Notícia
Blanchard sobre a Uber: "Se fosse taxista, lutaria até à morte"
Dez anos após o marcante estudo sobre a economia portuguesa, Olivier Blanchard regressou e tirou o pulso ao país. Entre as ideias mais citadas da sua conferência está a de que Portugal não deve acelerar a consolidação orçamental e deve compensar perdedores das mudanças estruturais, como os taxistas.
"Do ponto de vista económico, é estúpido não o fazer." O antigo economista-chefe do FMI defende que o Estado português devia utilizar os seus recursos para limpar o balanço dos bancos, financiar investimento público produtivo e pagar algumas reformas estruturais, nomeadamente aquelas que compensem os perdedores da evolução tecnológica. Na sua opinião, é precisamente esse o caso dos táxis vs. Uber. À margem da conferência que deu esta manhã, 19 de Maio, o Negócios falou alguns minutos com Blanchard sobre os obstáculos a uma política orçamental menos restritiva e as diferenças entre Portugal de 2007 e de 2017.
Para conseguir concretizar algumas das suas propostas, seria necessário ultrapassar constrangimentos e regras europeias. Não foi claro, mas parece-me que a sua posição não seria de desafio a Bruxelas.
É sempre melhor tentar jogar dentro das regras, mas esquecendo os constrangimentos institucionais, o mais importante é garantir que a dívida está controlada. Estabilizá-la deve ser o objectivo. Já a diminuíram ligeiramente. Mas depois é preciso decidir se lutam contra a Comissão ou não. Eu estava a dar o meu aconselhamento macroeconómico. Se vão diminuir a dívida, vão fazê-lo tão lentamente que…
… Não vai fazer diferença?
Provavelmente não. Se a próxima crise chegar dentro de dez anos, terão 110% em vez de 130% do PIB de dívida pública. Será muito elevada na mesma. O importante neste momento é sustentar o crescimento. As pessoas estão mais optimistas, isso é fácil de ver. Há um ano seria totalmente diferente. Acho que deve deixar que isso continue, não fazer nada de louco na frente orçamental. Mas, novamente, a ideia de que podem recuperar o espaço orçamental dentro de pouco tempo… Isso não vai acontecer.
No seu paper menciona até possibilidades de expansão orçamental em algumas áreas, como…
… Há muitas coisas que têm impacto no crescimento e que, nesta altura, não são permitidas pelas regras. É um desperdício. É preciso gastar dinheiro para ganhar dinheiro. Alguns projectos implicam subir a dívida no curto prazo, mas claramente aumentariam o crescimento. Do ponto de vista económico, é estúpido não o fazer. Novamente, como é que o Governo o faz, é outro debate. É para os políticos. Mas a nível europeu, era bom admitir que alguns projectos fazem sentido.
Numa eventual expansão, a prioridade deveria ser resolver o problema do malparado ou financiar outras reformas estruturais?
Uma coisa não impede a outra. Para as reformas estruturais, eu dou sempre um exemplo: a Uber é melhor do que os táxis, mas os taxistas em França compraram licenças por centenas de milhares de euros. Se permitir a existência da Uber, eles irão para as ruas, trata-se da riqueza deles. Qual é o problema de lhes passar um cheque pelo preço que pagaram pela licença ou por dois terços disso? É um cheque que é preciso passar. Quando o fizer, já tem a Uber [a trabalhar] e os taxistas não estão nas ruas. É um exemplo simples de querer avançar para algo melhor, mas em que algumas pessoas perdem. Pode querer protegê-las ou comprá-las. Sinceramente, se fosse taxista e se tivesse usado toda a minha riqueza para comprar uma licença, eu lutaria até à morte.
Mas essa é uma perspectiva sobre a actuação do Estado e a gestão das contas públicas que não é muito partilhada na União Europeia.
O nosso trabalho como economistas e desenhadores de políticas é pressionar. Se eu não o disser, se o Governo não pressionar, nada acontece. Acho que levei Bruxelas a mudar de opinião na questão dos efeitos da consolidação orçamental - os multiplicadores eram muito mais elevados. Acho que isso os levou a mudar. Não aceito o mundo como ele é. Se achar que algo é o mais correcto do ponto de vista económico, vou argumentar, argumentar, argumentar e esperar que mudem de opinião.
Passaram dez anos desde o seu paper sobre as fragilidades da economia portuguesa. Portugal mudou muito entre 2007 e 2017 ou continuamos a ter os mesmos problemas estruturais?
Nenhum país é perfeito. Há sempre algo que poderia melhorar. Eu podia perder dois quilos. Você está bem. Mas podia fazer a barba. Há sempre uma lista. Mas existe uma mudança de percepção. Talvez as pessoas que falam de crescimento das exportações estejam demasiado optimistas, mas houve algo que aconteceu aí. Tenho a sensação que houve o reconhecimento de que algumas reformas são necessárias, houve uma melhoria nas universidades. Acho que o país mudou. Vejo um país que sabe que tem problemas e que tem de lidar com eles. Tem um Governo de coligação que faz o melhor que pode. Pode sempre sonhar com mais. Mas não é mau. E não é mau comparado com a Venezuela. Ou o Brasil.