Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Acabar de vez com o "vamos indo"

Mandam-nos emigrar. Dizem-nos que 2012 vai ser muito difícil. Fazem-nos acreditar que antes de melhorar, tudo se vai tornar muito pior. No meio desta crise, como podemos ser optimistas? Os dois psicólogos, que de dedicam à psicologia positiva, fazem um apelo aos políticos. Não podem só deixar as mensagens negativas, têm de dizer aos portugueses que há esperança no futuro

31 de Janeiro de 2012 às 14:00
  • 6
  • ...
Maria do Carmo Oliveira e Manuel de Oliveira, psicólogos que trabalham a psicologia positiva, não têm dúvidas: o optimismo trabalha-se. E, se calhar, os nossos políticos estão a precisar de um treinador. Os especialistas dizem, mesmo, que mais não são do que treinadores de emoções. "Aconselhamos os políticos a fazerem uma formação". É que têm de ser veículos de esperança. E não portadores, apenas, de más notícias. Portugal precisa de mais "CEO" sociais

- "Bom dia. Como está?"


- "Vamos indo".

Agora experimente:

- "Bom dia. Como está?"

- "Cheio de energia".

A diferença não é só nas palavras. Maria do Carmo Oliveira e Manuel de Oliveira, psicólogos especializados na psicologia positiva, defende que a atitude muda tudo. E esta pode começar pelas palavras. O dia raramente está a correr lindamente ou muito poucas vezes a vida está óptima. Mas é uma questão de atitude perante a vida.

Acabar com o "vou mais ou menos", ou com o "vou andando", "cá se vai", "vamos indo", vamos assim, assim" é um bom começo. Passe a dizer "estou óptimo", "excelente", "cheio de energia", "espectacular", "fantástico". Talvez até corra mesmo melhor o dia.

O optimismo trabalha-se. E até os nossos políticos estão a precisar de um treinador. "Aconselhamos os políticos a fazerem uma formação e aconselhamos os políticos a serem um maior veículo de esperança", diz Maria do Carmo Oliveira. Os sinais são os contrários. Frases de Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro: Portugal "enfrenta o período mais difícil desde 1975"; "Estamos com uma demografia decrescente e, portanto, nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que, das duas uma: ou consegue nessa área fazer formação e estar disponível para outras áreas ou, querendo manter-se sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado da língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa". Passo Coelho apontava o caminho: sair do País, emigrar.

O discurso, não escondendo a verdade, tem, no entender destes dois psicólogos, de ser diferente. Dar esperança, sem dizer que vai ainda ficar pior. "A comunicação entusiástica de um líder com carisma leva as pessoas a seguirem-no , desde que haja coerência ente o discurso e a prática", diz Manuel de Oliveira.

Como em muitos outros casos, o exemplo vem da história. Afonso Henriques foi um líder motivacional para conquistar Portugal. Vasco da Gama, para partir num barco, à descoberta do mundo teve de ser um líder motivacional. Os genes estão cá. É só reactivá-los.

O corpo diz o que as palavras não conseguem

"Não estamos a negar as dificuldade. Existem, estão presentes, inundaram as vidas de muitas famílias, só que ao sermos pessimistas todas as nossas competências são bloqueadas, por isso, se não acreditar que vou ultrapassar as dificuldades que tenho não vou desenvolver acções e não vou estar suficientemente motivado. A criatividade é um dos aspectos que bloqueia de imediato, como tal as possibilidades de ser bem sucedido e encontrar soluções são muito menores", assegura Maria do Carmo Oliveira, garantindo que a atitude negativa "reflecte-se na nossa fisiologia, na nossa postura e atitude".

Se está desempregado e vai a uma entrevista de emprego a acreditar que não será seleccionado. "Prejudica-o de imediato". Do outro lado, as empresas querem colaboradores motivados, empenhados, que sejam inovadores, que estejam dispostos a vestir a camisola. E, garante a psicóloga, "sente-se perfeitamente quando estamos perto de uma pessoa que tem essa energia ou quando estamos perto de uma pessoa que está abatida, fechada, sem energia, sendo a possibilidade de ser seleccionada muito menor".

Dá exemplos: investigações feitas numas seguradoras mostraram que vendedores muito optimistas vendiam mais 88% que os muito pessimistas e os medianamente optimistas vendiam mais 37% que os medianamente pessimistas.

