Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Letónia: Vem aí o “Luxemburgo dos pobres”?

A partir de Janeiro, a Letónia será o 18º país do euro. A sua adesão tem sido encarada como uma prova de que, afinal, a união monetária europeia “está bem e recomenda-se” e de que as receitas de ajustamento do FMI funcionam, desde que seguidas com zelo pelo “paciente”. Mas as mudanças recentes no seu sistema fiscal, aliadas à proximidade geográfica e cultural à Rússia, estão a gerar o receio de que este pequeno país do Báltico se transforme num novo Luxemburgo ou, no pior dos caso, num novo Chipre.

29 de Julho de 2013 às 17:24
  • 14
  • ...

Com pouco mais de dois milhões de habitantes, o pequeno país do Báltico está prestes a converter-se no 18º membro da Zona Euro. A sua adesão tem sido encarada como uma prova de que, não obstante todos os percalços e desafios, a união monetária europeia “está bem e recomenda-se” e de que as receitas de ajustamento do FMI funcionam, desde que seguidas com zelo pelo “paciente”.

 

Em Abril, o Fundo anunciava que tenciona fechar já neste Verão a delegação aberta em Riga para monitorizar o cumprimento do programa de assistência iniciado em 2009, depois de o pequeno país do Báltico ter pago a última parcela do empréstimo – quase três anos antes do previsto. E, não obstante constatar que a Letónia tem ainda pela frente “desafios significativos que incluem a necessidade de combater o desemprego e aprofundar as reformas estruturais”, a "recuperação económica está agora bem estabelecida", referia então a instituição liderada por Christine Lagarde. 

 

Em 2008, no rescaldo da crise financeira, a Letónia, que acumulava um enorme défice externo, viu-se privada de financiamento e foi forçada a pedir um empréstimo de 7,5 mil milhões de euros à União Europeia e ao FMI. O país seguiu uma rigorosa receita de austeridade, levada por vezes além do que prescreviam os credores.

 

Os mercados recompensaram a disciplina orçamental e os planos de adesão à Zona Euro: os “juros” da dívida pública a cinco anos passaram de 12% em Março de 2009 para um mínimo histórico de 1,7% no final do ano passado. Aproveitando as condições favoráveis do mercado, Riga emitiu dívida ainda no fim de 2012 que lhe permitiu pagar a totalidade do empréstimo pedido ao FMI com quase três anos de avanço.

 

"Bolhas" à vista?

 

Mas a entrada no clube do euro marcada para Janeiro de 2014 tem gerado alguma preocupação de que o país do Báltico possa converter-se num território propício à evasão e fraude fiscais, agora sem risco cambial, e que, nessa medida, possa atrair holdings financeiras, como o faz por excelência o Luxemburgo, ou até dinheiro oriundo de negócios ilícitos, como o que esteve na base do crescimento – e posterior explosão – de parte do sistema bancário cipriota.

 

Porquê?

 

A Letónia tem uma das taxas de imposto sobre os lucros das empresas (o equivalente ao IRC) mais baixas da Europa - 15% - e, desde o início deste ano, as holdings beneficiam de um enquadramento fiscal mais generoso, que isenta os dividendos pagos por residentes a não-residentes, e vice-versa.

 

Além disso, a partir de 2014 as holdings deixarão de ser tributadas sobre os juros e royalties pagos a empresas estrangeiras. Isso fará com que o país se torne mais atraente para os investidores estrangeiros que queiram aí instalar as suas holdings.

 

Markus Meinzer, analista no “Tax Justice Network”, uma organização internacional que se bate pela transparência dos regimes fiscais à escala global, considera que a Letónia tem tudo para ser o "Luxemburgo dos pobres”. Em declarações ao Der Spiegel, Meinzer enumera os riscos. A Letónia, diz, encaixa no paraíso fiscal cada vez mais comum: criou regras para sair das “listas negras”, para logo depois simplesmente ignorar suas próprias regras, enquanto dá guarida a dinheiro sujo. A circunstância de ser um pequeno e jovem Estado, onde o russo é ainda a segunda língua mais falada, torna ainda maior o risco de se transformar num "Estado capturado", cujas leis são ditadas pelo sector financeiro, com escasso ou nenhum controlo democrático, acrescenta. O facto de pertencer à União Europeia tem funcionado como travão a esses riscos, mas a adesão ao euro dará agora aos investidores um incentivo adicional para usar Letónia para operações de “planeamento fiscal agressivo" – na sua designação politicamente correcta.

 

Passaporte (mais do que) dourado

 

Há outro fenómeno paralelo a contribuir para o receio de que a Letónia possa transformar-se no “Luxemburgo dos pobres”, numa versão bem-sucedida, ou, no pior dos casos, num “novo Chipre”.

 

A cada Verão, as praias de Jürmala, próxima à capital Riga, continuam a ser o ponto de encontro de ricos e famosos.Mas se no tempo da União Soviética eram destino favorito de líderes da URSS como Leonid Brezhnev e Nikita Khrushchov, agora recebem o concurso de música New Wave e atraem oligarcas como Mikhail Fridman e Roman Abramovich.

 

"O New Wave impulsiona a popularidade de Jürmala e claro que também ajuda ao sector do imóveis", refere à Deustche Welle (DW) Andrey Shcherbakov, director do departamento imobiliário do Rietumu Banka, um banco privado para clientes mais abastados provenientes principalmente de Rússia, Ucrânia, Cazaquistão.

 

Escreve a DW que o Parlamento letão aprovou em 2010 uma lei algo semelhante ao “passaporte dourado” de Paulo Portas, mas muito mais vantajoso: estrangeiros que adquirirem imóveis de valor superior a 140 mil euros obtém, em troca,  vistos de permanência de cinco anos válidos para a Letónia e para todo o território da União Europeia. Desde a aprovação dessa legislação, mais de 377 milhões de euros já foram investidos no sector imobiliário por estrangeiros.

 

Shcherbakov constata que o fluxo de compradores de imóveis aumentou após a recente crise no Chipre, dando a entender que o capital que estava no país do Mediterrâneo fluirá agora em direcção ao Báltico. "São clientes que utilizam os bancos letões como um centro financeiro, e podemos notar uma diversificação nos investimentos. Eles não transferem simplesmente os seus recursos para um novo banco, mas também adquirem propriedades e investem no país", revela.

 

Não há riscos, diz Riga

 

O primeiro-ministro da Letónia, Valdis Dombrovskis (na foto), é um dos maiores promotores da entrada do país na Zona Euro que entusiasma menos de 40% da população. Em entrevista ao Der Spiegel, rejeita que o país possa ser comparado a Chipre, frisando que a banca movimenta o equivalente a 128% do PIB letão, três vezes menos do que a média na UE e sete vezes menos do que Chipre antes do colapso. “A nova legislação fiscal foi introduzida a fim de reforçar a competitividade do nosso mercado financeiro, mas isso definitivamente não vai criar um afluxo maciço de capital. Não entra em conflito com os critérios de estabilidade da Zona Euro”, assegura.

 

Natalya Tkachenko, directora-executiva do Baltic International Bank, especializado no atendimento a não-residentes provenientes de Rússia, Ucrânia e Inglaterra concorda. Os seus cálculos, referidos na reportagem da DW, sugerem que não houve uma corrida repentina aos bancos do país ou aumentos significativos nos depósitos dos residentes estrangeiros.

 

"Havia cerca de 313 milhões de euros depositados no nosso banco no final de Fevereiro último, e agora o total é de 322 milhões. Isso significa um aumento de 3%, o que é perfeitamente normal", refere. Mas, acrescenta, tem notado um maior interesse na possibilidade de estabelecer holdings na Letónia por parte de investidores da Comunidade dos Estados Independentes (Rússia, Bielorrússia e Ucrânia) que desejam transferir seus negócios para o país.

 

Ver comentários
Saber mais Letónia Luxemburgo Chipre euro
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio