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Governo usa parecer da PGR para travar novas greves por "crowdfunding" no Estado
Para o conselho consultivo da PGR a greve dos enfermeiros é ilegal porque não respeitou o pré-aviso. Mas o parecer deixa vários avisos sobre a ilegalidade de greves financiadas por entidades exteriores aos sindicatos. É essa parte que o primeiro-ministro destaca para tentar travar novos protestos deste género na administração pública.
O conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) conclui que a greve dos enfermeiros é ilegal porque não correspondeu ao que foi anunciado no pré-aviso. Mas o parecer agora divulgado também estabelece limites à forma como qualquer greve pode ser financiada: não é admissível o uso de fundos que não são geridos pelos sindicatos, podendo a greve ser ilegal "caso se demonstre que essa utilização foi um elemento determinante" para o desenrolar da paralisação.
Ora, são as conclusões quanto à constituição dos fundos de greve, e os riscos de ilicitude relacionados com o 'crowdfunding' que o primeiro-ministro quer destacar. Num despacho publicado também esta segunda-feira em Diário da República António Costa homologa o parecer da PGR "na parte relativa aos fundos de greve e às conclusões aí extraídas" quanto à ilicitude de uma paralisação que recorre ao crowdfunding.
O primeiro-ministro alega "que as conclusões formuladas no respetivo parecer (…) quanto à ilicitude de greves financiadas mediante o recurso a esquemas de financiamento colaborativo (crowdfunding) se revestem de extraordinária importância, não só para o setor da saúde, mas para todos os demais setores da administração pública".
António Costa justifica assim o facto de ter decidido homologar parte do parecer, depois de a ministra da Saúde ter feito o mesmo.
Crowfunding: afinal o que diz o parecer?
Nos termos da lei, compete exclusivamente aos sindicatos a prática de atos relacionados com a constituição da greve. Trata-se de um "quase monopólio" sindical da greve que se estende à sua gestão, dizem os autores, admitindo que esta forma de financiamento "pode" determinar a ilicitude da greve.
"Não é admissível que os trabalhadores aderentes a uma greve vejam compensados os salários que perderam como resultado dessa adesão, através da utilização de um fundo de greve que não foi constituído nem é gerido pelos sindicatos que decretaram a greve".
Esta situação "constitui uma ingerência inadmissível na atividade da gestão da greve (…) que pode determinar a ilicitude da greve realizada com utilização daqueles fundos, caso se demonstre que essa utilização foi um elemento determinante dos termos em que a greve se desenrolou".
Por outro lado, como os titulares das operações de 'crowdfunding' estão obrigados a proteger a confidencialidade dos dados, não controlando a origem dos donativos, "pode vir a apurar-se a existência de donativos que são ilícitos".
"A ilicitude dos donativos poderá provocar a ilicitude da greve caso se demonstre que estes, pela sua dimensão, foram determinantes dos termos em que a greve se desenrolou", acrescentam os autores.
Enfermeiros: a greve é ilegal?
Depois de afastar algumas das hipóteses levantadas pelo Governo, o conselho consultivo da PGR, que se apoia essencialmente nas informações fornecidas pelo Executivo, conclui que a greve dos enfermeiros é "ilícita" por não ter correspondido à descrição prevista no aviso-prévio. Este é aliás o ponto onde as conclusão de ilicitude é mais taxativa.
Por si só, uma greve "rotativa" não é ilícita, mas a forma como essa rotatividade se processa deve constar do aviso prévio, o que não aconteceu.
"Só assim o aviso prévio de greve cumprirá a sua função e alcançará as suas finalidades, pelo que a ausência de qualquer indicação sobre o tempo e o modo como a greve se vai desenrolar ou uma indicação errada destes elementos resulta num incumprimento daquele dever de informação que tem como consequência a ilicitude da greve", lê-se no parecer.
"É precisamente esta situação que se verifica" na greve dos enfermeiros que decorreu entre 22 de novembro e 31 de dezembro de 2018, "em que a modalidade que a mesma assumiu não constava do aviso prévio emitido pelos sindicatos que a decretaram, pelo que essa greve, pela surpresa que constituiu a forma como ocorreu face ao conteúdo do aviso prévio, foi ilícita".
Quais as consequências para os enfermeiros?
Os sindicatos têm alertado para o facto de o parecer da PGR não poder ser confundido com uma sentença de um tribunal. Mas o facto de o Governo ter homologado o parecer significa que os serviços têm de seguir esta orientação.
O conselho consultivo explica que uma greve que seja declarada ilícita, a ausência do trabalhador por motivo de adesão à greve considera-se falta injustificada.
A ausência pode ser qualificada com uma infração disciplinar, que varia segundo a gravidade do comportamento, podendo no entanto "ser ponderado o eventualmente desconhecimento desculpável" do trabalhador.
Esse desconhecimento também poderá afastar o risco de ser reclamada ao trabalhador uma indemnização pelos danos causados. O parecer acrescenta sindicatos também podem ser civilmente responsabilizados.
Contudo, "quando a ilicitude da greve resulta do facto de esta ter sido executada numa modalidade que não constava do aviso prévio de greve" – a hipótese que o conselho consultivo adota de forma mais taxativa – "os danos a considerar serão apenas aqueles que resultaram exclusivamente da ausência dessa informação".
Notícia atualizada às 11:19 com mais informação