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Servas com novo rumo

A Herdade das Servas aproveitou uma mudança na equipa de enologia para mostrar que caminhos quer trilhar. Temos novidades desafiantes, pelo que o futuro promete.

O novo Servas branco reserva 2016 custará 16,50€ e o tinto Vinhas Velhas 2014, 25,50€. O Servas licoroso, 18,50€ e o colheita tardia, 24€ Ricardo Bernardo
03 de Março de 2018 às 13:00
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Os primeiros vinhos da Herdade das Servas não me enchiam a alma. Correctos, cheios de fruta e em sintonia com as modas, tinham aquela coisa da madeira, da extracção e do álcool em níveis elevados. Sem que o meu gosto fosse chamado ao assunto, havia, apesar de tudo, um detalhe que admirava na marca: a fama do vinho na restauração. Certo dia, estando eu a consultar a carta de vinhos de um restaurante da costa vicentina, o responsável regressou à mesa esbaforido a informar-me - para evitar algum desgosto - que não pedisse vinho branco da Herdade das Servas porque estava esgotado. "O vinho chega e desaparece logo. Para repor, é uma carga de trabalhos", disse-me o cavalheiro.

Os anos passaram e, aos poucos, com a prova de colheitas recuadas, apercebi-me de que, primeiro, todos os produtores acabam por sofrer de dores de parto e, segundo, o tempo faz bem ao vinho e ao raciocínio do crítico.

Sucede que em todo este processo não podemos descurar a figura de Luís Mira, que, com o irmão Carlos, gere os destinos da empresa. Luís é a categoria perfeita de um certo tipo de alentejano. Frontal, transparente, honesto e, claro está, dono daquela finura humorística que só encontramos na região.

Luís Mira é aquele fulano que conhecemos agora e, um minuto depois, está a convidar-nos para "fazer as onze" e partilhar histórias de vida. As dele e as nossas. Já agora, e para quem não saiba, "fazer as onze" no Alentejo é ir a um tasco beber um copo na companhia de petiscos locais, em modo de aquecimento para o almoço. Tanto pode ser uma coisinha leve - uma pétala de toucinho fumado - como um repasto com torresmos, pezinhos e afins. É conforme a resistência do freguês.

É por isso que não estranhei nada quando, recentemente, Luís Mira assumiu com tremenda frontalidade que a Herdade das Servas está num processo de mudança de paradigma. É a tal frontalidade e transparência a funcionar. Não renegará o passado - longe disso -, mas avança com um processo para criar vinhos alentejanos com ADN de Estremoz mais frescos e menos marcados pelas madeiras. Para uma empresa que estuda tudo ao detalhe e com muito tempo, isto quer dizer muita coisa. Não é à toa que se chega à 13.ª geração com vida feita na agricultura.

Sentimos tais desafios com a prova das mais recentes novidades da empresa, agora sob os comandos do enólogo Ricardo Constantino. Em concreto, um Herdade das Servas Reserva branco de 2016, um Herdade das Servas Vinhas Velhas tinto 2014, um Colheita Tardia sem indicação de idade e um licoroso.

Por partes, a segunda edição do branco da Herdade das Servas repete a receita do trio Arinto (50 %) com Verdelho (25%) e Alvarinho (25%). Embora os aromas das borras finas sejam as primeiras notas a chegar ao nariz, há um trabalho cuidado para realçar o carácter frutado das castas. Na boca, um vinho sedutor, senhorial e desafiante.

O tinto de 2014 é daqueles casos que revelam a riqueza do património vitícola de uma empresa que possui 300 hectares espalhados por oito quintas, algumas com vinhas bem velhinhas, a comprovar que a história do vinho em Estremoz é coisa que vem de longe. Donde, um tinto com notas vegetais e de bosque, à mistura com casca de cereja, a dar indicação de que a casta Alicante está bem presente. Esta complexidade vai prolongar-se na boca, sendo que, face a outras edições, já se sente menor presença dos tostados das barricas de carvalho americano, coisa que se saúda. Um tinto com personalidade e garra.

Se o licoroso cheio de fruta madura não me leva às nuvens (na realidade, nenhum licoroso tinto do Sul consegue tal coisa), terei de tirar o chapéu ao primeiro colheita tardia das Servas, eu que só acredito em dois ou três vinhos desta categoria em Portugal. E porquê? Porque, feito a partir da grande casta Sémillon, cheira mesmo a uvas botritizadas. É diferente. Rico no nariz e com destaque para as notas de alperce com flor de laranjeira e mel, a boca revela finura, doçura, untuosidade, mas, acima de tudo, a frescura pela via do equilíbrio perfeito entre álcool e acidez. De caras, uma grande colheita tardia da nação.

Posto isto, convém dizer que parte do brilho destes novos vinhos também se deveu às criações de Rui Silvestre, o chefe que no algarvio Bon Bon ganhou uma estrela Michelin e que agora se lançou num projecto lisboeta - o Quorum - que promete dar que falar nos próximos tempos. Contudo, nada que me desvie do mais importante: se a empresa que me fazia torcer o nariz no passado está agora com este nível, o futuro promete, e de que maneira.


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