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Défice de França supera o de Itália, mas não deve arriscar PDE. Porquê?

Com as medidas anunciadas por Macron, o défice francês em 2019 vai superar o de Itália, quebrando a regra dos 3%. Contudo, França não deverá ser alvo de um procedimento por défices excessivos. Porquê?

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"As situações são completamente distintas". A frase é de Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos, que apressou-se a traçar uma linha que separe a situação orçamental de França e a de Itália. Mas quais são essas diferenças? Os dois países têm pontos de partida diferentes, mas as dúvidas sobre um tratamento diferente acumulam-se. Principalmente porque em 2016 Jean Claude Juncker disse que a Comissão dava margem de manobra ao défice francês "porque é a França".

O anúncio de Emmanuel Macron de novas medidas que custam 10 mil milhões de euros, aumentando o défice dos 2,8% para os 3,4%, chega numa altura em que a Comissão Europeia tem um diferendo com Itália. Esse conflito já chegou ao ponto de Bruxelas recomendar a abertura de um Procedimento Por Défices Excessivos, processo que pode em último caso levar a sanções. O Governo italiano tem recusado ceder a Bruxelas, apesar de recentemente ter aberto a porta a rever a meta do défice se isso não implicar a retirada das medidas emblemáticas do Orçamento para o próximo ano. 

Na Europa, o agravamento do défice francês tem sido interpretado como uma "prenda" para os populistas italianos que reforçam os seus argumentos contra as regras europeias impostas a Itália. O vice-primeiro-ministro italiano, Di Maio, já comentou o caso, citado pelo Financial Times, referindo que "se as regras se aplicam a todos", França tem de ser alvo das mesmas ameaças. Já Matteo Salvini, também vice-primeiro-ministro italiano, provocou Paris ao dizer, segundo o Politico, que fará "tudo" para relançar o eixo Roma-Berlim agora que França está com "problemas".

Quais são as diferenças?
"A comparação com a Itália é tentadora, mas errada porque as situações são completamente distintas", garante Moscovici, em entrevista ao jornal francês Le Parisien publicada esta quarta-feira, 12 de Dezembro. O comissário europeu justifica essa diferença com o nível de endividamento público: França tem uma dívida pública de 99% do PIB enquanto o endividamento italiano supera os 130% - a segunda maior da União Europeia -, pelo que a Comissão tem de exigir maior esforço de consolidação orçamental aos italianos. 

A expectativa de Bruxelas face às explicações do Governo francês é que esta derrapagem do défice em 2019 - depois de França ter saído do Procedimento por Défices Excessivos (PDE) em 2017 - representa uma situação "temporária" e "excepcional". Ao contrário do Governo italiano, o Executivo francês compromete-se reduzir significativamente o défice nos próximos anos (1,4% em 2020). Moscovici chega mesmo a traçar a linha vermelha: Macron não pode violar a regra dos 3% durante dois anos consecutivos nem ir além dos 3,5%. 

O comissário europeu defende que se porventura for permitido a França que supere os 3% do défice tal não configura qualquer espécie de "indulgência". "São as nossas regras, nada mais", garantiu. Para Moscovici não há dois pesos nem duas medidas na avaliação dos objectivos orçamentais de Roma e Paris porque "a Comissão Europeia mantém a dívida italiana sob vigilância há vários anos e isso nunca aconteceu com a França". Deverá ser com o pretexto do elevado endividamento público que o PDE poderá ser aberto a Itália. 

Acresce que o défice francês do próximo ano conta com uma medida one-off de 0,9 pontos percentuais que terá sido aceite por Bruxelas, segundo a imprensa francesa, uma vez que o seu efeito em 2019 será particularmente penalizador, mas depois deverá deixar de o ser. Sem esse efeito temporário, o défice seria de 2,5%. Recorde-se que no ano passado o défice de Portugal apurado pelo Eurostat atingiu os 3% por causa da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, classificada como medida one-off, o que não levantou problemas em Bruxelas.

