, quer no que respeita ao regime especial para reformados (ver gráficos), a impaciência parece crescer. Em Fevereiro, numa entrevista ao jornal Expressen, citado pela Lusa, Magdalena Andersson revelou que "tive de ter uma conversa séria com o meu colega português sobre este assunto na última noite [da reunião do Ecofin] em que lhe descrevi a revolta que há na Suécia sobre como funciona".

A conversa não terá ficado por aí, pretendendo-se agora renegociar as condições, tal como já aconteceu com a Finlândia, que, através da revisão de algumas cláusulas da convenção de eliminação de dupla tributação com Portugal já assegurou o direito de tributar os seus pensionistas em território finlandês (ver texto complementar).


Uma criação socialista abençoada pela direita
Apesar de os protestos da ministra das finanças sueca terem sido recebidos com "alguma compreensão" por Mário Centeno, Portugal dificilmente abrirá mão deste instrumento por vontade própria.

O regime de residentes não habituais foi uma criação socialista de 2009 (pela mão de Teixeira dos Santos) entretanto abençoada pelo governo seguinte do PSD/CDS, e tem constituído um precioso meio de negócio para os ramos do imobiliário e da consultoria fiscal.

O actual governo, apesar de apoiado numa maioria de esquerda, também o quer preservar, de tal modo que um dos argumentos ponderados para não avançar com a tributação de heranças (promessa eleitoral do PS) é precisamente a preocupação de não espantar alguns dos milionários que nos últimos anos resolveram cá abrigar as suas fortunas.

Na ausência de uma acção concertada da OCDE para rever o modelo convenção, a via que parece restar aos países descontentes como a Suécia é o da renegociação directa dos acordos fiscais, como aconteceu recentemente com a Finlândia, embora este seja um processo que pode arrastar-se por vários anos. E, no limite, está dependente da vontade das duas partes.


Vamos tentar encontrar uma solução para a situação. (...)
Queremos arranjar uma forma de garantir que as pensões suecas não poderão ficar isentas de tributação.

Fonte oficial do ministério das finanças da suécia



Qual é o problema?

Ao abrigo do regime de residentes habituais, Portugal isenta de IRS as pensões pagas por um Estado estrangeiro, que fica impedido de as tributar. 


Em que consiste o regime português? 

O estatuto de residente não habitual é atribuído pelo Fisco às pessoas que, oriundas do estrangeiro (podem ser portugueses também) digam que querem cá passar mais de 183 dias por ano ou, ficando cá menos tempo, têm habitação que faça supor a intenção de cá viver. Os incentivos variam consoante o tipo de rendimentos (os rendimentos do trabalho têm uns benefícios, as pensões outros, os capitais outros). No caso concreto dos pensionistas, o Estado concede isenção de IRS às pensões recebidos lá de fora.

E qual é o problema?
Um é o da discriminação face aos residentes, já que um português que viva cá e receba uma pensão do estrangeiro paga IRS pela diferença entre a taxa que é cobrada cá e a que é cobrada no Estado que paga a pensão. O segundo problema, que tem sido ampliado pelos protestos dos outros Estados, coloca-se ao nível da concorrência desleal que isto potencia.

Onde é que pode haver concorrência desleal?
Desde logo, porque para se ter direito ao regime não é preciso ser residente - basta que se afirmem residentes, nomeadamente arranjando cá casa. Depois porque os Estados que estão a pagar as pensões estão impedidos de tributar essas pensões. Este impedimento decorre das convenções para eliminar a dupla tributação assinadas entre Portugal e vários destes países, que conferem ao Estado da residência o direito exclusivo de cobrar IRS. Estas convenções foram feitas tendo por base um modelo preparado pela OCDE, mas numa altura em que não se vislumbravam planeamentos fiscais deste tipo, que na prática conduzem a vazios de tributação - nem Portugal nem o Estado da fonte cobram IRS.

O regime tem cumprido os seus objectivos?
Os objectivos do regime atrair pessoas altamente qualificadas para cá trabalharem e reformados de elevado património para trazerem as fortunas. Em Portugal ainda não se fez qualquer balanço oficial, e as posições têm-se dividido entre os que acham que, ao montar este esquema fiscal, Portugal está apenas fazer o que muitos outros fazem; e os que acham que estamos a promover a concorrência desleal com quem cá vive e ao nível externo, quando devíamos juntar-nos aos países que batalham para regras mais uniformes.

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