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Catalães pronunciam-se sobre independência à revelia da Constituição
Foi longo o processo que culmina este domingo com a possibilidade de os catalães se pronunciarem sobre se apoiam uma Catalunha independente ou, pelo contrário, se preferem a manutenção no reino de Espanha. O processo, apesar de não ser vinculativo, vai mesmo avançar. Madrid teme que a força dos cidadãos se sobreponha às regulamentações normativas da Constituição.
Foram precisos mais de dois anos, desde que o parlamento da Catalunha aprovou por maioria absoluta, a 27 de Setembro de 2012, a realização de uma consulta popular sobre a autodeterminação da região, até que os catalães pudessem, finalmente, pronunciar-se sobre se preferem a independência ou a permanência no seio do reino espanhol.
Já é certo que o 9 de Novembro (9-N) vai mesmo concretizar-se este domingo. A confirmação chegou esta sexta-feira pela voz de Joan Rigol ao assumir que este processo será organizado, "em conjunto, pela liderança do governo [da região], pela unidade dos partidos políticos e pelo papel da sociedade civil".
O coordenador do Pacto Nacional pelo Direito a Decidir (PNDD), que agrega partidos catalães favoráveis à independência da região, instituições da Catalunha e organizações civis, explicou que o governo da Generalitat "continua a amparar" o processo, mas a "sua execução" ficará a cargo de cidadãos voluntários. "Serão voluntários a fazer a contagem dos votos e a transmitir" os resultados, aclarou Joan Rigol citado pelo La Vanguardia.
Assim se confirmou o que já parecia evidente na passada quinta-feira, quando o governo de Mariano Rajoy assumiu que nada intentaria contra um processo consultivo organizado por cidadãos, desde que o mesmo não tivesse qualquer tipo de interferência institucional por parte da Generalitat.
Ao longo de mais de dois anos, muitos foram os avanços e recuos que alteraram continuadamente o figurino legal a enquadrar a consulta aos cidadãos da Catalunha. À vontade independentista da Generalitat opôs-se o integralismo do governo de Madrid e uma Constituição do reino espanhol que trava qualquer tipo de ímpeto nacionalista.
Apesar de a consulta popular não estar revestida de carácter vinculativo, não houve sinais de desmobilização face ao processo. A Generalitat sabe, e tentou transmitir isso mesmo aos catalães, que quanto maior for a adesão cívica, maior será o grau legitimador de uma eventual maioria a favor da autodeterminação da Catalunha.
Madrid não quis, parlamento e Constitucional impediram, mas vigora a "liberdade de expressão"
O governo da nação catalã, liderado por Artur Mas, delegou a "execução" do processo consultivo a organizações de cidadãos independentes. Foi a fórmula possível, tendo em conta o quadro legal espanhol, por forma a garantir que os catalães se possam pronunciar sobre a independência da Catalunha.
Isto acontece depois de o Supremo Tribunal de Espanha ter inviabilizado a última tentativa de Artur Mas para que a consulta popular do 9-N se realizasse sob a aura institucional da Generalitat.
O governo da Catalunha solicitou, junto do Supremo, a anulação do pedido do governo de Madrid ao Tribunal Constitucional (TC) de impugnação da convocatória para a consulta popular sobre a independência daquela região. Isto porque na passada terça-feira o TC tinha dado provimento ao pedido do Executivo de Rajoy, suspendendo assim a consulta popular agendada por Mas para este domingo.
Esta é uma história que vem de trás, porque já a 29 de Setembro passado o Constitucional tinha inviabilizado a realização de um referendo, também marcado para 9 de Novembro, sustentando que o mesmo era contrário às normas constitucionais. Antes, a 8 de Abril deste ano, já o Parlamento madrileno tinha rejeitado, por larga maioria, a proposta de referendo sobre a independência da Catalunha.
O resultado da votação deste domingo é, naturalmente, uma incógnita. Espera-se, porém, que a participação seja elevada, até porque as últimas eleições regionais para a Generalitat, em Novembro de 2012, garantiram uma vitória clara das forças partidárias defensoras da autodeterminação da região.
O receio em Madrid é notório. Teme-se a abertura de uma caixa de pandora, num reino com enormes problemas de coesão interna, como o demonstram de forma substantiva os nacionalismos mais ou menos exacerbados da Catalunha, do País Basco e até mesmo da Galiza.
Esta sexta-feira, a vice-presidente do governo espanhol e porta-voz de Rajoy, Soraya Saénz de Santamaria, instava Artur Mas a ter "prudência", lembrando-o que "o TC e o Supremo sentenciaram que [o processo consultivo] não pode seguir em frente, porque o referendo não respeitava a Constituição e não pode fazer-se".
Parece ter sido um pedido de última hora que vem tarde face à garantia deixada quinta-feira pelo ministro da Justiça, Rafael Catalá, que afiançou que as autoridades centrais nada irão fazer que coloque em causa "a liberdade de expressão dos espanhóis".
"Se o governo da Generalitat não promover acções no desenvolvimento de uma consulta não autorizada, não parece que seja necessário requerer a actuação do Tribunal Constitucional, nem dos juízes e dos tribunais, porque não há qualquer infracção do ordenamento jurídico".
Ora é precisamente um processo observado por cidadãos que já está em marcha na Catalunha, faltando apenas perceber se Madrid tentará, ou não, relativizar a legitimidade de um acto consultivo não vinculativo sem observância institucional. Este 9-N será o dia para dissipar todas as dúvidas relacionadas com a real vontade dos catalães.