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Virgolino Faneca escreve sobre o Marco, um joelho com vida própria e o septo nasal

Virgolino Faneca sai em defesa de Marco, o jogador do Canelas, na medida em que o dito é o exemplo perfeito do postulado de Ortega y Gasset, "o homem e as sua circunstâncias".

07 de Abril de 2017 às 17:00
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Prezado Marco

Venho por este meio manifestar-te a minha solidariedade devido ao facto de estares a ser esturricado na fogueira da opinião pública por teres agredido um árbitro. Esta gente, mais habituada a julgar os outros do que a fazer introspecção, desconhece em absoluto o postulado de Ortega y Gasset, "o homem e as suas circunstâncias" e isso deixa-me tal e qual como o doutor Dias Loureiro, ou seja, estarrecido.

Tu, Marco, és o exemplo acabado de "o homem e as suas circunstâncias". Vejamos. No sábado, tiveste um dia longo, viagem do Porto a Lisboa, co-lideraste uma claque, a dos Super Dragões, tiveste de enfrentar a bófia provocatória que vos vigiou, gritaste a plenos pulmões invectivas contra os lampiões, esperaste mais de uma hora para sair do Estádio da Luz, voltaste ao Porto em mais uma desgastante viagem e, provavelmente, ingeriste uma quantidade apreciável de bejecas durante o dia. Depois de um sábado intenso, stressante e supercansativo, foste jogar à bola no domingo e aconteceu o inevitável. Durante dois longos minutos, foste invectivado por um adversário que te chamou de fdp para cima e tu, um purista da língua portuguesa que se benze e reza uma avé-maria a Camões de cada vez que ouve alguém expressar-se usando palavras vernaculares, não te contiveste. Em nome da língua portuguesa, da tua família e do brio imaculado do teu clube, deste um chega para lá ao jogador malcriado e, pasme-se, o árbitro resolveu expulsar-te.

E foi aí que tu, Marco, te transformaste na tua circunstância, sendo que o teu joelho ganhou vida própria e contra a vontade da mente, resolveu embater no nariz do árbitro. Tu bem tentaste contrariá-lo, mas o menisco que habita no joelho da tua musculada perna direita sempre foi muito senhor do seu nariz e resolveu agir por conta própria.

Agora atiram-se a ti, como um macaco se atira a uma banana, para triturarem a tua existência, criando a imagem de que és um bárbaro. A tal ponto que até os dirigentes do Canelas, a tua equipa, te resolveram expulsar, armados em mete nojo. O que vale é que tu lhes respondeste com classe, mostrando que o culturismo não trata apenas do corpo, mas também da alma. "Esse senhor que falou que tenho de ser castigado é o mesmo que me disse que se tiver de f... dois ou três, para fazê-lo. Sou culpado das minhas atitudes, mas não me venham tapar os olhos, seus otários", argumentaste, com uma classe discursiva muito acima da média.

Tu, Marco, és uma vítima, e só a estultícia das massas impede esta constatação óbvia. Na minha modesta opinião, tu mereces ter um cântico próprio na claque dos Super Dragões e, quiçá, um reconhecimento oficial do senhor Jorge Nuno Pinto da Costa, outro amante da língua portuguesa, que ainda hoje é recordado pela sua sublime declamação do poema de José Régio, "Cântico Negro".

Além disso, pela fisionomia do árbitro, via-se mesmo que estava a precisar de corrigir o septo nasal. O teu joelho veio permitir essa intervenção, muito provavelmente sem custos para o senhor equipado de negro. E pronto, é isto, embora ainda houvesse muito mais dizer.

Com os melhores cumprimentos,

Virgolino Faneca


P.S.: Já que te expulsaram do Canelas, sugiro que cries uma nova equipa de futebol, chamada de Pinóquio 2017. Acho que é um nome absolutamente apropriado. Que dizes?

Quem é Virgolino Faneca

Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.



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