"A mente reage de fora para dentro. O que dizemos pode não corresponder à realidade, mas ao colocar esta energia positiva, mesmo que mentalmente não esteja a pensar nisso, dá-se um processo que se chama de dissonância cognitiva, aquilo que estou a mostrar com a atitude não é igual ao que estou a pensar, mas prevalece o movimento".

Não se consegue teatralizar? A curto prazo até se pode conseguir. Mas Maria do Carmo Oliveira acredita que "as nossas palavras podem dizer aquilo que nós queremos, mas os nossos gestos e a nossa expressão não verbal denunciam-nos. Quem tiver um nível de energia baixo, que é muito pessimista, por mais que se esforce não consegue elevar o seu nível de expressividade".

São precisos "CEO" sociais

Onde se encontra essa energia? Muitas vezes é nos outros. É o que estes psicólogos chamam de CEO sociais. "Sejamos todos contagiadores de emoções, ou seja, Criadores de Esperança e Optimismo [CEO]. Vamos puxar a energia de todos", diz Manuel de Oliveira.

Maria do Carmo Oliveira garante que é treinadora, mas consegue transpor os seus ensinamentos para a sua realidade. "A minha base genética não é optimista, só tenho 40% que são os que eu trabalho". Iniciar o Clube do Optimismo, uma empresa de "coaching", não foi fácil, mas "acreditámos no projecto. Muitas das coisas não fazemos porque não calendarizamos nem investimentos suficientemente nelas. É bom que tenhamos alguém ao lado que nos ouça e nos puxe para cima e dê esperança". Maria do Carmo e Manuel são casados e garantem que se motivam mutuamente nos momentos mais difíceis. "Sabemos que temos de ser os nossos próprios motivadores". E, explica, motivar não é dizer ao outro que o problema não é nada, para esquecer. Maria do Carmo e Manuel são "CEO" sociais e treinadores um do outro.

"Não somos mais do que um treinador. Como no desporto, o jogador pode ser óptimo, mas precisa de um treinador para ir mais além. Nós não somos mais do que treinadores para ajudar a ir mais além nas competências. Normalmente, damos asas para as pessoas voarem".

Se há livro de reclamações, porque não há

de satisfações?

A experiência na psicologia positiva para estes dois profissionais começou num projecto escolar. Numa escola privada, familiar, iniciaram, há cerca de 12 anos, um programa de intervenção que abrangesse as crianças, os pais, os professores. "Os resultados foram extraordinários".

E até perguntavam: "se há livros de reclamações, por que não há livro de admirações ou exclamações? E criaram um livro para escrever elogios". O foco, negativo, virou. "Mudou tudo", lembra Maria do Carmo Oliveira, acrescentando que até o espaço físico sofreu mudanças. Os próprios professores ofereceram-se para pintar a escola com cores mais vivas.

Salientando não serem especialistas em cromoterapias, os psicólogos garantem que a cor ajuda a criar uma atitude positiva. Não é por acaso que o Clube do Optimimo, fundado e dirigido por estes psicólogos onde dão formação ao público em geral, mas também a empresas e escolas, está cheio de cores. Laranja, rosa, roxo, amarelos... cores vivas para ajudar a "ser feliz... já!" (designação de um dos ‘workshops’ que o Clube vai ministrar a 3 de Março).

O projecto da psicologia positiva por parte destes dois especialistas nasceu na escola, mas estendeu-se a outros públicos com variadas motivações. Mas não há um perfil típico. O Clube do Optimismo é procurado por públicos de várias idades. Há acções com jovens de 14 anos, com adolescentes de 18-19 anos e segue para as restantes idades. Os adultos dos 30 aos 50 anos são, no entanto, o "target" principal de Maria do Carmo e Manuel Oliveira.

