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Eduardo Paz Ferreira: "Os bancos portugueses estão um pouco de cabeça perdida"

O sistema financeiro português desmoronou-se com a crise financeira e ética que ajudou a criar. A união bancária, que deu a machada final, está a traduzir-se num excesso de burocracia que contrasta com a ausência de supervisão do Banco de Portugal, diz Paz Ferreira.

Miguel Baltazar
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É professor de direito, advogado, especialista em temas financeiros, presidente da Comissão de Auditoria da CGD até ao Verão, católico e intelectual de esquerda, com vários títulos publicados. O último livro, "Por uma sociedade decente", é um dos múltiplos contributos que vem oferecendo para a promoção de uma reflexão mais profunda sobre as escolhas que Portugal e a Europa enfrentam. Estas são referências para a conversa de duas horas, bem disposta e provocadora, que deu origem à entrevista que se segue, na qual avisa que "o populismo tem as costas largas".


Tirou o curso de direito para ajudar a mudar o mundo. Hoje conta que muitos alunos dizem que cursam direito para ganhar dinheiro. Como advogado, acabou por mudar mais o mundo ou ganhar mais dinheiro?

Essa é uma pergunta de resposta muito fácil. Quanto a ganhar mais dinheiro, não ganhei. Estou muito longe de ser um advogado de sucesso. É certo que me empenhei bastante na ideia de que o direito fosse um instrumento de justiça. E aí, enfim, o meu balanço também não é o mais optimista. Por muito que me alegre saber que consegui fazer algumas coisas, não tenho a ilusão de ter conseguido mudar muito o mundo.

 

O problema foi de excesso de romantismo, ou do mundo?

Não acho que seja um excesso de romantismo. Uso, por vezes, um exemplo, que é uma entrevista com a Catherine Deneuve – que é de esquerda, e era, ao mesmo tempo, a imagem do Yves Saint Laurent – quando um jornalista lhe perguntou: a senhora diz que é de esquerda e vive nesse meio. O que é que, afinal, faz pela classe operária ou pela esquerda? Ela respondeu: porto-me bem. Este é um princípio fundamental de vida, anterior ao romantismo. Infelizmente, esse padrão ético desapareceu do mundo. Hoje, o direito desapareceu ou perdeu muito do seu poder. Muito mais importantes do que as leis votadas pelos nossos representantes, são as circulares, as decisões do BCE, as decisões de instituições internacionais, que não são propriamente fonte de direito. Desapareceu o direito e desapareceram também as boas maneiras. Pode parecer um pouco ridículo, mas as boas maneiras eram uma forma de cimento social e de criar uma sociedade mais decente.

 

A degradação de princípios éticos resulta da primazia de valores económicos e financeiros?

Já passei por várias fases na sociedade portuguesa. Conheci os anos de brasa, conheci a ditadura, conheci os anos 1974,1975 e o grande debate ideológico. Depois assisti ao aparecimento do consumismo nos anos 1980, que tem um ponto de viragem com a abertura das Amoreiras, em 1985. A Expo-98 – que teve muitos aspectos positivos – é o exemplo extremo dessa mudança de padrão na sociedade portuguesa: as pessoas deixaram de se preocupar com o que valiam para se preocuparem com o que exibiam. O que foi uma grande alteração cultural, porque todo o salazarismo era assente na cultura da pobreza, da contenção e da miséria. De repente, passou-se para a cultura da ostentação.

 

É possível ganhar muito dinheiro e mudar o mundo?

Aparentemente, há aqueles filantropos mais ou menos célebres, como o Warren Buffet, George Soros, Bill Gates, que parecem ser o exemplo desse tipo de pessoas. Mas o que me impressiona é que, quando se verificam as práticas de planeamento fiscal de muitos destes grandes benfeitores, percebe-se que talvez fosse melhor começarem a cumprir os seus deveres de cidadania e a deixar o Estado cumprir essas missões.

 

São mais operações de charme social?

Sim, e temos uma versão portuguesa, que é um pouco mais deplorável, que é a Fundação Francisco Manuel dos Santos, porque essa não se dedica a causas sociais. É um exemplo típico de uma empresa que não paga impostos em Portugal, mas depois aparece como grande mecenas da cultura e da investigação.

 

Revê-se então nas escrituras quando dizem que é mais fácil passar um camelo por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus?

As generalizações são muito perigosas e também houve sempre uma esquerda caviar. Há um livro muito interessante – "Histoire de la gauche caviar" – cuja tese central é que o mundo só progrediu através da colaboração dos chamados "traidores de classe", dos que, estando numa posição de bem-estar e riqueza, apoiaram reivindicações justas. Mas a minha ideia é que esta esquerda caviar é cada vez menos esquerda e é puramente caviar.

 

Os grandes escritórios de advocacia são hoje conotados como sendo grandes lobistas, percebidos como centros de interesse e de influência. Isto está próximo ou longe da verdade?

