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Alerta vermelho em Itália antes do referendo

O receio face à incerteza e a volatilidade dos mercados estão a marcar a antecâmara do referendo constitucional italiano. A consulta popular que poderá abrir uma nova crise política e bancária em Itália deixou a Europa em suspenso.

Reuters
26 de Novembro de 2016 às 15:30
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"O Brexit chocou os mercados em Junho e Donald Trump chocou os investidores em Novembro. Os italianos podem ser os próximos", avisa a CNBC num artigo publicado esta semana em que aborda a possibilidade de o referendo constitucional transalpino poder "abanar a Europa". No próximo dia 4 de Dezembro o eleitorado italiano terá de decidir entre o "sim" e o "não" à reforma constitucional (também conhecida como lei Boschi) proposta pelo Governo chefiado por Matteo Renzi.

 

O primeiro-ministro transalpino considera que as alterações constitucionais garantirão a estabilidade governativa de que Itália necessita para proceder às reformas consideradas prementes e ultrapassar os bloqueios à governação provocados por um sistema bicameralista perfeito, o que obriga a que, por exemplo, as leis tenham de ser aprovadas pelas duas câmaras. Renzi atribuiu um carácter decisivo a esta consulta popular, tendo-se comprometido a demitir-se se o "sim" perder.

 

Neste momento essa é mesmo a hipótese mais provável, isto se forem tidas em conta as sondagens conhecidas durante as últimas semanas – desde o dia 19 até ao referendo (15 dias antes da consulta) não são divulgadas sondagens por determinação constitucional – que atribuem a vitória ao "não", amplamente defendido por todos os partidos da oposição ao Governo de coligação entre o PD e o Novo Centro-Direita.

 

Assumindo a vitória do "não" e consequente demissão de Renzi, Itália entra em terreno desconhecido. Apesar de Renzi já ter dito ser contra a realização de eleições antecipadas, vários membros do PD defendem que esta será a única solução num cenário de derrota e demissão do primeiro-ministro italiano. Isto mesmo é também defendido pela oposição, que rejeita qualquer solução que passe por um Governo tecnocrata à Mario Monti.

O Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo e de Virginia Raggi (autarca de Roma) lidera a campanha do 'não'.
O Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo e de Virginia Raggi (autarca de Roma) lidera a campanha do "não". Reuters


Caso se concretize a demissão de Matteo Renzi, o presidente da República teria de encontrar um primeiro-ministro capaz de obter o apoio de um Parlamento altamente fragmentado. Uma solução passaria pelo já referido Governo tecnocrata. No entanto o cenário mais provável seria a convocação de eleições antecipadas. E perante novas eleições, a força assumidamente populista e anti-euro liderada por Beppe Grillo, o Movimento 5 Estrelas, surge na dianteira dos estudos de opinião.

 

Numa nota de "research" do HSBC, o banco britânico avisa que o "sentimento anti-establishment" observado nos resultados das presidenciais norte-americanas e do referendo no Reino Unido "poderá encorajar as posições populistas já muito difundidas em Itália".

 

Risco político reflectido nas acções e obrigações

 

Independentemente do resultado que se vier a verificar no próximo fim-de-semana, certas são já as repercussões sentidas na bolsa italiana, nas acções dos principais bancos transalpinos e também nas obrigações de dívida transalpina.

 

A tendência de queda da bolsa italiana visível desde o início de 2016 agravou-se, primeiro, na ressaca da vitória do Brexit no referendo britânico, e, depois, face ao aproximar do referendo do próximo dia 4. Depois de ter negociado sempre em queda na semana passada, a bolsa italiana acumula perdas superiores a 20% em 2016.

 

Desvalorização ímpar entre as principais praças europeias, em especial se forem tidas em conta as bolsas dos países periféricos, pese embora 2016 tenha sido marcado por grande volatilidade dos mercados accionistas. Porque se o PSI-20 já perdeu acima de 16% em 2016, o espanhol IBEX regista perdas inferiores a 10% desde o início do ano e até mesmo a praça grega caiu menos de 9%. Já o britânico Footsie acumula ganhos superiores a 9% no ano.  

 

As taxas de juro exigidas pelos investidores para adquirirem dívida italiana nos mercados secundários também denotam um impacto do receio inerente à incerteza em torno do referendo constitucional. As obrigações com prazo a 10 anos têm estado na casa dos 2,2% depois de, em 14 de Novembro, terem tocado nos 2,23%, um máximo desde Julho do ano passado.

 

E se este valor continua ainda bastante abaixo da casa dos 3,6% em que tem estado a taxa de juro das obrigações portuguesas (que também têm estado em alta), é bastante mais elevado do que a taxa de 1,5% das obrigações espanholas a 10 anos.

Só que um dos maiores riscos da abertura de uma crise política em Itália passa pelo mais do que provável desencadear de uma crise nos bancos transalpinos. "A estabilidade política pode penalizar o sistema financeiro italiano – especificamente os bancos que estão a tentar limpar os seus balanços", explica Andrea Montanino, director do Atlantic Council e antigo director-executivo do FMI, em declarações à CNBC. 

