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Costa desvaloriza alerta da Comissão Europeia sobre Orçamento
O primeiro-ministro entende que a Comissão Europeia não está a questionar as metas nem os pressupostos do Orçamento. O que Bruxelas quer são meros "esclarecimentos técnicos", diz. Termos e forma da carta de Bruxelas não confortam esta tese.
O primeiro-ministro António Costa desvalorizou esta tarde as advertências da Comissão Europeia, considerando que a carta enviada por Bruxelas não se destina a questionar as metas nem os pressupostos do plano orçamental para 2016. O que Bruxelas quer, no entender de António Costa, são apenas "esclarecimentos técnicos". "O que está em causa é tão somente uma avaliação técnica e nós temos bons argumentos para explicar à Comissão e defender a nossa posição".
Questionado sobre se está disponível para enviar um novo plano com uma meta mais ambiciosa para a redução do défice estrutural, Costa recusou responder, considerando que essa hipótese neste momento não existe. "Estamos disponíveis para um diálogo construtivo", mas "não está em cima da mesa um chumbo" e "não há qualquer outro cenário sobre a mesa". O que há, repetiu, é "um conjunto de questões técnicas" que até sexta-feira poderão ser dissipadas. "O senhor ministro das Finanças já disponibilizou os recursos técnicos para a Comissão satisfazer as suas dúvidas", acrescentou.
Os termos e a forma da carta enviada não confortam esta leitura. A carta foi escrita ao mais alto nível pelo vice-presidente da Comissão Valdis Dombrovskis e pelo comissário dos Assuntos Económicos Pierre Moscovici. Tem como destinatário o ministro das Finanças Mário Centeno, que a revelou depois de alguns jornais terem noticiado que Bruxelas recusara o plano orçamental para 2016.
Embora ainda não assuma uma posição fechada, Bruxelas deixa uma espécie de ultimato ao governo de António Costa, deixando entender que, na ausência de explicações convincentes, o mais provável é pedir a Lisboa um novo plano orçamental.
Na carta, a Comissão Europeia refere que já fez uma "análise preliminar do plano orçamental" e conclui duas coisas: que esse plano parte do pressuposto de que o défice de 2015 ficou acima de 3% (e que Portugal permanecerá, assim, em défice excessivo e, logo sujeito a controlos ainda mais apertados); e que a redução de 0,2 pontos percentuais programada para o défice estrutural fica "bem aquém" dos 0,6 recomendados pela Comissão e pelos ministros europeus das finanças (Ecofin) ainda em Julho de 2015.
Nestas circunstâncias, ou seja, por não ter posto o défice abaixo do limite de 3% do PIB no prazo prometido nem prever para 2016 uma redução do défice estrutural na amplitude recomendada, Portugal arrisca ficar numa situação de "grave incumprimento com as obrigações orçamentais decorrentes do Pacto de Estabilidade e Crescimento", adverte Bruxelas, lembrando que, neste quadro, terá de pedir a revisão do plano orçamental. A carta serve, assim, para alertar as autoridades portuguesas para essa iminência mas também para dar uma última oportunidade ao governo para explicar - por escrito e até sexta-feira, 29 de Janeiro - "porque é que planeia uma redução no défice estrutural de 2016 que fica tão aquém do ajustamento recomendado em Julho".
No plano enviado a Bruxelas, Mário Centeno prevê uma redução do défice estrutural em duas décimas, para 1,1% do PIB, quando Bruxelas havia recomendado que este indicador do endividamento do Estado fosse reduzido em 0,6 pontos percentuais. Em entrevista recente ao Financial Times, António Costa disse que a redução proposta para o défice estrutural era "a maior em muitos anos", mas trata-se da segunda menor desde 2011 - só no ano passado terá sido menor, em 0,1 pontos.
O pré-aviso de chumbo de Bruxelas ao primeiro Orçamento do governo socialista surge depois dos sérios reparos do Conselho de Finanças Públicas e de duas das principais agências de "rating", que consideraram igualmente "optimistas" e até "irrealistas" as previsões de crescimento económico subjacentes ao "esboço" orçamental. No caso da Fitch, a análise veio acompanhada do aviso: "qualquer relaxamento resultante de uma trajectória menos favorável dos rácios de dívida poderá desencadear uma acção de 'rating' negativa, assim como um crescimento mais fraco que tenha impacto negativo sobre as finanças públicas".