Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Tsipras cede nas pensões e no IVA mas não nas despesas militares

A proposta enviada a Bruxelas ainda é vaga na linguagem, mas oferece cedências nas pensões e nas taxas do IVA, incluindo a possibilidade de abolição progressiva da redução aplicada nas ilhas. Já nas despesas militares, Atenas quer menos cortes do que os exigidos pela troika. Em troca deste pacote de austeridade, pede "pelo menos" 53,5 mil milhões de euros de novos empréstimos aos parceiros do euro.

Reuters
  • 69
  • ...

O pacote de austeridade proposto pelo governo grego à Zona Euro contempla medidas mais duras do que as anteriormente propostas por Alexis Tsipras e mais em linha com o acordo sugerido pela troika que foi chumbado pelos gregos em referendo. 

 

A última proposta grega ainda continua muito vaga, com várias intenções de reforma a serem explicitadas sem calendário nem quantificação precisos, designadamente quanto ao fim dos privilégios fiscais dos armadores. Mas em vários pontos oferece convergência face ao que era pedido pelos credores. É o caso dos cortes nas despesas com pensões e do agravamento das taxas de IVA, com Atenas a admitir agora a abolição progressiva (a começar em Outubro deste ano com vista a ser concluída no final de 2016) da redução de 30% das taxas de imposto aplicadas nas ilhas. A abolição deste desconto do IVA nas ilhas vem acompanhada de alguns "mas": as mais remotas ficam isentas, e o agravamento fiscal nas demais fica dependente de medidas que possam compensar esse efeito junto da população local. 

Os restaurantes passarão a cobrar IVA de 23%, em vez dos actuais 13%, sendo esta a taxa aplicada também aos transportes e tratamento de esgotos. Os hotéis passam de uma taxa de 6,5% para 13%. Na taxa mínima de 6% ficam medicamentos, livros e teatro. Tudo em linha com o já proposto pela troika.

 

Também a taxa de IRC surge com um aumento menos acentuado - de 26% para 28% em 2016, como era aceite pela troika, mas Atenas admite um agravamento para 29% se a receita fiscal derrapar, circunstância que poderá levar também a um aumento das taxas de imposto sobre as famílias (de 11% para 15% para rendimentos inferiores a 12 mil euros, e de 33% para 35% para rendimentos superiores).

 

Nas despesas militares, Atenas propõe, porém, cortes de 100 milhões de euros neste ano e de 200 milhões no seguinte, quando a troika quer poupanças de 400 milhões.

 

Nas pensões, as novas propostas de Atenas também se aproximam das dos credores, antecipando em três anos, para 2022, a conclusão do processo de aumento da idade legal da reforma para os 67 anos. O governo grego promete iniciar desde já esse processo, legislando nesse sentido ainda neste mês, com o objectivo de poupar em 2015 o equivalente a até 0,5% do PIB em pensões, valor que sobe para 1% em 2016. De novo em linha com o exigido pela troika, preve-se que as contribuições dos pensionistas para o sistema de saúde subam de 4% para 6% "em média", e que também as pensões complementares fiquem sujeitas a esses descontos.

 

Quanto à função pública, prevê-se a criação de um quadro de mobilidade no último trimestre deste ano. A massa salarial terá de ser reduzida até 2019 (não se quantifica), tendo salários e efectivos  de ser ajustados a essa meta. Com data surge a redução dos suplementos salariais: Janeiro de 2016.

 

Ao invés dos privilégios fiscais dos armadores, que se escreve deverem ser abolidos mas sem referir quando, o documento diz que em 2017 será iniciado o processo de eliminação dos benefícios aos agricultores. Em 2016, terminarão os subsídios ao gasóleo agrícola.

 

Nas privatizações, o governo de Tsipras admite avançar com todas as que estão em curso e as que estão previstas, e não mexer nos respectivos cadernos de encargo. Admitem agora também avançar com a privatização da rede eléctrica (ADMIE), como pretende a troika, mas acrescentam que poderão apresentar uma alternativa "com resultados equivalentes em termos de concorrência" até Outubro deste ano.

 

Em troca deste pacote de austeridade, Atenas pede "pelo menos" 53,5 mil milhões de euros de novos empréstimos aos parceiros do euro. Mantém o compromisso de apresentar excedentes orçamentais primários (receitas superiores às despesas, excluindo o serviço da dívida) equivalentes a 1%, 2%, 3% e 3,5% do PIB para os anos compreendidos entre 2015 e 2018. Entre subida de impostos e cortes nas despesas, este pacote de austeridade rondará os 12 mil milhões de euros, segundo avança a imprensa grega. "É o pacote de austeridade mais punitivo que alguma vez um governo teve de implementar durante os cinco anos de crise económica na Grécia", escreve a correspondente do The Guardian.

 

O que se segue?

 

Este pacote terá agora de ser avaliado pela troika, antes de ser – ou não – aprovado no sábado pelo Eurogrupo e confirmado no domingo pelos líderes do euro, de modo a travar o cenário de saída do euro.

No pedido de empréstimo feito na véspera aos europeus, o novo ministro grego das Finanças, Euclid Tsakalotos, havia prometido legislar já na próxima semana sobre impostos e pensões, dando um passo sem o qual não haverá nenhum tipo de transferência ou garantia da Zona Euro que permita à Grécia honrar  os 3,5 mil milhões que deve ao BCE até 20 de Julho, enquanto se concluem as negociações – necessariamente mais demoradas – em torno de um terceiro resgate. E sem repor alguma normalidade com o BCE, os bancos gregos continuarão fechados e o país asfixiado. Segundo as novas previsões de Atenas, citadas por alguma imprensa local, em vez de crescer a economia grega encolherá neste ano 3%.

Empréstimo exige corte na dívida: quem perde?

Tal como o FMI, também as regras do Mecanismo Europeu de Estabilidade exigem que, antes de qualquer empréstimo, se assegure que a dívida do país permanecerá sustentável – ou seja, que há o mínimo de garantias de que será devolvido. Na sequência do pedido grego, essa análise está a ser efectuada pela Comissão Europeia, juntamente com o FMI e BCE.

O ministro alemão das Finanças disse ontem que  concorda com Christine Lagarde, directora-geral do FMI. Em face da degradação das condições económicas e financeiras do país, a dívida pública grega precisa de ser cortada para ser sustentável, mas não à custa dos contribuintes europeus, advertiu Wolfgang Schäuble. Falando em Frankfurt ao lado de Michel Sapin, ministro francês das Finanças, numa conferência organizada pelo Bundesbank, Schäuble respondeu que "para que a dívida grega seja sustentável é preciso cortá-la. O FMI está correcto ao dizê-lo". Mas, acrescentou, "não pode haver cortes na dívida oficial [perdão de empréstimos concedidos pelos Estados e garantidos pelos seus contribuintes]".

Mesmo a possibilidade de um novo alargamento dos calendários de amortização da dívida grega "é muito pequena", acrescentou.  Ao longo da sua intervenção, o ministro referiu-se ao princípio do "bail-in". Aplicado a Estados, esse princípio poderia passar por um imposto extraordinário sobre a riqueza destinado a abater a dívida do próprio país. 

 

O que foi já feito para aliviar a dívida grega?

 

A Grécia obteve em 2012 o maior perdão de que há registo, depois de bancos e casas de investimento terem aceite um corte ("hair-cut") de 53,5% no valor nominal dos títulos de dívida que lhes haviam sido vendidos pelo Estado grego.

 

Os Estados do euro, que emprestaram o essencial dos fundos desde 2010, nunca aceitaram, porém, perdoar dívida em termos nominais, e já ontem Angela Merkel voltou a rejeitar essa hipótese, que é também frontalmente recusada pela generalidade dos países do euro, em particular pelos três do Báltico, Eslováquia e Finlândia.

 

Já por duas vezes, porém, os parceiros do euro aliviariam as condições de reembolso dos cerca de 200 mil milhões de euros emprestados a Atenas desde 2010 e, em Novembro de 2012, admitiram voltar a fazê-lo uma vez mais se os governos gregos cumprissem os programas de ajustamento acordados – o que deixou agora de ser o caso.

 

Neste momento, as taxas de juro cobradas à Grécia são praticamente iguais ao preço a que os fundos de resgate do euro (que têm rating máximo) conseguem captar financiamento nos mercados, tendo sido decretado um prazo de carência de dez anos para o pagamento de juros (a Grécia só começará a pagar o primeiro euro aos europeus a partir de 2022), ao mesmo tempo que os prazos de maturidade dos empréstimos foram prolongados para uma média que ronda 30 anos. Trata-se de condições mais favoráveis do que as aplicadas aos demais resgatados do euro, entre os quais Portugal.

 

(notícia actualizada às 2h00)

Ver comentários
Saber mais Alexis Tsipras economia negócios e finanças Zona Euro pensões IVA Grécia
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio