Notícia
Virgolino Faneca escreve ao professor dos professores sobre... professores
Quando existir um ministro da Educação que os professores elogiem a tua existência estará em risco, caro Mário. É preciso combater esta possibilidade. Com todas as forças.
Venho por este meio manifestar o mais profundo apreço pela classe que representa, a dos professores. Aliás, julgo que a par dos pais e das namoradas (ou namorados) os professores integram a categoria das pessoas que deixam em nós marcas para toda a vida. Por exemplo, lembro-me da severidade do professor da quarta classe, da castidade da professora de Português que saltava o canto nono dos Lusíadas por ser libidinoso, de um outro professor de Português que me ensinou que a mania das grandezas era a maior das fraquezas, de uma professora de Inglês que me apresentou Fernando Pessoa aos 14 anos, de uma professora da faculdade com quem tive uma discussão ridícula sobre a forma de podar uma videira ou de um outro que nos incitava a ter orgasmos intelectuais. E existem mais, muitos mais, arquivados num lugar acessível da memória, porque os professores são fundamentais na construção da nossa entidade. Agradeço e respeito. Além de ensinarem têm de se pacientes, seja para aturar as traquinices da infância, as parvoíces do primeiro ciclo, as tolices e arrufos dos anos seguintes ou a pesporrência típica do ensino superior. São mesmo pessoas especiais.
Não estou a ver os meus professores (e olha que foram todos do ensino público) a alinhar com este método de protesto. Não é uma questão de legalidade ou falta dela, é querer ter o melhor dos dois mundos: protesta-se e não se perdem as regalias por inteiro. É efectivamente ardiloso mas também pouco ético, diria, mas quem sou eu para dizer alguma coisa ao grande timoneiro que tu és.
Mas se queres ser consequente, Mário, julgo que devias ir mais além nesta estratégia. Por exemplo, podiam dar as notas todas ao contrário obrigando os encarregados de educação e/ou os alunos a protestarem, criando assim uma situação insustentável nos serviços administrativos. Podiam, também, criar um fórum de dúvidas com o e-mail do ministro da Educação, ou, arte suprema, pedir a Marcelo Rebelo de Sousa que fosse dar notas. Afinal, ele não só é professor, como se presta a tudo, até a cantar a "Minha Casinha" com os Xutos & Pontapés no Rock in Rio. Ou ainda contratar a Maria Leal para liderar as negociações com o Governo. A bem da sanidade mental e também da auditiva, as partes alcançariam um acordo entes de ela acabar de cantar "O Verão É Nosso".
As más-línguas dizem que tu tens tempo para conceber estes planos maquiavélicos derivado do facto de já não dares aulas há uma caterva de tempo. Não acredito nisso. Pelo contrário. Os teus alunos são os outros professores e trabalho não falta, além de que o fazes em prol dos outros, o que revela a tua natureza altruísta. Afinal, quando existir um ministro da Educação que os sindicatos elogiem, o teu posto ficará em risco, e é isso que é preciso evitar a todo o custo.
Vai em frente que eu fico aqui a observar.
Um abraço deste teu,
Virgolino Faneca
Quem é Virgolino Faneca
Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.