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Octávio Oliveira: "O Estado deixou de assegurar empregos"
"Apesar de tudo, o grupo de licenciados é o que permanece menos tempo na situação de desemprego", sublinha Octávio Oliveira, presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), em entrevista ao Negócios.
No início da crise a destruição de emprego incidiu sobretudo sobre os menos qualificados. O perfil do novo desempregado está a mudar?
Se olharmos para a informação de Dezembro verificamos que os dois grupos onde o desemprego mais se agravou foi o grupo com formação superior, com um agravamento de 39%, e portanto mais 20 mil pessoas desempregadas em termos homólogos. E também no grupo do secundário, mais 32 mil pessoas desempregadas. Há aqui uma alteração, um acentuar do desemprego relativamente às pessoas com formação de nível superior.
Acontece por várias razões. Durante muitos anos foram as profissões relacionadas com o ensino e com a saúde que permitiram escoar e conferir empregabilidade a um conjunto de jovens.
Está a falar do peso do Estado na criação de emprego.
Exactamente. Os sectores que garantiam o emprego deixaram de o garantir, no Estado. Mas essa não é a única explicação. Também há alguma desregulação entre o sistema universitário, as saídas que gera e as necessidades da sociedade.
Devia haver mais intervenção?
Devia haver mais regulação. Repare, o próprio ensino politécnico foi formatado inicialmente para formar quadros superiores de nível intermédio, ligados à economia e às empresas. Não se pensava que hoje em dia estivesse a fazer mestrados e doutoramentos.
Ou seja, fechar cursos que não têm saída e abrir os que têm?
Exactamente.
Há vontade do Governo de intervir a esse nível?
Eu sinto que de facto há essa vontade, temos declarações do senhor ministro da Educação nesse sentido. Mas não estou a dizer que não vale a pena investir em cursos superiores. Porque apesar de tudo, o grupo de licenciados é o que permanece menos tempo na situação de desemprego.
O INE estima que existam 1,4 milhões de desempregados mas só cerca de metade está inscrita no IEFP. Porque é que isto acontece e quais são as consequências?
Estamos a falar de dois conceitos diferentes: desemprego registado e depois de um outro conceito que não chamaria de desemprego real, mas que resulta de um inquérito do INE que tem a ver com os desencorajados, de quem está disponível mas que não procura emprego porque não acredita que o pode arranjar, que a remuneração não interessa ou que ainda não tem idade para trabalhar. O que me preocupa é que de alguma forma os desempregados possam encarar o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) como um serviço público em que vale a pena estar inscrito. O que é importante é que não haja pessoas que estão desempregadas que porventura não estejam inscritas...
...porque entendem que o IEFP não é útil.
Exactamente.
Falei com vários desempregados que dizem que a sua relação com o centro de emprego se resume às apresentações quinzenais e da prova de procura de emprego. Há pessoas às quais nunca foi apresentada uma oferta de emprego. Como é que isto pode acontecer?
A economia não tem estado numa situação de geração de empregos e portanto o número de empregos que nós temos não é o que gostaríamos. Mas há um conjunto de respostas que proporcionamos. Se somarmos o emprego, a formação profissional e a reabilitação, ao longo de 2012 interviemos em 506 mil pessoas [dados provisórios].
Mas tendo em conta que ao longo de 2012 se inscreveram 765 mil novos desempregados há muita gente que não tem qualquer tipo de intervenção.
Consideramos que o número de pessoas a que chegamos é relativamente elevado, mas queremos incrementar as respostas. Espero que estejamos dentro de semanas a concretizar uma nova intervenção que se vai chamar "módulo transversal para a empregabilidade". Com base nessa medida [de formação] vamos atingir os 100% relativamente aos inscritos ao longo do período [os novos desempregados].
Em concreto o que é que as pessoas vão aprender?
O objectivo é elevar as competências relativamente a como procurar emprego e, relativamente ao grupo menos literado, desenvolver o seu nível de auto-estima.
Ou seja, as pessoas vão estar mais preparadas para procurar emprego. Mas o que é que acontece se depois chegam lá fora e não há empregos?
Os empregos não se criam por decreto e criam-se na economia. Agora, repare, é importante que por exemplo um engenheiro civil se aperceba que, neste momento, por força das circunstâncias em que o País se encontra, provavelmente o desenvolvimento da construção vai passar pela reabilitação urbana. Que ele pondere situações de investimento em Portugal ou eventualmente olhe para o mercado europeu.
Quando é que a economia começa a criar emprego?
Os dados que estão apontados para a economia portuguesa este ano não são agradáveis do ponto de vista da criação líquida de emprego. Mas para quem exerce estas funções há um ano, este é o momento em que mais vezes o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) foi chamado para saber que contributos pode dar para projectos de criação de emprego.
Medidas de flexibilização que garantam mais tempo para reduzir o défice podem ajudar?
Eu penso que poderão ajudar, o que é importante é que não nos desviemos do rumo e que sejamos consequentes.
Se se avança com um corte na despesa de 4 mil milhões de euros, isso não terá efeitos recessivos com consequências evidentes no emprego?
Depende. Depende de onde é que os cortes possam ser feitos, do impacto que possam ter a nível da procura interna, depende do impacto que tenham ao nível das empresas que suportam os empregos.
E que impacto terá o corte de despesa no serviço público de emprego?
Não possuo informação que me permita responder.
Há uns meses houve algumas fusões. O IEFP tem a intenção de reduzir centros de emprego ou pontos de atendimento?
Não há essa intenção. O IEFP está permanentemente interessado em melhorar a qualidade do serviço prestado. A título de exemplo, no contexto do processo de reestruturação, o Serviço de Emprego de Alcântara foi encerrado e a área geográfica foi distribuída pelos três Serviços de Emprego da cidade de Lisboa. As instalações de Alcântara estão a ser reconvertidas para alojarem serviços e actividades de formação, de significativa relevância para a população desempregada da cidade de Lisboa: Os utentes do serviço de Alcântara não viram prejudicado o seu atendimento.
Num futuro próximo poderemos proceder a concentrações de serviços em áreas urbanas, como Lisboa e Porto, em que os transportes asseguram a mobilidade e em que a concentração de serviços permite o desenvolvimento destes com melhor qualidade.