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Como é que Bruxelas pode condicionar o Governo italiano?

Mais do que o défice, o problema está na trajectória da dívida, e a Comissão Europeia tem à sua disposição uma série de regras que pode usar para limitar a ambição do Governo italiano. No entanto, as eleições europeias de 2019 podem condicionar as decisões políticas.

EPA
09 de Outubro de 2018 às 15:00
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Recorda-se da ameaça de sanções que pairou sobre Portugal em 2016? O mesmo poderá vir a acontecer em Itália, mas até lá existem muitos passos em que as instituições europeias podem condicionar o Governo italiano. O primeiro passo será a entrega do Orçamento do Estado para 2019 na próxima segunda-feira, dia 15 de Outubro. Duas semanas depois, Bruxelas pode exigir que o país reformule a sua proposta. Mas se não quiser confrontar já, antes das eleições europeias de Maio, esse braço-de-ferro pode acontecer mais tarde.

As várias hipóteses que a Comissão Europeia tem sob a mesa são identificadas por um artigo do Bruegel, um think tank europeu que estuda temas económicos europeus, assinado por Grégory Claeys e Antoine Mathieu Collin. A premissa é a de que o Governo vai construir um OE 2019 com um défice orçamental de 2,4%, acima dos 0,8% que o anterior Executivo tinha fixado no Programa de Estabilidade 2018-2022. Apesar de cumprir a regra geral de um défice inferior a 3%, a estratégia italiana levanta outros problemas.

A forma imediata de condicionar Itália já tem sido usada. As declarações dos dirigentes da Comissão Europeia em público ou através da carta que enviaram ao ministro das Finanças, Giovanni Tria, soaram os alarmes dos mercados. Ao pedirem um "prémio" mais elevado para comprarem dívida pública italiana, os investidores dificultam o financiamento de Itália, além de agravarem o seu custo, o que criará ainda mais pressão no défice orçamental. Este método pode já ter tido um efeito: o Governo tinha planeado um défice de 2,4% nos próximos três anos, mas decidiu baixar a meta em 2020 e 2021, o que foi interpretado como uma cedência

Não é o défice, é a dívida
O défice orçamental não é, em si, o grande problema das instituições europeias, mas sim o seu impacto na evolução do rácio da dívida pública. Itália tem a segunda maior dívida da Zona Euro. Para esse rácio conta de forma determinante o crescimento económico e é aí que também há divergências: ainda esta terça-feira o Fundo Monetário Internacional reviu em baixa o crescimento económico de Itália para 1,2% em 2018 e 1% em 2019, números que contrastam com a expectativa do Governo italiano de que a economia irá acelerar 1,5% no próximo ano.

"Mesmo se o maior défice tiver um efeito de estímulo, no curto prazo, sobre a economia italiana, que continua a crescer abaixo do seu potencial, a previsão do Governo para o crescimento económico parece ser bem optimista", escrevem os autores do artigo do Bruegel, referindo que, se o PIB não evoluir como planeado, a dívida pública pode estagnar ou até aumentar nos próximos anos. O aumento do custo do financiamento e o aperto das condições monetárias na Zona Euro podem contribuir para o falhanço das previsões.

Para já espera-se o momento em que o Governo italiano vai entregar o OE 2019 a Bruxelas no dia 15, tal como acontece com os outros Estados-membros da Zona Euro. Se a Comissão Europeia identificar problemas sérios no cumprimento das regras poderá exigir a reformulação do documento no prazo de três semanas. Isto significaria que o braço-de-ferro entre as duas partes começaria cedo. No final de Novembro, Bruxelas fará a avaliação final do Orçamento.

Se o Executivo transalpino não for ao encontro das recomendações da Comissão, existem regras que podem ser accionadas para estimular o país a fazê-lo. Em causa está o famoso Pacto de Estabilidade e Crescimento e os braços preventivos e correctivos. Ambos os níveis podem ser accionados no caso de Itália, segundo o Bruegel. E as regras europeias são amplas o suficiente para abarcar várias possibilidades consoante as decisões políticas do momento. 

O braço preventivo
A primeira opção passa por abrir um processo de sanções por incumprimento do Objectivo de Médio Prazo (OMP) que, no caso de Itália, é um saldo estrutural de 0%. Em 2019, o ajustamento estrutural deveria ser de 0,6%, nas contas de Bruxelas, mas o Governo já admitiu que vai falhar essa intenção, agravando o défice estrutural em 0,8 pontos percentuais no próximo ano. Existe ainda a regra que limita o crescimento da despesa. Caso uma destas regras seja violada, Bruxelas pode abrir um procedimento por desvio significativo, mas tal só deverá acontecer depois dos factos acontecerem e não antes, o que poderá fazer com que o processo só comece em 2020 quando o Eurostat apurar as contas nacionais de 2019.

"O orçamento publicado sugere que o Governo italiano irá realmente violar as regras do braço preventivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento por deliberadamente afastar-se do seu OMP e por exceder o limite da despesa", consideram os especialistas do Bruegel. Caso se confirme, o Conselho Europeu poderá aprovar uma recomendação para forçar o país a mudar de caminho. Em último caso, Itália pode ser sancionada, sendo obrigada a depositar 0,2% do PIB por um determinado período. 

O braço correctivo
A segunda opção passa por colocar Itália no braço correctivo abrindo o famoso Procedimento por Défices Excessivos (PDE) do qual Portugal saiu no ano passado. De acordo com o Bruegel, dentro deste braço, o país teria de reduzir a dívida em 3,55% do PIB por ano, o que não acontece nas projecções actuais do Governo. Este seria o ponto que poderia levar a Comissão Europeia a abrir o PDE para Itália uma vez que o défice se mantém abaixo dos 3% (a outra regra que implica o PDE).

Se a Comissão for em frente, a abertura do processo é decidida pelo Conselho Europeu que depois fixa recomendações, prazos e metas. Num cenário em que Bruxelas avalie a evolução do cumprimento desse plano e conclua que não está a ser cumprido, Itália pode ser alvo de sanções, tal como Portugal esteve prestes a ser em 2016. Essa sanção pode chegar aos 0,5% do PIB, o que no caso italiano corresponde a cerca de 8,6 mil milhões de euros. Além disso, Itália pode ver suspensos os pagamentos dos fundos estruturais.

Qualquer que seja a decisão, o Bruegel admite que a actuação da Comissão será muito condicionada pelas eleições europeias de Maio de 2019. "Se decidirem aplicar as regras, arriscam-se a ser usados como bodes expiatórios para a situação frágil dos italianos e assim terão de enfrentar um movimento populista no país. Mas se decidirem não aplicar as regras orçamentais a Itália, podem encorajar o Governo e reduzir ainda mais a credibilidade das regras orçamentais, o que poderá ajudar os movimentos populistas no Norte da Europa", resumem os autores do artigo.

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