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João Ribas sai de Serralves por "violação continuada da autonomia" artística
O ex-director do museu de arte contemporânea denuncia "imposições proibicionistas" e "sistemáticas ingerências" no trabalho técnico e artístico por parte da administração da Fundação de Serralves. A ordem para retirar obras da exposição de Mapplethorpe foi a gota de água que levou à demissão.
"Violação continuada da autonomia técnica e artística e do livre exercício das funções" enquanto director do Museu de Serralves. É esta a justificação de João Ribas para a demissão do cargo que ocupava desde Fevereiro, contestando que "nenhuma exposição deve ser alvo de condicionamentos e imposições proibicionistas [e] nenhuma direcção artística deve ser alvo de sistemáticas ingerências".
Numa nota enviada às redacções com o título "Verdade e Liberdade", o ex-director do museu de arte contemporânea quebra o silêncio de quase cinco dias em torno do tema. E fá-lo poucas horas depois de o conselho de administração da Fundação de Serralves ter negado as alegações de censura e atacado a "fuga às responsabilidades" por parte deste ex-quadro da instituição, que lamenta as "calúnias e ofensas" que lhe foram dirigidas esta manhã.
"O cargo de director do Museu de Serralves é incompatível com ingerências, pressões ou imposições que limitem a sua autonomia técnica e artística e se traduzam em comportamentos de inadmissível repreensão da livre expressão das obras de arte ou das mensagens, harmonia ou lógicas próprias com as quais o curador entenda dotar uma qualquer exposição, como a das obras de Robert Mapplethorpe. Não é admissível que a liberdade e a autonomia do director sejam desrespeitadas", sublinha João Ribas.
Depois de ouvir a presidente da fundação portuense garantir que a administração "não mandou retirar quaisquer obras" e que "todas as fotografias expostas foram escolhidas pelo curador", o organizador da exposição contrapõe que "[foram-lhe] impostas (…) restrições e intervenções que criaram um ponto de ruptura em termos de autonomia artística e de uma actividade de programação livre de intromissões ou repreensões".
"Tais restrições interferiram de modo grave com a conceptualização expositiva, nomeadamente na semana de montagem, que me obrigaram a sucessivas reorganizações da mesma. As interferências na exibição de determinadas obras e na localização de outras que ocorreram durante a semana de montagem, contribuíram para uma descontextualização profunda, obrigando-me, enquanto curador, a alterar a selecção dos trabalhos para que a exposição fosse um todo coerente e para que, assim, se promovesse de modo adequado o conhecimento e o diálogo social protagonizados por Robert Mapplethorpe", detalhou.
Quanto às 20 fotografias que acabaram por ficar de fora, do total de 179 contratadas com a fundação americana, Ribas explica que essas "interferências e restrições" da administração levaram inicialmente a reduzi-las para 161 e denuncia que "no dia da inauguração, a curadoria foi mais uma vez intimada a retirar duas obras que já se encontravam expostas". "Até ao limite, procurei manter a dignidade da exposição e fidelidade ao espírito da obra de Mapplethorpe, cumprindo todas as minhas funções", acrescenta.
Outro dos pontos principais desta polémica foi a criação de um espaço interdito a menores de 18 anos para apresentar as imagens de conteúdo sexual explícito, tendo Ana Pinho assegurado que foi o próprio curador a propor essa solução desde o início – e que os administradores concordaram ser justificada, atendendo aos milhares de crianças e centenas de escolas que visitam a instituição cultural no âmbito do serviço educativo.
Sem entrar em detalhes, João Ribas sublinha apenas que "a exposição nunca foi concebida numa lógica proibicionista", ressalvando, porém, que isso "não se traduz numa insensibilidade para com a comunidade", citando mesmo uma "preocupação de criar mecanismos que permitissem aos visitantes fazer escolhas".