 

Banca italiana ameaça pode provocar crise sistémica

 

O problema do sistema financeiro italiano coloca também em causa o objectivo europeu de não recurso aos contribuintes para resgatar bancos falidos ou com problemas de capitalização. Mas o problema dos bancos italianos é suficientemente grave para que diversos analistas avisem para o risco de uma nova crise bancária em Itália, com risco sistémico para todo o sistema europeu.

 

A banca italiana soma um total acumulado de cerca de 380 mil milhões de euros em crédito malparado, segundo números do Fundo Monetário Internacional (FMI). O problema da banca transalpina não foi enfrentado depois da crise financeira de 2008. Enquanto os bancos britânicos, irlandeses e espanhóis foram resgatados, ou parcialmente resgatados, com recurso a dinheiros públicos, em Roma e Bruxelas considerou-se que o sistema italiano não enfrentava necessidades imediatas de recapitalização. A opção foi a de esperar por uma recuperação económica que tarda em chegar.

 

Combinados, o Unicredit e o Monte dei Paschi, maior e terceiro maior bancos do sistema, perderam mais de metade do seu valor no que leva o ano de 2016, para uma capitalização bolsista conjunta de 13 mil milhões de dólares. O Unicredit já caiu mais de 61% em 2016 estando actualmente a negociar próximo de mínimos de Agosto. O segundo maior banco, o Intesa Sanpaolo, perdeu 34%. Nesta altura entre os seis piores desempenhos dos bancos cotados no índice bolsista de referência europeu para o sistema financeiro estão cinco instituições italianas.

 
Bancos italianos lideram perdas no índice da banca europeia

O problema do sistema financeiro abrange também as instituições financeiras regionais de pequena e média dimensão. Contudo o maior e mais imediato problema prende-se com a escassez de capital e o elevado volume de crédito malparado do Monte dei Paschi, que transacciona há longos meses próximo de mínimos históricos. Desde o colapso do Lehman Brothers, o Monte dei Paschi já desvalorizou 99%.

 

Entretanto, na passada sexta-feira foi finalmente aprovado o aumento de capital de 5 mil milhões de euros pelo banco mais antigo do mundo ainda em exercício. Porém, a resolução deste problema poderá implicar a passagem da discussão para o plano europeu. Se o recurso ao tradicional "bail out" é dificultado pelas regras europeias, adoptar a via do "bail in" (que implica perdas para os obrigacionistas e depositantes) configura um enorme risco de contágio à economia italiana e, consequentemente, ao restante sistema financeiro da Zona Euro.

O plano inicial passa por assegurar mil milhões vindos dos obrigacionistas e os restantes 4 mil milhões de grandes investidores e venda de acções em mercado. Contudo, o banco já avisou que, se até ao final do ano não conseguir realizar o aumento de capital, poderá ter de recorrer ao "bail out". Ainda assim o Governo italiano poderá poderá ter boas notícias se se confirmar uma ajuda "precaucionária" que permita superar os entraves colocados pelas regras europeias, hipótese avançada à Bloomberg por fonte comunitária anónima.


A desvalorização do Banca Monte dei Paschi di Siena

 

O problema da banca italiana apresenta mesmo um claro risco sistémico mesmo para a banca europeia. Ainda no Verão passado, a Reserva Federal dos Estados Unidos mostrava preocupação face à desvalorização das acções dos bancos italianos e à deterioração dos seus balanços. 

 

E esta semana o Banco Central Europeu advertia que "é provável uma maior volatilidade no futuro próximo e o potencial de uma correcção abrupta permanece significativo". A instituição liderada pelo italiano Mario Draghi enquadrava este alerta com a "elevada incerteza política a nível global e às vulnerabilidades dos mercados emergentes". A derrota de Renzi no referendo e a ameaça de demissão adensam a incerteza.

 

O Commerzbank antecipava esta sexta-feira que em Dezembro o BCE deverá anunciar o reforço do programa mensal de compra de activos que está em curso. Uma decisão que deverá tornar-se "mais urgente" se a autoridade monetária se vir obrigada a responder a um ainda maior aumento dos juros da dívida pública transalpina que aconteceria se o "não" vencer o referendo, indicam os analistas da instituição germânica. Além de uma economia estagnada, Itália detém uma dívida pública superior a 130% do PIB, a segunda mais alta da Zona Euro atrás da dívida helénica. No aviso feito esta semana, o BCE lembrava que a perspectiva de um "forte choque na confiança" deverá castigar as condições de financiamento dos  países mais "vulneráveis" da Zona Euro. A Itália é um deles, assim como Portugal.

Apesar de se ter proposto a acabar com os tradicionais períodos de instabilidade política em Itália, Matteo Renzi iniciou um período de incerteza que vem penalizando nos mercados o país e o seu sistema financeiro. No dia 5 de Dezembro a Europa poderá estar a braços com uma nova crise, cujas dimensões ainda ninguém consegue antecipar.

Renzi tem sentido dificuldades para convencer o eleitorado a votar 'sim'.
Renzi tem sentido dificuldades para convencer o eleitorado a votar "sim". Reuters

 

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