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Os Arintos açorianos exigem tempo

Deixar um Arinto dos Açores na garrafeira durante um, dois ou três anos dá direito a uma festa na altura de retirarmos a rolha da garrafa. Com tempo, os vinhos ficam complexos e misteriosos.

03 de Setembro de 2016 às 13:00
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O universo da gastronomia está recheado de mitos, benza a deus. Com carne não se bebe vinho branco, com queijo só vinho tinto e um vinho do Porto branco com um creme de caril é coisa que arrepiaria o diabo. Em matéria de azeites, se dissermos que umas gotas deste com um perfil frutado verde intenso caem muito bem por cima de um mousse de chocolate, de umas rodelas de laranja ou, até, de um arroz de pato acabado de sair do forno, isso então já dá direito a recomendações a um consultório de psiquiatria. E com urgência.

Mas o mito que hoje nos interessa é até bastante primário: os vinhos brancos devem ser consumidos com a maior juventude possível. É uma tese um tanto ou quanto tonta porque a realidade encarrega-se, por si só, de contrariá-la.

A generalidade dos produtores e dos comerciantes de vinhos sabe disso, mas teima em dizer que os consumidores não estão receptivos a vinhos brancos com idade. Eu até sou capaz de acreditar em parte da tese, e até percebo a ânsia dos operadores em vender vinho branco o mais jovem possível, mas já me custa aceitar que não haja a mínima preocupação em educar os clientes para o consumo correcto de vinhos brancos.

Ou seja, não há problema em vender vinhos brancos novos, mas é um mau serviço quando não se avisa os consumidores que certos vinhos brancos darão muito mais prazer se bebidos, um dois, três ou quatro anos após a colheita. Estou absolutamente convencido de que se escolhêssemos, ao longo de seis meses, um painel de consumidores a quem déssemos a provar Alvarinhos com quatro ou cinco anos (ou até mais), isso mudaria radicalmente o comportamento da maioria, que passaria a comprar Alvarinhos de 2015 para os guardar em casa para serem abertos a partir de 2017. E isso, sim, seria uma pequena mas exigente revolução de mentalidades.

Ora, alguns brancos açorianos, ou, melhor dizendo, alguns brancos do Pico, são mal empregues quando bebidos no ano de colheita. É o caso deste Arinto dos Açores, by António Maçanita, da Azores Wine Company.

Em Dezembro passado, e num encontro com enólogos da Península de Setúbal, uma garrafa da colheita de 2013 deste vinho deu que falar. Por ser diferente, por ser salino, por ter curiosas notas de evolução minerais e apetroladas, lembrando alguns vinhos alemãs. Sendo, ainda por cima, um vinho dos Açores, redobrados foram os elogios.

Há dias, descobrindo no meio do caos de vidro cá em casa uma das últimas garrafas da mesma colheita de 2013, decidi compará-la com outra da mais recente colheita, 2015. E, lá está, o meu único arrependimento é que 2013 já era. Agora, só me resta a memória. Para o que interessa, convém dizer que o 2015 é um excelente branco, mas com a juventude que se impõe. Realça notas cítricas intensas (toranja), algum fruto tropical (goiaba) e certas notas marinhas que só aparecem em vinhas junto ao mar, notas essas que regressam na boca. Tal salinidade, só mesmo nos Açores.

Agora, a garrafa de 2013 vai por outro caminho. Aqui temos notas de folhas secas, de flores de tília, de fósforo e minerais variados, com uma acidez de boca impressionante, indicando que o vinho tem (ou tinha) condições para evoluir no tempo.

Provei os dois vinhos durante uma prova de conservas de peixe, mas confesso que, bebendo um gole de um e um gole de outro, fiquei a matutar na ideia de que o 2015 ligaria muito bem com um frango no forno marinado em especiarias e o 2013 com um caril de marisco. Cismas. Mas, moral da história, não se deve beber um Arinto dos Açores, by António Maçanita, no ano em que sai para o mercado.


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