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Presidência de Durão Barroso com dificuldade em impor agenda europeia
Mais fruto das circunstâncias do que de uma opção política deliberada, Durão Barroso cumpre hoje dois anos como presidente de uma Comissão Europeia que tem esgotado praticamente toda a sua energia e crédito político a tentar juntar as muitas pontas que fo
Mais fruto das circunstâncias do que de uma opção política deliberada, Durão Barroso cumpre hoje dois anos como presidente de uma Comissão Europeia que tem esgotado praticamente toda a sua energia e crédito político a tentar juntar as muitas pontas que foram ficando penduradas nos últimos anos e a recuperar a estima e, sobretudo, um sentido de utilidade para a UE, junto dos cidadãos europeus.
Para trás parece ter definitivamente ficado o conceito de Bruxelas como "motor" do projecto europeu, até porque, fruto de uma enorme desorientação política – em especial nas principais capitais europeias –, nunca o apetite por alargamentos nem mesmo pelo próprio aprofundamento da construção da UE terá sido tão fraco quanto o é hoje.
Com o projecto de Constituição na gaveta à espera da mudança de ciclo político em França e suspenso pela ameaça omnipresente de um "chumbo" num futuro referendo no Reino Unido, visto daqui, a meio do mandato, a Comissão Barroso promete, para já, ficar marcada pela ampliação mais precipitada da história da UE.
Cumprindo promessas antigas, Roménia e Bulgária preparam-se para a aderir em Janeiro do próximo ano, quando tudo aconselhava a uma pausa.
O número inédito de cláusulas de salvaguarda a que os Tratados de adesão vão ser sujeitos comprova o grau de impreparação dos dois países, numa altura em que se acumulam evidências sobre a erosão do poder de sedução da democracia europeia – "as ditaduras comunistas deram demasiadas vezes lugar à incompetência e à corrupção, e não à liberdade e ao Estado de Direito", escrevia recentemente a "The Economist" a propósito dos dez Estados do centro e leste europeu que aderiram em 2004.
Quanto à "batata quente" da Turquia, está cada vez mais escaldante, quando as circunstâncias políticas mundiais reclamam por uma ponte firme entre as potencias ocidentais e o mundo muçulmano.
E Durão Barroso não é homem melhor talhado para as circunstâncias actuais, em que o Iraque se juntou ao conflito israleo-palestiniano como palco de confronto de civilizações – a fotografia dos Açores continua a persegui-lo.
Olhando para dentro, e em especial para a vertente económica, Barroso segue o caminho que já havia sido traçado nos mandatos de Jacques Santer e de Romano Prodi.
Depois da febre legislativa que marcou os "anos dourados" de Jacques Delors, a Comissão Europeia está hoje muito mais empenhada em desfazer-se de directivas consideradas obsoletas, e a apostar na autoregulação.
Foi nesse contexto que Durão refez a Estratégia de Lisboa, tornando-a menos ambiciosa, mas seguramente mais realista.
O grande trabalho de casa está, no entanto, nas mãos dos Estados-membros, que têm a responsabilidade e os instrumentos para, em última análise, fazer alguma diferença na capacidade competitiva das economias europeias.
Da parte da Comissão Europeia, têm sido propostas algumas iniciativas, a maior parte das quais olhadas de soslaio pelos Governos, caso do Instituto Europeu de Tecnologia e mesmo do Fundo para a Globalização.
Mas o essencial do trabalho de Bruxelas tem sido o de tentar partir pedra no mercado único, não tanto para explorar novos domínios – o desejo de transferir novas competências para o domínio supranacional já teve melhores dias, como demonstram a directiva (emagrecida) dos serviços e os balões de ensaio (pouco animadores) para a criação de um mercado único de energia – mas sobretudo para tentar obrigar as empresas (em especial, os antigos monopólios estatais) a traduzir na factura mensal cobrada aos europeus o valor acrescentado da Europa.
O ataque aos custos do "roaming" cobrado pela generalidade das operadoras telefónicas foi, neste contexto, o exemplo melhor acabado da linha de pensamento que deverá atravessar o reinado Barroso.
Tempos difíceis pela frente
O próximo ano vai ser crucial para Durão Barroso, por diversas ordens de razão. No primeiro semestre, vai ter de conviver muito mais de perto com o Governo alemão, que assume a presidência da UE, numa altura em que Bruxelas tenciona avançar no terreno com uma política energética comum – uma ideia que tem gerado fortes resistências precisamente em Berlim, que vê com maus olhos a intenção da Comissão de obrigar as empresas do sector a separarem os negócios da produção do da distribuição.
No segundo semestre, as condições políticas deverão, no entanto, ser consideravelmente mais favoráveis. Numa combinação inédita, e dificilmente repetível, Durão Barroso e José Sócrates, rivais políticos em casa, estarão à frente dos destinos da UE e todas as peças estão no lugar para assegurar uma co-habitação afinada, a começar pelo embaixador de Portugal junto da União, Álvaro Mendonça e Moura, que coincidência – ou talvez não – foi chefe de gabinete de Barroso no tempo em que este era primeiro-ministro de Portugal.
O presidente da Comissão prepara-se no entanto para perder o seu mais fiel aliado: em Maio, Tony Blair abandona o governo britânico e nada garante que Gordon Brown, o seu mais provável sucessor, continue a proteger a retaguarda de Barroso.