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Relatório: Falha em linha da EDP causou incêndio em Pedrógão

As origens foram desvalorizadas e os mecanismos mostraram-se insuficientes para fazer face ao incêndio de Junho. O relatório técnico independente tem uma conclusão simples: tudo falhou em Pedrógão Grande.

Reuters
16 de Outubro de 2017 às 19:43
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O incêndio de 17 de Junho em Pedrógão Grande teve origem no contacto entre a vegetação e as linhas de média tensão de electricidade geridas pela EDP. A conclusão é do relatório técnico independente pedido pelo Governo e que foi entregue esta segunda-feira, 16 de Outubro.

"De acordo com os dados de que dispomos, temos a convicção fundamentada de que os dois focos de incêndio de Escalos Fundeiros e de Regadas terão sido causados no dia 17 de Junho, a horas diferentes, por contactos entre a vegetação e a linha eléctrica de média tensão que abastece", pode ler-se no documento.


A equipa liderada por Domingos Xavier Viegas refere que "as faixas de protecção da rede eléctrica de média tensão gerida pela EDP não se encontra[va]m devidamente cuidadas". Por isso mesmo, não é descartada a hipótese de que outros incêndios no país tenham a mesma origem.


"Não podemos deixar de recomendar à EDP que fiscalize melhor e melhore a exigência dos seus critérios na gestão da vegetação existente nas faixas de protecção das linhas, em percursos que envolvem arvoredo, mesmo que sejam de crescimento lento. Os custos inerentes a estas operações de limpeza serão sempre menores do que os custos sociais que a responsabilidade por causar um incêndio das proporções que teve o incêndio de PG [Pedrógão Grande] podem ter", pode ler-se no documento.


A equipa de especialistas acredita que a importância dos dois principais focos do incêndio – Escalos Fundeiros e Regadas – não foi tida em conta pelas forças responsáveis pelo seu combate, com uma reacção tardia. Como tal, acabariam por arder mais de 45 mil hectares, tirando a vida a 65 pessoas e ferindo mais de 200.


A piorar o cenário esteve uma trovoada seca, "modificando a velocidade e rumo do vento". O resultado foi uma "tempestade de fogo", que tornou o combate directo ao fogo "impraticável e perigoso", explicam ainda os especialistas do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra.

 

Críticas a "evacuações compulsivas generalizadas" e falhas nas comunicações

Na EN236-1, agora conhecida como "estrada da morte", 30 pessoas perderam a vida. O relatório independente não deixa de apontar o dedo às "evacuações compulsivas generalizadas" que tiveram lugar em Pedrógão Grande.


"Devido às características pouco usuais do comportamento do incêndio, devido à falta de meios de socorro junto das casas, da falta de energia eléctrica, de água e comunicações, gerou-se uma fuga das pessoas, que procuraram ir para locais seguros, mas a grande escala deste fenómeno, tornou os locais seguros muito distantes e o fogo interrompeu o trajecto que estas pessoas seguiam. A progressão muito rápida do incêndio colheu várias pessoas de surpresa nas mais variadas direcções para que tentaram fugir", recordam os especialistas.


Os especialistas recordam que apenas quatro das 65 vítimas perderam a vida dentro de casa, sendo pessoas com problemas de mobilidade ou de saúde. A permanência em casa "teria sido a opção mais segura", apontam.

A falta de limpeza nas envolventes das estradas acabou por ditar o cenário hoje conhecido, com o relatório a apontar a responsabilidade da Ascendi no processo, embora não estivesse obrigada "em termos formais". "O facto de se terem limpo as estradas nas semanas a seguir ao incêndio mostrou bem que esta limpeza era não só possível, mas necessária", dizem.


Para tal desorganização também contribuiu a "falha geral em toda a região" por parte da rede de comunicações SIRESP, ela própria sobrecarregada com pedidos de ajuda. "A falha do sistema de comunicações terá contribuído para a falta de coordenação dos serviços de combate e de socorro, para a dificuldade de pedido de socorro por parte das populações e para o agravamento das consequências do incêndio", resume o relatório.


O documento vai mais longe e defende que o conhecimento da existência de um grande número de vítimas mortais acabou por afectar a coordenação das operações. "A grande dimensão da tragédia colocou em evidência que o nosso sistema de emergência não está preparado para fazer face a um número tão massivo de pessoas afectadas, feridas ou mortas", sintetiza.


É apontada a negligência das entidades responsáveis pela prevenção, desde autarquias ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), passando pela própria Protecção Civil, cuja qualificação dos agentes é questionada, e pela reduzida profissionalização dos bombeiros. É recomendada a criação de um comando dedicado ao serviço de busca e salvamento, com capacidade para desobstruir estradas, entrar em casas que estejam a arder ou em colapso bem como para prestar seguro médico.


Os especialistas dizem que as câmaras de Pedrógão Grande e Castanheira de Pera não possuíam Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios, o que não lhes permitiu assegurar financiamento para promover acções de prevenção. Por sua vez, a equipa de Xavier Viegas sugere que o ICNF tenha uma presença mais notória no terreno.

Um aviso que chega tarde demais

Mudanças climáticas, cenários de seca, tempo quente e trovoadas secas "tendem a ser cada vez mais frequentes". Tendo isso em mente, os especialistas deixam um aviso: "Podemos contar que as condições em que ocorreu a tragédia de Pedrógão Grande se podem repetir".

"Importa por isso preparar o país para um tal cenário e evitar uma tragédia semelhante, que tem o potencial de ocorrer em várias outras regiões de Portugal", dizem. É um aviso que chega tarde para - até agora - 36 vítimas dos incêndios que lavraram este domingo, 15 de Outubro, e que continuam a fustigar o país, sobretudo a norte do rio Tejo.

(Notícia actualizada às 20:12 com mais informação)

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