Crianças falam da Guerra da Líbia e da crise

Em acções nas escolas, as crianças falam da Guerra da Líbia ou dos receios de não terem profissão quando foram crescidos. "Isto está muito mau com esta crise", vão dizendo. Para Maria do Carmo e Manuel de Oliveira esta é um discurso que não deveria ser tão negativo e só pode vir das conversas em casa ou nas escolas. "Há várias maneiras de acautelar as crianças. O mundo não é cor-de-rosa, mas temos de dar autonomia, trabalhar a persistência, a resiliência e não fazer acreditar que o futuro vai ser negro", diz Maria do Carmo, no que é ajudada pelo "seu" treinador. "O discurso é negativo e os pais estão a contagiá-los. É importante que se fale sobre a situação, mas dizer ‘vamos ganhar’, ‘daqui a algum tempo vamos rir de tudo isto’, ‘vai ser lindo’. Explicar o que está a acontecer e mostrar esperança, que é talvez o maior motivador humano. Se perdermos a esperança talvez percamos a capacidade de acção. Temos de contagiar as crianças com emoções ligadas à esperança, ao optimismo e basta um para contagiar". A família é o elo mais forte e é aqui que tem de nascer esse acreditar.

Os professores, desmotivados, também não conseguem transmitir esperança. O Clube do Optimismo foi, aliás, contratado, pela Câmara de Sintra, para dar formação aos professores na área.

Estes psicólogos acreditam que se devia estender estas acções a todas as escolas. Fazem, também, trabalho junto de classes problemáticas. Trabalham a auto-estima e a motivação. "É pena não haver mais meios".

Para estes dois psicólogos, estas acções são o seu negócio, mas não poupam elogios aos resultados. Os trabalhos com os grupos de 14 anos são importantes, já que estão, quase sempre, muito desmotivados, isolam-se no quarto, no computador. O "empowerment day" é um programa de seis horas, para jovens a partir dos 14-15 anos, onde se trabalha o relacionamento entre eles e a perspectiva e relação com a escola. E "muda radicalmente". É o que Manuel Oliveira chama de "processo de crescimento acelerado, com dinâmicas poderosas, desde as mais negativas às mais positivas, para se sentirem maduros e quebrar a anestesia". Conclusão? "Todos dizem que cresceram num dia mais do que em vários anos".

Se as escolas, os pais e professores são um dos públicos principais de trabalho destes psicólogos, as empresas e os trabalhadores são outros "target". "Temos vários adultos que querem reanalisar a vida e andam desmotivados, querem trabalhar a auto-confiança, a auto-estima, a motivação, vêm com objectivos específicos, nomeadamente o receio em falar em público.

Mente sã em corpo são

A expressão vulgarizou-se para indicar que o corpo precisa de exercício físico. No entanto, aqui a premissa é válida para sugerir outra ideia: um mente optimista dá saúde física. "As pessoas profundamente negativas, que passam a vida num queixume e sempre a lamentarem-se, são pessoas que têm problemas de pressão arterial, cardíacas, com o sistema imunitário mais fraco, logo adoecem com mais facilidade. O sistema imunitário é mais forte numa pessoa positiva", garante Maria do Carmo Oliveira que se sustenta em dados científicos. Houve análises feitas, em que os glóbulos brancos dispararam quando se dá uma gargalhada ou quando a pessoa está a rir. "O organismo reage", o que "tem a ver com factores químicos".

O organismo, naturalmente, produz hormonas da felicidade. A endorfina, a dopamina e a serotonina. Medicamentos naturais estimulados pelo humor, entusiasmo, motivação e energia. E são a contraposição de hormonas como o cortisol, ligado ao "stress" e à ansiedade.

As hormonas da felicidade são produzidas desencadeando várias acções, nomeadamente o diálogo que temos connosco, os nossos pensamentos, a recordação de coisas positivas, lembrar os sucessos e as competências. No livro são dados exemplos. "Pense numa situação negativa do passado. Algo que viu como uma adversidade, mas na qual, hoje, à distância, consegue ter vários aspectos positivos. Enumere-os agora [três situações]" e ande sempre com este "BI emocional" consigo. Outra sugestão é a de pensar em três coisas boas antes de dormir, agradecendo por elas. Não é uma questão de fé, é uma questão de recordação.

Claro que, tal como há resultados positivos, há casos em que o bloqueio para o optimismo é tal que as pessoas desistem. O que conduz às depressões e, em casos extremos, aos suicídios. São pessoas que nem procuram ajuda. Desistem. Ou quando a procuram refugiam-se em comprimidos. Mas, como diz Maria do Carmo Oliveira, "estes casos, mais do que ajuda médica, precisam de alguém que as ajude a relembrar as suas competências e capacidades de renascer". Afinal, "está tudo óptimo".

Ver comentários
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio