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Os 7 mitos da crise política dos professores

A Assembleia da República chumbou esta sexta-feira a possibilidade de os professores recuperarem a totalidade do tempo de serviço congelado, colocando um ponto final à crise política iniciada com a ameaça de demissão de António Costa. Passada a crise, ficam os mitos lançados para a discussão, vindos de todos os lados. O Negócios procurou desconstruí-los, um a um.

Governo prometeu contar todo o tempo

Governo prometeu contar todo o tempo
Uma acusação frequente é a de que o Governo prometeu devolver todo o tempo de serviço aos professores. Numa audição Parlamentar em 2017 (sobre o orçamento do ano seguinte, que descongelou todas as carreiras da Função Pública), a secretária de Estado adjunta e da Educação admitiu que "vai haver uma forma de a contagem de tempo de serviço da carreira docente ser de alguma forma recuperada", mas que teria de ser definido em negociação com os sindicatos os moldes e o faseamento dessa medida. Não falou em recuperação total. Mais tarde, o PS votou a favor de um projeto de resolução para que o Governo reconhecesse "todo o tempo" de serviço durante o congelamento das carreiras. Mas, nessa altura, Costa desvalorizou o voto do PS, afirmando que uma resolução é apenas uma recomendação ao Governo. E o Programa de Governo refere apenas "o descongelamento das carreiras a partir de 2018", sem falar em recuperação do tempo passado.

Se não há dinheiro, então não se podia ter prometido aquilo que se prometeu. Rui RIo
Presidente do PSD

Decisão dos deputados custa 800 milhões

Decisão dos deputados custa 800 milhões
Costa e Centeno dramatizaram com um custo de 800 milhões de euros decorrente da decisão do Parlamento para contar todo o tempo de serviço congelado aos professores. Mas só 438 milhões de euros podem ser imputados diretamente aos deputados. Primeiro, vale a pena lembrar que o Governo está a assumir que essa decisão seria alargada a todas as carreiras especiais (como polícias e militares). Depois, o Governo já antecipava devolver parte desse tempo a todas as carreiras especiais, num custo de 240 milhões de euros, dos quais 196 milhões com docentes, e o Parlamento limitou-se a antecipá-la. Por outro lado, os valores avançados pelo Governo são brutos e o impacto orçamental no défice tem de ser visto em termos líquidos de IRS e contribuições sociais. Assim, se a proposta do Parlamento avançasse mesmo, alargada a todas as carreiras especiais, teria um impacto permanente no saldo orçamental de 398 milhões.

[Alargar a todas as carreiras especiais] implicaria um acréscimo de despesa de 800 milhões. António costa
Primeiro-ministro 

Direita não abdicou do travão orçamental

Direita não abdicou do travão orçamental
Depois da ameaça de demissão do primeiro-ministro, caso o diploma fosse aprovado em votação final global, tanto Rui Rio como Assunção Cristas recuaram e assumiram que só aceitariam contar todo o tempo de serviço dos professores se fossem aprovados os travões orçamentais. É verdade que, na votação na especialidade da semana passada, PS, PCP e Bloco de Esquerda chumbaram esses critérios, mas, até ali, PSD e CDS não os tinham colocado como condição para viabilizarem qualquer outra norma do diploma. Como na semana passada, os deputados votaram os artigos pela sua ordem, todos os partidos à exceção do PS, votaram a favor do ponto fundamental (a recuperação de todo o tempo de serviço) e só depois foram votadas - e chumbadas - as salvaguardas que a direita queria impor. Por outro lado, as condições aplicavam-se só à recuperação integral do tempo de serviço e não à antecipação dos efeitos da contagem dos 2 anos, 9 meses e 18 dias.

Esses requisitos existem na proposta do CDS desde o início [...] e não prescindimos deles. Assunção cristas
Presidente do CDS-PP 

OE2018 já previa contar todo o tempo de serviço

OE2018 já previa contar todo o tempo de serviço
Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, acusa o Governo de "não cumprir o que foi aprovado" no Orçamento do Estado para 2018, que previa, assegurou, o descongelamento das carreiras para "o tempo de serviço todo". O que diz a lei desse orçamento? "A expressão remuneratória do tempo de serviço [...] é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis." Ou seja, o texto dá para todas as interpretações e esta foi a única forma de se conseguir um acordo. A esquerda lê que é recuperado todo o tempo de serviço, enquanto o Governo argumenta que não está garantido. A esquerda diz que a lei põe apenas em causa "o prazo e o modo de concretização", mas o Governo contrapõe que a recuperação está sujeita à "sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis".

[O Orçamento do Estado de 2018 já previa recuperar] o tempo de serviço todo. Catarina martins
Coordenadora do BE 

Impacto líquido não é relevante

Impacto líquido não é relevante
O Governo sempre desvalorizou o impacto orçamental líquido do descongelamento das carreiras dos professores, recusando-se a divulgá-lo. Mas na análise ao Programa de Estabilidade de 2019-2023, a UTAO revelou os números: aos 800 milhões de despesa bruto correspondem 567 milhões em termos líquidos (descontando a receita gerada pela medida em IRS, contribuições sociais e ADSE). O Governo acusou a UTAO de ter cálculos "arbitrários" e que conduzem a "uma clara irresponsabilidade orçamental", argumentando que descontar a receita arrecadada ao custo da medida "tem o mesmo efeito de querer gastar duas vezes o mesmo euro." A ideia que fica é que avaliar o impacto líquido das medidas não faz sentido. Contudo, o próprio ministro das Finanças incluiu este tipo de análise em relatórios seus. Por exemplo, no OE 2019, Centeno contabilizou o "efeito líquido do descongelamento de carreiras" no quadro das principais medidas orçamentais de 2018 e 2019.

[Avaliar o impacto líquido] tem o mesmo efeito de querer gastar duas vezes o mesmo euro. Mário Centeno
Ministro das Finanças

Professores são vítimas e discriminados

Professores são vítimas e discriminados
O argumento de Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, é de que os professores estão a ser discriminados por não verem reconhecido todo o tempo de serviço congelado. Em certa medida, esta afirmação é verdadeira: de facto, os nove anos são considerados para os funcionários das carreiras gerais, enquanto os docentes têm menos de três anos. Mas não é líquido que os professores estejam a ser "discriminados". É que a carreira dos professores tem um desenho consideravelmente diferente da dos restantes funcionários públicos: as progressões são, em regra, de quatro em quatro anos, dependendo menos do critério de avaliação. Já as progressões nas carreiras gerais ocorrem de dez em dez anos, podendo ser antecipadas, mas sempre mediante quotas. Enquanto é expectável que um professor demore 34 anos a atingir o topo, a maioria dos assistentes operacionais precisaria de 120 anos.

Os discriminados vítimas de falta de equidade, neste momento, são os professores. Mário Nogueira
Secretário-geral da Fenprof 

Marcelo não consegue estar em silêncio

Marcelo não consegue estar em silêncio
A ideia começou a ser construída logo desde o início do mandato: Marcelo Rebelo de Sousa não se abstém de comentar assunto algum, de intervir, de aparecer no terreno de operações, sobretudo quando o tema está quente. Mas na crise dos professores, o Presidente da República demonstrou que também esta ideia não passa de um mito. Quando a polémica estalou Marcelo estava na China, mas desde que voltou e se reuniu com Costa e foi confrontado com o cenário de demissão do Governo, Marcelo Rebelo de Sousa manteve-se sempre em silêncio: nem uma palavra publicamente sobre o tema. "Como é que alguém que aparece para falar de tudo, para tirar 'selfies' e que até telefona a apresentadoras de televisão e a jogadores de futebol, aos professores, que estão a ser atacados, não tem uma única palavra", disse ao jornal i André Pestana, dirigente do sindicato STOP. Nos bastidores, a estória poderá ser outra, mas o recato do Presidente fica para a História.

Como é que alguém que aparece para falar de tudo [...] aos professores não tem uma única palavra. André Pestana
Dirigente do sindicato STOP 
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560
Adicional dos deputados
Se alargada a todas as carreiras, a proposta dos deputados custa mais 560 milhões de euros brutos por ano, segundo as Finanças.

567
Despesa líquida
Contar todo o tempo de serviço a todas as carreiras especiais tem um impacto orçamental líquido de 567 milhões por ano, diz a UTAO.

398
Adicional líquido
Se alargada a todas as carreiras especiais, a decisão dos deputados custa mais 398 milhões de euros líquidos, diz a UTAO.



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