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Pedro Rosa Ferro: Os políticos sempre mentiram. Nalguns casos com boas razões

A História mostra que a mentira sempre fez parte da política. Este é um dos temas que Pedro Rosa Ferro, economista com doutoramento em Ciência Política, aborda no livro “Política, Ciência e Consciência”, recentemente editado pela Almedina.
Filipa Lino e Bruno Colaço - Fotografia 18 de Setembro de 2020 às 11:00

A História mostra que a mentira sempre fez parte da política. Este é um dos temas que Pedro Rosa Ferro, economista com doutoramento em Ciência Política, aborda no livro "Política, Ciência e Consciência", recentemente editado pela Almedina. "Pensar que os políticos de outrora eram mais competentes do que os de agora, pode não ser verdade", alerta. Atualmente há uma maior complexidade nos cargos públicos e um maior escrutínio. Na pandemia, ficou clara a distinção de funções de cientistas e políticos, defende o professor da AESE- Business School. "A última palavra não pode ser dada pelos peritos, porque eles não têm uma visão de conjunto".

 

Havia uma relação de amor/ódio entre a política e a ciência, particularmente na questão das alterações climáticas. Com a pandemia, estamos a assistir a uma nova era, em que o conhecimento científico vai ter mais peso nas decisões políticas?

Não estou certo de que exista essa relação de amor/ódio. Acho que, tanto na sociedade em geral como na política, há bastante reverência pela atividade científica e pelo parecer dos peritos; às vezes de forma excessiva. Há pareceres científicos em matérias que têm implicações públicas e políticas em que há uma contaminação.

Uma contaminação em que sentido?

Não é certo que os cientistas consigam sempre isolar aquilo que é do âmbito da ciência daquilo que são as suas próprias opções ideológicas. E às vezes isso vem ao de cima nos pareceres que produzem. A meu ver, acontece em particular na questão das alterações climáticas, em que não há um consenso completo e as posições são, em grande parte, ideológicas. A pandemia trouxe à superfície, com mais acuidade, a questão do papel da ciência nas decisões políticas. Se olharmos para trás, percebemos que, no início, a atitude prudencial pareceu ser a mais conveniente. Depois, houve uma narrativa científica oficial que foi conduzida pela Organização Mundial da Saúde e, em Portugal, pela Direção-Geral da Saúde. Mas é preciso reconhecer que, ao longo deste tempo, houve várias trapalhadas e contradições nas posições ditas científicas dessas instituições. Subsistem várias dúvidas. A ciência não chegou ainda a conclusões precisas sobre a origem do vírus, os modos de contágio ou as estratégias de contenção da epidemia. Há uma série de incertezas, e isso é natural. Os cientistas acabam necessariamente por se enganar em algumas coisas, sobretudo na fase inicial de um fenómeno. 

 

Mas desta vez têm o foco da comunicação social em cima deles.

Sim, e a comunicação social tem uma natureza simplificadora e redutora. Não sei se é injusto dizer isto, mas os media são um pouco sedentos de sangue. Aquilo que é mais impactante é o que causa celeuma e isso, neste caso, confluiu numa espécie de discurso do medo que, no princípio, era absolutamente justificável, porque não sabíamos bem o que ia acontecer, mas que, a pouco e pouco, se tornou excessivo. Mas, voltando à relação entre a ciência e a política, a ciência é imprescindível porque explica, analisa, informa, aconselha e pode contribuir para a concretização das escolhas. Contudo, a última palavra não pode ser nunca dada pelos peritos ou pelos cientistas, porque eles não têm uma visão de conjunto, cada um habita no seu silo de conhecimento. A abordagem necessária é política, porque lida com interesses, valores, direitos e bens que às vezes estão em concorrência, em conflito. Há escolhas a fazer. E é preciso legitimidade para decidir, escrutínio, responsabilidade política. Isso é algo que os cientistas não têm.

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