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Fisco espanhol investiga transferência de executivos do Santander para Portugal

O regime de residentes não habituais está no radar do Fisco espanhol, escreve o El Confidencial. Em causa estão os generosos benefícios fiscais que Portugal concede ao nível do IRS a rendimentos do trabalho, pensões, rendas e capitais de estrangeiros ou expatriados que se mudem para cá.

Bloomberg
20 de Outubro de 2015 às 20:38
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A Autoridade Tributária espanhola está com os radares virados para Portugal, por causa do regime de residentes não habituais, popularizado como regime especial para "cérebros". Segundo o jornal El Confidencial, os alarmes foram disparados pela transferência de três altos quadros do Santander Espanha para Portugal ao longo do último ano, alegadamente para pagarem menos impostos quando se reformarem.

 

O artigo começa de forma depreciativa para a imagem de Portugal, colocando-nos ao nível de alguns offshores que habitualmente aparecem referenciados por abrigarem práticas tributárias agressivas. Diz o jornal que "a lupa do Ministério das Finanças não está agora nem nas ilhas Caimão, nem em Jersey, nem em Delaware, nem no Luxemburgo, os tradicionais paraísos fiscais onde os investidores criam sociedades para iludir o Fisco. A Agencia Tributária pôs o foco em Portugal, o País vizinho onde se foram ‘refugiar’ vários dirigentes do Santander que deixaram o banco no último ano após as reestruturações internas".

 

A investigação do Fisco recairá sobre três antigos dirigentes – dois que vieram para Portugal mantiveram-se dentro do grupo bancário, para o Santander Totta, outro terá vindo ocupar um posto de trabalho fora do grupo bancário – e sobre as verdadeiras motivações da mudança da residência fiscal. 
 

IRS sobre salários, pensões e capitais a desconto

Para já, estes três altos só vão pagar uma taxa de IRS de 20% sobre os salários que cá ganharem, enquanto mantiverem uma actividade profissional por conta de outrem.  Esta taxa super-reduzida de 20% é um dos aliciantes do regime de residentes não habituais, que pretende que "cérebros" portugueses que estejam lá fora há mais de cinco anos, e estrangeiros que venham trabalhar para cá, possam pagar um imposto mais baixo.

 

Mas esta nem será a principal preocupação do Fisco espanhol. Segundo o El Confidencial, o problema principal reside nas pensões e nas mais-valias. É que, quando estes três executivos se reformarem, vão passar a pagar 0% de IRS em Portugal e 0% em Espanha.

 

Ao abrigo do regime de residentes não habituais, Portugal aplica o chamado método de isenção às pensões: isto é, não tributa reformas que possam ser tributadas no Estado onde elas são pagas. Em teoria, isto levaria a que as pensões espanholas fossem tributadas em Espanha mas não em Portugal. Contudo, o acordo de eliminação da dupla tributação entre Portugal e Espanha atribui competência exclusiva para tributar pensões ao Estado da residência do pensionista, neste caso Portugal. Corolário: ocorre um fenómeno designado de dupla não tributação, com as pensões isentas cá e no Estado que as distribui.

 

Além das pensões, colocar-se-á também, segundo o jornal, a mesma questão às mais-valias mobiliárias. Estes executivos receberam nos últimos 12 meses acções do Santander a título de bónus, e, quando as venderem, estando cá ao abrigo do RNH, elas não pagarão qualquer imposto, diz a publicação.

A suspeita do Fisco espanhol é que estes três antigos quadros bancários vieram para Portugal tendo como principal motivo a poupança fiscal, o que, nalguns casos, terão contado com o apoio do grupo Santander, diz o El Confidencial. 

Num comentário abstracto a este caso, Samuel Fernandes de Almeida, sócio da Vieira de Almeida, considera que não é fácil aos outros Estados-membros combaterem eficazmente o regime de residentes não habituais português, tal como ele está desenhado. É que "o requisito para aplicação deste regime é o da existência de efectiva residência em Portugal. Por isso, a partir do momento em que há uma transferência efectiva da residência para cá, o teste da substância está realizado, pelo que a aplicação da cláusula-geral anti-abuso parece difícil", sobretudo à luz da protecção da liberdade de circulação no espaço europeu.

O que é e como funciona?

O que é o regime de residente não habitual?
O regime de residente não habitual (RNH), popularizado como o regime de atracção de "cérebros", é um pacote de incentivos fiscais criado em 2009 com o objectivo declarado de atrair para Portugal "cérebros" a trabalhar lá fora e reformados estrangeiros com elevado património. Em termos gerais, e ao abrigo destas regras, quem vier para cá tem descontos no IRS de rendimentos que aufere cá e isenção sobre os que recebe do estrangeiro – pode até não pagar IRS algum sobre determinados rendimentos. 

 

Quais os requisitos para aderir? 
Basta tornar-se residente em Portugal (isto é, permanecer cá em Portugal mais de 183 dias ou, ficando cá menos tempo, ter cá habitação que faça supor a intenção de cá viver de forma habitual). E, adicionalmente, não pode ter sido residente em Portugal nos cinco anos anteriores. 
Este regime não é só para estrangeiros – é para quem esteve fora do País durante pelo menos cinco anos. Um emigrante que regresse também pode beneficiar dos descontos fiscais. 

 

Quais são os benefícios fiscais? 
Os incentivos variam consoante o tipo de rendimentos que estão em causa. Os rendimentos do trabalho têm uns benefícios, as pensões outros, os capitais outros ainda.

 

Quem vier trabalhar, o que ganha? 
No caso de trabalhadores, a lei atribui este estatuto de RNH a profissionais que se encaixem numa lista de profissões pré-definida – são os chamados "cérebros", que acabaram por baptizar todo o regime. A lista é longa e variada, e vai bem para lá do que, à primeira vista, se consideraria um "cérebro" que traz mais-valias ao País. Estão lá, por exemplo, consultores fiscais, auditores, jornalistas, designers, programadores informáticos, geólogos, actores e músicos, entre muitas outras profissões. A lista está estabelecida na Portaria 12/2010 e quem tiver uma profissão que lá conste, tem direito a pagar apenas 20% de IRS sobre os rendimentos do trabalho – sejam eles do trabalho dependente como do independente. Este benefício dura por dez anos.

 

E os pensionistas, que benefícios têm? 
Um reformado estrangeiro que obtenha o estatuto de RNH cá não paga impostos sobre as pensões que recebe lá de fora – aplica-se o chamado método de isenção. Imaginem-se dois reformados que recebem pensões do estrangeiro, mas um vive cá, e outro muda-se para cá agora. O que vive cá, paga IRS pela pensão que recebe do estrangeiro – pela diferença entre a taxa que é cobrada cá e a que é cobrada no Estado que lhe paga a pensão.

Já o reformado que agora venha para Portugal não pagará cá IRS algum – se o Estado de origem não cobrar impostos sobre as pensões ou prescindir desse direito nos acordos de eliminação da dupla tributação, o pensionista beneficia de uma dupla não tributação.
É isto que está a fazer vir para Portugal alguns reformados, nomeadamente nórdicos e franceses, e que está a levar algumas autoridades nacionais a questionarem o regime português. 

 

O que acontece aos demais rendimentos? 
Estamos a falar de rendimentos das categorias E, F e G, isto é, rendas, mais-valias, dividendos, juros de aplicações financeiras, indemnizações que sejam auferidos no estrangeiro. Nestes casos, Portugal aplica também o método de isenção, pelo que estes rendimentos não pagam nada cá. Imagine-se um futebolista que vende uma casa que tem no estrangeiro. Em circunstâncias normais, se for residente em Portugal, paga cá IRS pela mais-valia e o Estado português concede-lhe um crédito de imposto pelo que foi obrigado a pagar no país da venda. Ao abrigo deste regime – desde que nos últimos cinco anos tenha estado no estrangeiro – não paga nada cá. Quem diz mais-valias diz todos os outros rendimentos. Isto é também extensível a rendimentos do trabalho auferidos no estrangeiro.  

Governo não dá informação 

O regime de residentes não habituais foi criado em 2009 mas só em 2013 entrou em velocidade cruzeiro, tendo permitido a atracção de reformados e altos quadros para Portugal, para beneficiarem dos generosos descontos no IRS oferecidos.

 

Até agora, o Ministério das Finanças tem-se recusado a prestar informação sobre o alcance do regime, tendo apenas indicado pela primeira vez, na Conta Geral do Estado de 2014, o custo global da medida: ao todo, o Estado prescindiu de 59,7 milhões de euros de imposto.  

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