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Dias de resistência

Depois do excelente “A Vegetariana”, a sul-coreana Han Kang regressa com outro livro maior, que reflecte sobre os dias de repressão sangrenta sobre os estudantes do seu país em 1980.

02 de Setembro de 2017 às 09:15
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A última novela de Han Kang é sobre resistência. Se "A Vegetariana" era sobre um outro tipo de resistência (contra o conceito sul-coreano de vida familiar, de dever e de casamento) através do jejum, com o qual se recusava um estilo de vida, esta nova proposta literária da autora caminha por outros territórios. Aqui a resistência transfere-se para a luta política, a partir da rebelião de Gwangju, em Maio de 1980, onde se assistiu a estudantes serem sovados e mortos porque se manifestavam contra o regime ditatorial de Chun Doo-hwan. É um mundo brutal aquele que visitamos aqui. As ruas estão cheias de corpos, o sangue está presente em muitos locais, especialmente nos ginásios das escolas. Os testemunhos destes mortos são olhos atentos de quem brevemente também estará morto ou, sobrevivendo, acabará por ser uma espécie de "morto-vivo". Porque são os sobreviventes que ainda não perceberam muito bem o que se passou, entre a repressão, a tortura e a sobrevivência.

Três jovens, Dong-ho (de 15 anos), o universitário Eun-sook, e Seon-ju, tomam conta de corpos numa morgue improvisada, acendendo velas ao lado dos restos mutilados, enquanto esperam que as famílias os venham identificar. Han descreve a morte de uma forma lenta e sofrida. Muitas das histórias dos que a polvilham cruzam-se, mas todos parecem perdidos. Tal como em "A Vegetariana", há sempre uma grande preocupação de Han Kang com o corpo humano, mas aqui há a sua redução aos limites da humanidade. E aqui chocam a nossa capacidade de amar e sofrer por princípios e o desleixo de outros por tudo isso. E, no meio de tudo isto, o que é que nos torna humanos? Ou a humanidade vai desaparecendo, sem que dêmos conta disso?

Através da tortura que descreve, a autora vai-nos colocando defronte do que é uma obsessão para ela: a carne. As causas e os efeitos das decisões de um governo marcial, tal como os que a industrialização tem nas classes trabalhadoras, acabam também por estar presentes. Porque há aqui muita memória de atrocidades anteriores: uma vítima de tortura recorda que muitos dos que a praticaram em 1980 tinham antecedentes, aquela que tinham praticado no Vietname durante a guerra. Recorda-se uma frase de um guarda-costas do presidente Park Chung-hee: "O governo cambojano matou mais dois milhões de cambojanos. Ninguém nos impede de fazermos o mesmo." O valor da vida humana, do corpo e da alma, é assim reduzido a nada. A números. Não se consegue regressar a um mundo depois do massacre ou da tortura, como escreve Han Kang. Recorde-se que quando, em 1979, o ditador Park foi assassinado a lei marcial foi imposta para contrariar a revolta popular. Os trabalhadores, que tinham garantido recentemente o direito a ter sindicatos, lutavam pelos seus direitos. Foi então que as tropas governamentais dispararam sobre os estudantes da Universidade de Jeonnam, o que levou a que todo o tipo de cidadãos tenha vindo para a rua em solidariedade. E aí as tropas que chegaram a seguir, em vez de acalmarem a situação, colocaram baionetas com as quais chacinaram estudantes. A 28 de Maio tudo tinha terminado. Só ficaram as memórias. As que Han Kang tão bem descreve.




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