Quanto a Itália, a atitude das instituições europeias tem sido intransigente, mas de abertura ao diálogo. Numa conferência sobre o futuro da Europa que decorreu em Frankfurt, Moscovici revelou que vai ainda hoje para Bruxelas para se reunir com o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, numa nova tentativa para encontrar uma solução que permita superar o impasse provocado pela rejeição, pela Comissão Europeia, da proposta orçamental expansionista feita por Roma. Segundo a Reuters, Conte vai apresentar novas metas orçamentais, apesar de isso estar a causar problemas dentro da coligação governativa.

Moscovici insistiu, porém, que é fundamental cumprir as regras e defendeu que o respeito pelas mesmas "não significa austeridade". O comissário notou que Bruxelas mantém-se "flexível" no diálogo com Roma e recordou que aceitou que o esboço orçamental italiano para 2019 contivesse um reforço da despesa de 30 mil milhões de euros, equivalente a cerca de 1,5% do PIB – "isto não é austeridade", atirou.

Os números mostram estas diferenças?
Os dados económicos sobre os dois países mostram duas realidades diferentes ao nível das finanças públicas. Em primeiro lugar, a dívida pública: de facto, apesar de ter aumentado significativamente com a crise, a dívida pública francesa - a quinta maior da União Europeia - está ainda longe dos níveis italianos. Enquanto França chegou à crise de 2008 com uma dívida de 70%, Itália mantém uma dívida superior a 100% pelo menos desde 2000, segundo os dados do Eurostat. No défice orçamental a história já é outra. Neste ponto, Itália pode reivindicar um histórico melhor. Desde 2007 que Itália tem constantemente registado défices menores do que os de França. No pior ano da crise para ambos os países - 2009 -, o défice francês atingiu os 7,2% enquanto o italiano ficou-se pelos 5,2%. Só em 2017 é que o Governo francês conseguiu retirar o país do Procedimento por Défices Excessivos ao registar um défice de 2,7% do PIB. Itália regista défice iguais ou inferiores a 3% desde 2012. Mas como é que Itália, tendo um défice menor há vários anos, tem uma dívida pública maior? A justificação está no crescimento económico, o motivo dado pelo actual Governo italiano para intensificar a despesa pública. Como mostra o gráfico, França tem registado um ritmo de subida do PIB acima do de Itália pelo menos desde 1996. Desta forma, o crescimento económico francês tem compensado (parcialmente) o efeito do aumento do défice. Ou seja, apesar do défice francês aumentar mais do que o italiano, o PIB francês também aumentou mais em comparação com o italiano, o que permitiu travar a evolução do rácio da dívida no PIB. Além disso, como já foi dito, o ponto de partida é muito diferente: em 2000, a dívida pública de França representava 60% do PIB enquanto a de Itália já atingia os 109%. 

Salvini tenta capitalizar e já pede mandato para enfrentar Bruxelas
Com este anúncio de Macron e a aparente permissão de Bruxelas, o Governo populista controlado pelos vice-primeiros-ministros Matteo Salvini (Liga) e Di Maio (5 Estrelas) viu uma nova brecha por onde atacar a União Europeia e promover, internamente, a retórica eurocéptica. Di Maio veio ainda ontem pedir à Comissão para seguir o exemplo do que fez relativamente a Roma e proponha também a abertura de um procedimento por défices excessivos contra França.

Já esta quarta-feira foi a vez de Salvini apontar baterias a Bruxelas, criticando a burocracia das "décimas" e dos "poderes fortes", numa clara alusão ao que considera ser uma diferença de tratamento entre duas das três maiores economias da área do euro.

Em alta nas sondagens, o líder da Liga reafirmou a aliança com o anti-sistema 5 Estrelas e recusou provocar eleições antecipadas para tirar partido do bom momento nas intenções de voto. No entanto, Salvini aproveitou para pedir aos italianos um "mandato para negociar com a UE" sem cedências, o que deixa em aberto a possibilidade de voto antecipado se o confronto com Bruxelas resultar numa derrota para o actual Executivo. 
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