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No epicentro do medo

O poder alicerça-se no medo. E Donald Trump sabe isso. Utiliza-o como arma política e como forma de manipulação e domínio. Bob Woodward mostra-nos a essência do presidente norte-americano.

17 de Novembro de 2018 às 17:00
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Bob Woodward

Medo
D. Quixote, 470 páginas, 2018

O título deste livro não é um acaso. O "medo" faz parte das páginas desta obra e, pois claro, da vida política americana. Talvez por isso, antes de Bob Woodward ir em busca do labirinto que é a vida de Donald Trump na Casa Branca, cite uma frase do então candidato presidencial ao próprio e a Robert Costa em Março de 2016: "O verdadeiro poder é - e nem sequer quero usar a palavra - o medo." Isso leva-nos a cruzar este pensamento com o que Franklin Delano Roosevelt disse em 1933: "A única coisa que temos de temer é o próprio medo."

Muitos têm medo de Donald Trump, seja nos EUA, seja num mundo que tem agora receio de tudo, incluindo da própria sombra. E, Trump, às vezes é como Lucky Luke: mais rápido do que a própria sombra. Em vez de usar a pistola, usa o Twitter. E, com isso, causa medo. O seu verdadeiro poder. Não podemos nunca desligar Trump (e o medo) do mundo dos negócios. Para Trump, elas são as margens dos seus discursos: o medo dos imigrantes liga-se à forma como tudo, nas suas decisões como líder da maior nação do mundo, se liga à lógica dos negócios. Lembremos o caso do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, que não causou muitas represálias da Casa Branca, porque, lembrou logo Trump, os negócios de armas com Riade valiam muitos milhões de dólares e muitos empregos.

Woodward lembra aqui, logo no início de "Medo", as tentativas de vários membros do seu "staff" para que, com base nas suas represálias sobre a Coreia do Sul, por causa do défice comercial, não estragasse a relação militar e geoestratégica com Seul por causa da Coreia do Norte. Mas Trump só via números. E, para se perceber melhor Trump, Woodward lembra que, quando confrontado por durante anos ter dado muito mais dinheiro para as campanhas dos democratas do que para os republicanos, Trump ter negado, antes de ter respondido: "Está tudo viciado. É um sistema corrupto. Estes tipos andam a extorquir-me há anos. Eu não quero dar. Todos vêm pedir. Se não passamos um cheque…"

Woodward vem fazer um livro sobre Trump. E, sabe-se, os livros eram outrora uma obsessão para Presidentes como John F. Kennedy, que temiam o que os livros poderiam deixar escrito sobre o seu legado. Nos EUA, todos querem saber o que fizeram os Presidentes, sobretudo nas sombras do poder. E Bob Woodward, desde que foi um dos investigadores do célebre escândalo Watergate, tem-se especializado nesta área. Aqui, Trump sai muito chamuscado: fica evidente que diz mentiras, acredita nelas, diz-se e desdiz-se com uma facilidade estonteante.

As fontes muito próximas de Trump que falaram para Woodward acertam no alvo. Trump não conhece a história e a essência do seu pensamento é básica: proteccionismo, isolacionismo e nacionalismo americano. Quer retirar-se de todos os acordos multilaterais. Capacidade diplomática é inexistente. Odeia fracos e não quer ser visto como fraco. Não ouve os outros. Não pede desculpa. Humilha os conselheiros. Não se concentra. O seu dicionário básico é limitado. Woodward não fala por acaso: entre as suas fontes estiveram o principal conselheiro económico de Trump, Gary Cohn (que se demitiu devido às guerras comerciais) e o secretário, Rob Porter. Steve Bannon surge como a fonte do pensamento de Trump. Ler a parte em que Woodward fala com John Dowd, que foi conselheiro jurídico na investigação Mueller, é sintomático: Trump não pode ser confiável. É um mentiroso. Por isso, o medo reina por todo este livro. E pelo mundo.

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