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Por onde pode romper a corda entre Governo e Bloco

Da informação recolhida pelo Negócios junto de fontes negociais é possível perceber que o Governo cedeu um pouco em quase tudo o que o Bloco pediu nas negociações do Orçamento do Estado para 2021. O Bloco concentra-se no pouco e o Governo no quase tudo. Veja você mesmo, ponto por ponto, e perceba por onde pode romper a corda.

Bloco quer recuperação de rendimentos
Mariline Alves
10 de Outubro de 2020 às 16:26
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As negociações sobre o Orçamento do Estado para 2021 estão ao rubro e a tensão não podia ser maior. O braço-de-ferro faz-se em dois planos: no das reuniões e conversas telefónicas entre as duas partes; e no espaço público. Cá fora, o Governo e o PS esforçam-se por revelar abertura e boa fé negocial. O Governo mostra aproximação às reivindicações do Bloco de Esquerda, ao mesmo tempo que vai denunciando o que considera ser as metas movíveis do partido de Catarina Martins, que se vão tornando mais exigentes à medida que o Governo cede, alega. Já o Bloco de Esquerda lembra as suas reivindicações iniciais, sublinhando o que o Governo teima em não aceitar, acusando o Executivo de António Costa de intransigência e falta de empenho negocial.

 

A três dias da entrega da proposta de Orçamento do Estado no Parlamento, a corda está efetivamente próxima de romper. E em diferentes partes. Da informação recolhida pelo Negócios junto de fonte oficial é possível encontrar pequenas cedências do Governo em grande parte das matérias apresentadas pelo Bloco de Esquerda. Para o Governo é muito, para o Bloco é pouco. Veja pelos seus próprios olhos.

 

  

SEGURANÇA SOCIAL


Nesta área, a negociação anda muito à volta de duas grandes prestações sociais: subsídios de desemprego e uma nova prestação social para quem fica sem rendimentos e apoio social. Na primeira área, as divergências permanecem enormes; na segunda não tanto. 

Proteção social no desemprego

 

O Bloco de Esquerda quer que o limite mínimo e máximo do subsídio de desemprego deixe de depender do Indexante de Apoios Sociais (IAS) e passe a estar relacionado com o valor do salário mínimo (mais alto e que tem vindo a crescer muito mais depressa). O PS recusa romper com uma indexação que um governo seu criou (para "libertar" o salário mínimo) e aceita apenas aumentar de 1 IAS para 1,15 IAS o valor mínimo do subsídio de desemprego e apenas durante 2021.

 

O Bloco defendeu ainda uma flexibilização do acesso ao subsídio de desemprego, ao nível dos prazos de descontos e das idades, mas o Governo não o acompanhou.

 

Quanto ao subsídio social de desemprego, mais baixo e para quem fez menos descontos, o Governo também não aceita a proposta do Bloco de estender para o próximo ano as medidas previstas no orçamento suplementar que facilitam o acesso a esta prestação.

 

Nova prestação social

 

É das matérias onde houve maior convergência entre Governo e Bloco de Esquerda: a criação de uma nova prestação social para os trabalhadores que perderam o emprego e que não têm acesso a nenhuma prestação social de desemprego. Concordam com o objetivo de lançar uma prestação social que eleve até ao limiar da pobreza os rendimentos destes beneficiários mas discordam em grande parte do resto.

A saber: não há acordo na condição de recurso, ou seja das condições de acesso à prestação. O Governo recusa deixar cair a fórmula e a ponderação que dá a cada menor do agregado; o Bloco quer ainda que sejam incluídos os precários e trabalhadores informais mas também os jovens que apesar de viverem em casa com os pais têm agregados autónomos em sede de IRS e que antes dispunham de rendimentos superiores ao limiar de pobreza.

As duas partes discordam ainda dos limites mínimos desta prestação, com o Bloco a propor que seja meio IAS e o Governo a atribuir esse valor apenas quando as perdas forem superiores a 1 IAS, atribuindo 50 euros nos restantes casos.

Finalmente, não há qualquer acordo quanto ao tempo que a medida vigorará. O Bloco defende que seja paga durante todo o ano de 2021, havendo lugar a um relatório intermédio de avaliação em outubro do próximo ano para ver em que termos a prestação pode ser estendida ao ano seguinte. O Governo quer que a prestação dure apenas seis meses, seguidos ou interpolados, exceto para os desempregados cujo subsídio termine entretanto. 


SAÚDE

Esta é das áreas onde há maior proximidade entre Bloco e Governo. Mas subsistem divergências. 

Subsídio de risco para profissionais do SNS

Esta é das medidas que reúne maior consenso entre Bloco e Governo. O Executivo aceitou grande parte da proposta dos bloquistas: o subsídio é mensal, corresponde a 20% do salário-base até um máximo de 219 euros. Será pago no máximo até 12 meses por ano e enquanto a situação de pandemia durar. Mas também aqui ainda há arestas a limar. O Governo concorda que sejam profissionais de saúde do SNS ou integrado no Ministério da Saúde com contrato de trabalho em funções públicas, que tenham competências diretas ou maioritariamente no combate à covid-19. A formulação é vaga e o Bloco quer que o Executivo seja mais concreto e claro na abrangência do subsídio. Por exemplo, um trabalhador de uma ambulância que transporta doentes de covid mas também outros doentes deve receber o subsídio? 

Contratação de profissionais para o SNS

Tem sido um dos temas mais presentes na discussão pública entre Governo e Bloco, com verdadeiros duelos de números entre António Costa e Catarina Martins. Concordam com o objetivo de cumprir o objetivo inscrito no Orçamento do Estado para 2020 de contratar 8400 profissionais. Mas o Bloco quer que este reforço seja líquido, ou seja já descontando os profissionais que saíram do SNS, e insiste na aceleração do processo de contratação. O Governo não está para aí virado. 

Criação da carreira de técnico auxiliar de saúde

É uma luta destes profissionais do SNS que o Bloco também apadrinhou. Mas o Governo não se deixou convencer e recusou a proposta. 


LEGISLAÇÃO LABORAL

Não é suposto uma lei de Orçamento do Estado trazer medidas laborais, mas na última legislatura tornou-se habitual haver normas programáticas nesta área, que nem sempre foram cumpridas. É a área onde existe maior distanciamento entre Bloco e Governo e não se vê luz ao fundo do túnel. 

Aumento do salário mínimo

O Bloco exige 35 euros e a manutenção da trajetória prevista no programa de governo. O Executivo de António Costa recusa e propõe uma subida de 23,75 euros e sem comprometer-se com a sua evolução em 2022. 

Reposição das indemnizações por despedimento pré-troika

É uma bandeira antiga do Bloco de Esquerda, tal como do PCP, e o próprio PS foi contra as alterações feitas durante o programa de ajustamento da troika, quando Pedro Passos Coelho governava o país. Mas António Costa recusa mexer nesta matéria e abrir uma guerra com as confederações patronais mas também com a Comissão Europeia. 

Manutenção obrigatória dos níveis de emprego nos apoios do Plano de Recuperação 

Foi uma regra que vigorou para muitos apoios nestes meses de pandemia e o Bloco quer que prossiga no Plano de Recuperação e Resiliência. O Governo opõe-se. O Bloco quer também que os trabalhadores precários fiquem protegidos nestas medidas, algo que também não suscita a anuência do governo. 

Proibir despedimentos em empresas com lucros

É outra bandeira do Bloco de Esquerda com honras de "outdoor". O partido quer proibir as empresas que tenham tido lucros no conjunto dos dois anos de 2019 e 2020 de fazer despedimentos. O PS discorda e só aceita fazê-lo para as empresas que recorram aos benefícios fiscais ao investimento, em particular o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e o Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e ao Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE). Além disso esta restrição só se aplica às empresas com mais de 250 trabalhadores e 50 milhões de euros de volume de negócio. Outra diferença: o PS só quer levar em consideração os lucros de 2020 – um ano difícil para muitas delas – ignorando os resultados de 2019. 

Fim da caducidade dos contratos coletivos

O Bloco queria terminar com a possibilidade das confederações patronais rasgarem de forma unilateral os contratos coletivos mas a única coisa que conseguiu em troca foi uma moratória de 24 meses. 

Reposição do princípio do tratamento mais favorável

É uma velha reivindicação dos partidos de esquerda. A ideia é simples: os contratos coletivos nunca podem prever medidas mais desfavoráveis do que o que está previsto na lei geral. Foi uma das alterações à lei laboral que mais oposição dos sindicatos gerou. O Governo e PS nem querem ouvir falar nisso. As confederações patronais alegam que esse princípio impede na prática uma negociação livre entre as partes, em prejuízo das empresas.  

Maior fiscalização das plataformas digitais

O Bloco quer fazer depender o licenciamento da operação das plataformas digitais da formalização de contratos de trabalho e com a demonstração periódica do cumprimento dessa obrigação. O Governo recusou a proposta, aceitando apenas que haja uma presunção legal da existência de contrato de trabalho com a plataforma, afastável apenas nos tribunais. Para o Bloco é uma proteção que funciona apenas em caso de litígio judicial, obrigando assim o trabalhador a levar a empresa a tribunal, o que muitos não estão dispostos a fazer. 

Dever de desconexão das empresas

O bloco quer que o direito a desligar seja na prática um dever do trabalhador (exceto em situações especiais e definidas em contratação coletiva) para garantir que este não é sujeito a pressões da empresa. Para o Governo, o trabalhador deve poder ser interrompido no seu descanso se der o seu acordo à empresa. 


NOVO BANCO

É uma das guerras mais visíveis. Houve aproximações, mas insuficientes na ótica do Bloco. O partido de Catarina Martins reclama a suspensão dos compromissos de pagamento até à realização de auditoria à gestão do Novo Banco sob as orientações da Lone Star, algo que o Governo ainda não aceitou.  

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