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Bruxelas reconhece: troika subestimou problemas da banca

Chefe de divisão da Comissão Europeia defende que os problemas na banca portuguesa foram subestimados em 2011. O país está agora a pagar o preço, com colapsos do BES, Banif e muito mal parado que penaliza lucros. Banco mau será difícil.

Bloomberg
15 de Abril de 2016 às 20:13
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O alto técnico da Comissão Europeia com responsabilidade sobre os sistemas financeiros nacionais reconheceu em Lisboa que os problemas na banca portuguesa foram subestimados no programa de ajustamento implementado entre 2011 e 2014. O erro da troika e das autoridades nacionais está a custar caro ao país: BES e Banif rebentaram de forma surpreendente exigindo quantidades enormes de dinheiro público já após o conclusão do programa, a economia sofre com níveis ainda crescentes de crédito mal-parado, e o governo enfrenta agora regras europeias mais complexas para criação de bancos maus que ajudem à reestruturação da banca.

 

O reconhecimento de erros no desenho dos programas de ajustamento por instituições da troika não é frequente, em particular pelo BCE e pela Comissão Europeia. Mas foi o que aconteceu em Lisboa, na sexta-feira, dia 15 de Março, numa conferência organizada pela Representação Portuguesa da Comissão Europeia, que analisou os programas de ajustamento em quatro países: Irlanda, Espanha, Portugal e Letónia. Filip Keereman, chefe de divisão da Direcção-geral Estabilidade Financeira, com responsabilidade sobre os sistemas financeiros nacionais, partilhou com a audiência as lições que tira da experiência dos últimos anos. Uma das principais conclusões é que Portugal está a ficar para trás nesta frente e tal deve-se, em parte, ao facto das autoridades terem subestimado os problemas na banca.

 

"Provavelmente deveríamos ter prestado mais atenção ao sector financeiro em Portugal", afirmou no início da sua apresentação, continuando: "um sector financeiro relativamente pequeno [à escala da UE], e uma subestimação dos problemas levou a um envelope financeiro dedicado ao sector relativamente pequeno em Portugal, tanto em percentagem do PIB, como em percentagem do envelope total", avaliou.

 

O programa de ajustamento português inclui 78 mil milhões de euros de financiamento para o período 2011 a 2014, dos quais 12 mil milhões ficaram reservados à banca. Concluído o programa e saída limpa em Junho de 2014 sobraram 6,4 mil milhões de euros do dinheiro da banca. Só que sobraram também muitos problemas: deste então rebentaram o BES e o Banif que já exigiram ao Estado mais do esse montante, o mal parado continua a crescer, e os níveis de confiança no sector financeiro são mais baixos que noutros países. 

 

"Os desenvolvimentos iniciais foram muito promissores, e só foram usados 5,6 mil milhões de euros, mas depois tivemos várias surpresas negativas e necessidades de recapitalização acrescidas com Banif, BES e desenvolvimentos posteriores no BPN. Tudo somado e o valor ultrapassa o envelope inicial previsto [de 12 mil milhões de euros]", afirmou o especialista da Comissão.

 

Agora, com a vantagem da experiência, Keereman considera que Portugal deveria ter feito testes de stress à banca e avaliações de activos "mais rigorosas" logo em 2011, à semelhança do que aconteceu por exemplo em Espanha e Irlanda. "Talvez assim se tivesse evitado o caso BES, que surgiu um pouco como uma surpresa", diz.

 

O país deveria também de ter recebido mais que os 12 mil milhões de euros destinados à reestruturação do sector; e avançado com um veículo para reestruturação de crédito mal parado, como fizeram a Irlanda e Espanha "com sucesso". "Uma das lições da crise é que, tal como nas contas públicas, as medidas no sector financeiro devem ser concentradas no início dos ajustamentos", comentou.

 

Portugal a ficar para trás

 

"A confiança recuperou em todos os países com programas – com a excepção da Grécia. Em Portugal a confiança também regressou, mas ainda não recuperou a posição prévia à crise e não faz companhia a Espanha, Irlanda ou Letónia. Está mais na companhia de Chipre ou da Roménia", avaliou o especialista, no início de uma análise a vários indicadores sobre a saúde do sistema financeiro que ajudam a perceber a fragilidade nacional.

 

Os rácios de capital na banca melhoraram "mas menos que na Irlanda ou Letónia"; a rendibilidade dos bancos é baixa e permanece pressionada pelas contribuições que terão de fazer para o fundo de resolução e pelas possíveis perdas com o Novo Banco; a concessão de crédito à economia ainda está a contrair; e o "crédito mal-parado tem estado a recuar noutras economias, mas não em Portugal", analisou. Em suma: muito foi conseguido, "mas Portugal está a ficar para trás da Irlanda, Espanha e Letónia", afirmou perante a audiência que contava com representantes e economistas dos quatro países.

 

O desafio colocado pelos elevados níveis de mal parado, um tema que tem merecido atenção em Portugal na última semana após a sugestão de António Costa de criação de um banco mau, gera apreensão também em Bruxelas.  

 

"O crédito mal parado continua a subir e este é um facto chave a prejudicar a rendibilidade e a concessão de crédito à economia" avaliou Keereman, destacando uma evolução preocupante no balanço dos bancos: "a criação de provisões em percentagem do mal parado está a recuar (...) o que resulta de buffers de capital estreitos e de rendibilidades que não são muito elevadas", disse, deixando ainda o que pode ser lido como um aviso ao governo: não será fácil avançar com um banco banco mau em Portugal para lidar com o crédito problemático. Em parte a dificuldade resulta do país chegar tarde a esse debate.

 

Banco mau agora será mais difícil

 

"A criação de um empresa de gestão de activos como fizeram com sucesso a Irlanda ou a Espanha não é óbvia", começou por dizer. É que um banco mau exige um "contas públicas em ordem, e níveis mínimos de rating", o que falta em Portugal, mesmo comparando com o momento em que estes veículos foram criados em Espanha e na Irlanda. "Não é óbvio que pudesse funcionar em Portugal", reforçou.

 

A dificultar mais este caminho estão as novas regras de resolução bancária, que prevêem perdas para depositantes antes da entrada de dinheiro público, um desenvolvimento complexo do ponto de vista político: "os contribuintes são eleitores, mas os depositantes também são", lembrou. "As empresas de gestão de activo foram muito bem sucedidas na Irlanda e em Espanha, não são uma receita fácil para outros países, dado o estado das finanças públicas e as novas regras de bail-in", resumiu no final da sua intervenção.

 

O especialista mencionou o caminho que está a ser seguido em Itália - com a criação de um sistema de garantias públicas a créditos titularizados e um banco mau com capital privado - mas não se alongou em considerações. Por entanto ninguém arrisca vaticinar qual será o sucesso da iniciativa italiana. Por cá, Teodora Cardoso, já partilhou o seu cepticismo em relação à aplicabilidade dessa solução em Portugal: nem o Estado nem os bancos têm dinheiro para financiar esse banco mau, defendeu.

 

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