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2011: O FMI voltou a mandar aqui

Foi um dos anos mais loucos da histórica económica recente, com negociações ao mais alto nível para tentar evitar o resgate, um novo Governo e o terceiro pedido de assistência financeira desde 1974.

Pedro passos Coelho e Paulo Portas foram adversários na campanha mas aliados na governação durante quatro anos. João Miguel Rodrigues/Correio da Manhã
Rui Peres Jorge rpjorge@negocios.pt 31 de Maio de 2017 às 09:40
O ano de 2009 começa com a crise europeia ao rubro após os resgates da Grécia e da Irlanda, que deixaram Portugal como a última peça em pé antes do contágio a Espanha ou Itália. Os riscos de implosão do euro e de um terceiro resgate português foram por esses tempos tão reais, quanto negados pelos responsáveis políticos na altura.

Na Europa trabalhava-se para fortalecer a resistência da Zona Euro, desenhando planos de resgate cheios de austeridade para convencer os mercados de que não haveria borlas aos países do Sul. Ao mesmo tempo desenhava-se um mecanismo permanente de resgate. Hoje é claro que a dimensão e natureza da crise não era, ainda, totalmente reconhecida na esfera europeia: resistia-se, por exemplo, ao papel que o BCE teve de assumir a partir de 2012 como defensor de última instância do euro - e em Frankfurt até se viam riscos inflacionistas de tal ordem que Jean-Claude Trichet, o antecessor de Mario Draghi, subiu juros no mesmo mês em que Portugal foi resgatado. Voltou a fazê-lo em Julho.

Em Portugal, a dimensão do problema também era negada. O Governo de José Sócrates que tinha perdido o controlo das contas públicas vinha de PEC em PEC desde 2010, com cada vez mais austeridade para travar um défice público galopante e tentar baixar os juros que, para a dívida pública a 10 anos, se mantinham teimosa e perigosamente perto do 7%. José Sócrates, que até já tinha o terminal da Bloomberg no seu escritório, julgava ser possível travar o contágio e passou os primeiros meses de 2011 ano a negociar um mini-programa de ajustamento (conhecido como PEC IV) com a Comissão Europeia e BCE para tentar convencer os mercados do controlo da situação, e receber uma linha de apoio europeia. Não conseguiu nem uma coisa nem outra.

A crise política e o programa de ajustamento

O pedido de resgate ao FMI, à Comissão Europeia e ao BCE está ligado à crise política iniciada uns dias antes, a 23 de Março, quando, após terem sido serem surpreendidos com a apresentação do PEC IV numa cimeira europeia, PSD, PCP, Bloco de Esquerda e CDS votaram contra o plano pré-negociado pelo PS. A partir daí, o pedido de resgate estava a poucos dias. Sócrates, que se demitiria no dia seguinte, tentou adiá-lo até depois das eleições, mas não conseguiu.
José Socrates dirigiu o pedido de assistência finaneira a 6 de Abril.
José Socrates dirigiu o pedido de assistência finaneira a 6 de Abril. Ricardo Oliveira/GPM
Vários cortes de "rating" que resultaram no fecho total dos mercados mesmo no curto prazo, a forte pressão dos banqueiros e uma declaração de Teixeira dos Santos na tarde de 6 de Abril na qual considerava inevitável o pedido de resgate, forçaram o primeiro ministro a agir: horas depois José Sócrates anunciou o pedido de resgate ao país.

Abril e Maio ficaram marcados pelo desenho do "Memorando de Entendimento" com a troika, negociado pelo Governo, mas cuja redacção final, de 17 de Maio, mereceu o apoio de PS, do PSD e do CDS. Nele inscreveram-se as prioridades: uma redução rápida do défice orçamental dos 10% do PIB de 2010 para menos de 3% daí a dois anos; um ambicioso programa de privatizações onde se incluíam empresas como a EDP e REN e a eliminação da golden-share da PT; reformas liberalizadoras do mercado de trabalho, com a redução do subsídio de desemprego a ganhar a dianteira; e a reestruturação do sector financeiro. Isto em troca de 78 mil milhões de euros de financiamento durante três anos, 12 mil milhões dos quais para a banca.

Das eleições de início de Junho, ganhas por Pedro Passos Coelho, líder do PSD, que garantia na altura que não seria preciso cortar salários no Estado nem fazer despedimentos no Estado, saiu um governo de centro direita que, com o apoio de Paulo Portas, abraçou a estratégia de ajustamento com convicção, pelo menos nos primeiros anos.

À frente da equipa governativa surgia Vítor Gaspar, um dos mais destacados economistas portugueses, vindo de Bruxelas para o ministério das Finanças, com o objectivo de não falhar no ajustamento: em Julho anunciou um imposto extraordinário que levou meio subsídio de Natal de todos os portugueses, e acabou com as ilusões de um ajustamento fácil. Em Outubro, determinou que os funcionários públicos e pensionistas perderiam quase dois salários, em cima do corte médio de 5% que já lhes tinha sido aplicado por Teixeira dos Santos. A liberalização do mercado de trabalho e as privatizações ocuparam grande parte da acção governativa de 2011.

Saída limpa com a banca de rastos

O programa de ajustamento fica marcado por uma recessão e desemprego maiores do que antecipado em 2011, forçando sucessivos reajustes às metas orçamentais, e confrontos com o Tribunal Constitucional que, por várias vezes, considerou medidas de austeridade inconstitucionais por penalizarem em excesso funcionários públicos e pensionistas, sem ser conhecido um plano de reforma da gestão do Estado.

O programa de ajustamento foi, no entanto, relativamente bem-sucedido em pelo menos três frentes: no polémico programa de privatizações, na flexibilização do mercado de trabalho, e na redução dos preços da energia e das rendas excessivas incluídas nas Parceiras Público-Privadas. E embora não tenha conseguido que o país iniciasse a redução do peso da dívida no PIB, garantiu uma redução contínua do défice público, reconhecida nos mercados financeiros e nas lides europeias.

Este desempenho, a par com a reviravolta na crise europeia que aconteceu em 2012 e 2013 - com o reforço das regras orçamentais no Tratado Orçamental, o plano de criação de uma união bancária com supervisão centralizada, e a garantia de Mario Draghi de que o BCE faria o que fosse preciso para salvar o euro - garantiram a Portugal uma "saída limpa" do programa de ajustamento no Verão de 2014, com acesso contínuo a financiamento nos mercados financeiros internacionais.

Desde então, a economia tem recuperado lentamente e sem gerar défices externos. Ficaram também evidentes as fragilidades da banca que não foram resolvidas durante o ajustamento, e que se traduziram na implosão do BES ainda em 2014, na resolução do Banif em 2015, e no plano de recapitalização da CGD com mais de cinco mil milhões de euros aprovado em 2016, e implementado já este ano.

A situação nacional continua a ser de risco elevado no panorama internacional: com uma dívida de 130% do PIB, das mais altas do mundo, e um crescimento baixo, as três principais agências de "rating" continuam a classificar a dívida nacional abaixo de nível de investimento. A dívida externa permanece uma das mais elevadas em termos internacionais.


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