Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Um crítico de tudo e todos

Albino Forjaz de Sampaio foi um dos mais contundentes críticos dos costumes nacionais. A reedição do fundamental "Palavras Cínicas" é uma boa forma de o voltar a ler.

09 de Junho de 2018 às 17:00
  • ...
Albino Forjaz de sampaio
Palavras Cínicas
Guerra & Paz, 111 páginas, 2018


Albino Forjaz de Sampaio sempre declarou, alto e bom som, que era um "jornalista levado dos diabos". E assim foi, mesmo quando deixava o papel impresso dos jornais e se transferiu para as trincheiras da escrita literária. Sempre foi visto como um Diabo com uma caneta nas mãos. Metia medo. E, talvez por isso, foi sempre silenciado. Ainda hoje a sua obra é apenas seguida por um clube de fãs restrito.

Nascido em Lisboa em 1884, morreu em 1949. Como herança, legou-nos um livro que, além de ter sido um dos que mais vendeu no século XX, é um espelho no qual se vislumbram todas as nossas culpas e temores. Chama-se simplesmente "Palavras Cínicas", e é um prazer desconcertante.

Forjaz de Sampaio começou como jornalista de A Luta, com a bênção de Fialho de Almeida e de Brito Camacho. Nesse tempo, o jornalismo era de causas e de combate. Mas se isso o influenciou, encontrou no mundo subterrâneo lisboeta a vertigem para exponenciar a sua criatividade. E também a sua capacidade de estudo, como fez com o teatro popular. As suas opiniões tornaram-no temido: ele colocava o dedo nos sítios onde mais doíam, em termos de moral pública. Ia contra a maioria e contra a corrente. "Crónicas Imorais", de 1909, exponencia, por todos, esse desafio às regras.

O jornalista procurava construir a frase perfeita, capaz de surpreender, pelas metáforas que criava. Em "Palavras Cínicas", não é meigo com os seres humanos nem com as suas formas de sociabilidade: "Aqui, para triunfar, é preciso ser mau, muito mau. Sê mau, cínico, hipócrita e persistente, que vencerás. Serás aclamado, respeitado e invejado."

Ofensivo, Forjaz de Sampaio não poupava nenhum alvo e sabia que tinha de gritar bem alto para que dessem por ele. Percebia muito bem a alma dos seres humanos e não poupava nada nem ninguém: "Não ames nem creias. Todo o homem que ama é homem perdido, e todo aquele que crê nunca será ninguém. Odeia sempre. Odeia os que sobem e os que pretendem subir, odeia os que subiram e os que um dia subirão. Odeia todos e desconfia. Lembra-te que o Ódio dá mais prazeres que o Amor."

Não tem muitas ilusões sobre o que cada um faz para vencer: "Todos daquela multidão ávida querem ser os primeiros. O lugar é disputado a soco, a murro, a dente. O caminho que na vida leva ao triunfo é uma cena medonha que mais parece a fuga de uma derrota."

No centro de todas as culpas, coloca o dinheiro, que é o "deus" numa época onde todos os valores se vendem: "Quem é o senhor do mundo, senhor da cidade, senhor da aldeia, senhor do campo? O dinheiro. É ele que faz cantar às almas as óperas da torpeza e do interesse. É essa lama bendita com que se compra o Céu." Ou mesmo: "Em que acredito eu? No crime e no dinheiro. O crime é Deus, o dinheiro é Deus, e de ambos o dinheiro é maior." "Palavras Cínicas" é um livro incómodo. E ainda bem que o é.




Ver comentários
Saber mais livros Albino Forjaz de Sampaio Palavras Cínicas Sasha Marianna Salzmann Fora de Si Ana Cristina Silva Salvação E. E. Cummings Contos de Encantar
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio