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Emmanuel Macron: Veni, vidi, venci?

A Europa suspirou de alívio. Os mercados também. Mas o estado de encantamento não será eterno. Macron pareceu um general romano: vene, vidi, venci? Venceu?

12 de Maio de 2017 às 14:00
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Nos seus diários pessoais, François Mitterrand deixou pensamentos que demonstram que ele era um arquitecto político. Que manobrava tão bem nas sombras como na luz do dia. Sobre a Europa escreveu, por exemplo: "Os americanos têm dominado a Europa que libertaram com a sua moeda. Os europeus libertar-se-ão se criarem uma moeda própria". Ou: "Gaulismo sem De Gaulle? Difícil. Gaulismo sem o povo? Impossível". É esta última frase que nos coloca na festa vitoriosa de Emmanuel Macron que, de alguma maneira, se comparou a De Gaulle, dizendo que não era da esquerda nem da direita. Ou que alguns comparam a Napoleão Bonaparte, por causa da idade, o homem embalado pela Revolução que não tivera a sua assinatura e que mudou de alguma maneira a face da Europa.

Macron não é um revolucionário: é um fruto da elite de que diz já não fazer parte. Sabe porque o diz: é a elite francesa e o seu sistema que são o alvo dos eleitores. Os que nele votaram pelas mais variadas razões e os que votaram em Marine Le Pen. Não admira que o sempre polémico escritor Michel Houellebecq tenha dito: "a sua campanha foi como uma terapia de grupo - para converter os franceses ao optimismo". Resultou por agora, numa nação vergada ao pessimismo. Mas o estado de encantamento não será eterno. Macron pareceu um general romano: veni, vidi, venci? Venceu?

A Europa suspirou de alívio. Os mercados também. A ameaça de Marine Le Pen, que poderá fazer implodir a União Europeia e a zona euro, travando mais um pouco a globalização económica e financeira e fechando as fronteiras, parece agora uma nuvem passageira. O problema é que não é. Macron é um balão de oxigénio. Ganhou forte como alternativa a uma proposta que parecia ir erradicar a França da Europa. Mas agora surgem questões mais pertinentes. Desde logo, pela ainda falta de experiência política de Macron, num território onde os poderes são muito fortes e os interesses vastos.


A ameaça de Marine Le Pen, que poderá fazer implodir a UE, parece agora uma nuvem passageira. O problema é que não é. Macron é um balão de oxigénio.


Reformar a França não é uma tarefa fácil. Especialmente para Macron, um produto que muitos apresentam como a face nova de um regime velho. E pouco mais do que isso. Ele é um animal político, como demonstrou na campanha, mas isso chegará para quem tem de se impor no palco político, económico, social e cultural francês, sem ainda um partido ou uma maioria parlamentar (em Junho, se verá o que acontecerá aos partidos tradicionais, Republicanos e Socialistas e à Frente Nacional)? O presidente pode nomear o primeiro-ministro, mas se este não tiver apoio parlamentar será complicado gerir a governação, como em tempos sucedeu a François Mitterrand e a Jacques Chirac, que tinham maiorias hostis no Parlamento.

Depois há a questão da ruptura: a vantagem de Macron foi ter estado ligado ao poder de Hollande (e a algumas tentativas de reformas que causaram muita resistência da sociedade), mas que conseguiu surgir como se fosse imaculado. Ou seja, Macron emergiu como uma espécie de homem sem passado. E, como se provou com Marine Le Pen (e também com Jean-Luc Melénchon), a tentação da ruptura com o "sistema" era um denominador comum aos franceses.

Os franceses estão fartos dos partidos que se têm alternado no poder e não encontram neles respostas para uma débil economia, para um desemprego estrutural muito sólido, para a questão da segurança. Macron é uma face jovem. Pode representar essa ruptura, mas será que é isso mesmo que ele deseja? Macron faz parte de uma elite tecnocrata, muito alinhada com as leituras económicas liberais dos problemas do país. Ora, o problema de França é maior do que isso. Especialmente num país onde o Estado se comporta como a mão visível da segurança. Macron, de qualquer maneira, parece um "salvador": é jovem, refinado, culto e parece dizer a verdade. A questão é saber se conseguirá substituir o pessimismo pelo optimismo e devolver a ilusão de futuro que falta a uma sociedade doente e exausta.


Macron é, ainda assim, uma incógnita. Até que ponto ele dará respostas à incerteza que reina no espírito dos franceses?


Ao mesmo tempo, Macron funciona como um fôlego suplementar para uma Europa que, confrontada com o nacionalismo que vai impondo a sua agenda (Le Pen perdeu, mas as suas ideias bases vão ficar lá), seja na França, na Holanda, na Polónia, na Hungria ou em Itália, e com a austeridade que escolheu como via para dissipar todos os males, perdeu o seu norte. A Europa hoje perdeu a sua superioridade moral, destroçou a ilusão de que o futuro seria sempre melhor, gere em vez de arriscar, está presa de uma burocracia eurocrata que teme qualquer mudança. E que não responde aos anseios económicos e de segurança dos seus povos. Macron pode ajudar a conservar esta Europa. Mas pode ser apenas um balão de oxigénio. Um salto em frente.

Macron é, ainda assim, uma incógnita. Até que ponto ele dará respostas à incerteza que reina no espírito dos franceses? A precariedade do Estado Providência, o fim do trabalho como o conhecemos, uma Europa que não dá respostas à crise social, são questões centrais a que Macron deve responder. Actuando. Sob pena desse capital de alguma esperança se diluir em pouco tempo. Mais complicada é a situação da Europa (seja a UE seja a zona euro): o sistema, preso nas suas cumplicidades, não dá resposta às novas necessidades dos cidadãos. E estes sentem que a política está noutro planeta, incapaz de os proteger da insegurança laboral, do terrorismo e da emigração. Baixos salários e falta de horizontes para os mais jovens são um "cocktail molotov" terrível que poderá explodir quando menos se pensa.

O contexto desta crise, com o crescer da dívida pública (muito derivada do abrandamento do crescimento económico e de uma mudança geracional onde há cada vez mais dependentes face ao número de trabalhadores no activo) e a deslocalização de indústrias e serviços, que causaram um abaixamento de receitas fiscais, ajuda a explicar esta implosão social. Onde bebe o nacionalismo e o extremismo. E foi aí que a Europa cometeu um erro: julgou que o que fez aos pequenos países da periferia se poderia aplicar aos grandes (Itália, França, Espanha). Não é assim.Talvez em Bruxelas e em Berlim se julgue que o Brexit é hoje uma aberração para os europeus e que a vitória de Macron vai permitir tratar todos os grandes problemas europeus num consórcio privado. É um erro pensar nisso. A Europa ganhou tempo. Mas não muito. Se não arrepiar caminho desta política, a Europa poderá acordar em 2022 com uma qualquer Le Pen no Eliseu.


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