É uma pergunta difícil, e talvez faça parte das boas maneiras não ser demasiado crítico dessas instituições. As grandes sociedades de advogados representaram um progresso na especialização e têm, por isso, aspectos interessantes e positivos. Por outro lado, foram criando uma máquina muito pesada com objectivos muito altos: aí, sim, pode pensar em ganhar muito dinheiro. Admito que, nalguns casos, foram tentados a adequar o seu padrão às necessidades de sustentar a máquina. Acabou por se criar uma certa cumplicidade – há uma coisa muito curiosa nestas sociedades que é a preocupação de serem sociedades pluripartidárias. Julgo que não têm ainda advogados do PC e do Bloco de Esquerda, mas se o Governo durar mais uns tempos, ainda havemos de ver uns sócios nas grandes sociedades dos advogados do PC e do Bloco de Esquerda. Obviamente que são partidos em que não será muito fácil encontrar pessoas que estejam disponíveis para isso, mas a carne é fraca, nunca se sabe.

 

É um problema de regime? Sobrevalorizamos essa relação?

Não isolaria as sociedades de advogados, mas que temos um problema grave de lobismo, isso temos. E depois temos outro problema grave, ao nível da comunicação social: está muito pauperizada e a sintonia total ou quase total entre os vários órgãos de comunicação tem uma influência negativa na capacidade de influenciar a sociedade, o que é grave. Isto foi defender os advogados atacando os jornalistas.

 

Eu percebi. O professor acaba por ter uma certa atracção pelos dois mundos que o desiludem: começou uma vida no direito recusando trabalhar em jornalismo e, desde então, manteve-se atento ao que aí se passa.

São dois mundos que me atraem profundamente. Muitas vezes penso que teria gostado de ter ficado pelo jornalismo e que, se calhar, fui, eu próprio, vítima daquela ideia de sucesso ou de ganhar dinheiro e acabei por ir para a advocacia. São mundos fascinantes.

 

O jornalismo é efectivamente um quarto poder?

Ou até mais do que isso. Suspeito que tenha mais poder do que outros poderes e, às vezes, até tem tendência para substituir-se aos outros e chamar a si funções de julgamento e de decisão sobre a culpa ou não culpa das pessoas.

 

Quanto confia nos outros três poderes?

Sob o risco de ser chamado populista – pois, hoje em dia, quem quer que tente mudar o mundo é um populista, o que é uma utilização da palavra para tentar preservar as coisas como estão –, há muitas coisas a mudar na forma como a política funciona. Muitos políticos tentam apagar o debate político ou transferi-lo de onde deveria existir – nomeadamente na Assembleia da República – para os jornais.

 

Descreveu Portugal antes do 25 de Abril como "medíocre, uma coisa de pequenos valores, pequenos gestos, pequena coragem, pequena energia". E hoje?

Há uma frase num romance de Roger Vailland que, a certa altura, diz que em Portugal encontrou um povo que se desinteressou do seu destino. E era um pouco isso o Portugal anterior ao 25 de Abril. Mas, no meio, havia pessoas de uma coragem e lucidez extraordinárias: Mário Soares, Francisco Salgado Zenha, católicos progressistas, dirigentes académicos que foram expulsos das faculdades, como José Medeiros Ferreira. Se pensarmos nisso, e olharmos para a Assembleia Constituinte onde estavam políticos que vinham do tempo do salazarismo, tínhamos uma elite política verdadeira. Como é que, em 40 anos de democracia, diminuiu tanto de qualidade? No panorama mundial e europeu, também.

 

O que está a acontecer?

Foram-se acumulando muitas desilusões nas últimas décadas, ao mesmo tempo que desapareceram todas as grandes causas que agitaram gerações: o Maio de 1968, a guerra do Vietname, tudo isso desapareceu. É certo que hoje temos outras causas que poderiam motivar as pessoas, uma delas é a dos refugiados. Mas, em vez de se sentirem motivadas, as pessoas sentem-se motivadas a fugir delas.

 

Porquê?

Creio que é um pouco a criação do tal mundo artificial, da glória, do sucesso, do consumo, da satisfação individual. Temos que voltar ao "nós". Temos de reaprender a solidariedade. Em matéria política, os partidos deixaram-se penetrar por vários fenómenos perversos, pelos interesses económicos, e outros, e também por pessoas que vêem na política uma forma de ascensão. A ambição em política não é má, é boa, mas tem de ser a ambição de fazer coisas.

 

Se o Governo durar mais uns tempos, ainda havemos de ver uns sócios do PC e do Bloco de Esquerda nas grandes sociedades dos advogados.

Paulo Macedo é uma excelente escolha para a Caixa e deveria ter sido a primeira.

 

Os portugueses continuam despreocupados com o seu futuro?

Continuam, o que é assustador. Há muita gente a dizer que se sente o fantasma dos anos 30 do século XX. De alguma forma, aproximamo-nos desse período de sombras muito pesadas, mas não há uma percepção social muito clara disto, por exemplo das perigosíssimas implicações da eleição de Trump.

 

Fenómenos como a eleição de Trump, a votação do Reino Unido, são indicações de que o "centrão" pode já não ganhar eleições?

Há uma frase do Gramsci, que aprecio imenso, que diz que o velho demora muito a desaparecer, e o novo a afirmar-se. Estamos um pouco nessa situação: essa forma tradicional do "centrão" tem os dias contados, mas não sabemos quantos serão. O que é claro é que esse "centrão" foi, em larga medida, responsável pela situação actual e quem tem mais culpa é o centro-esquerda, ou a esquerda. A social-democracia suicidou-se quando abandonou as suas causas tradicionais. Uma grande parte dos votantes no Brexit, no Trump, são pessoas que vêm de uma área que, tradicionalmente, se reconhecia na esquerda democrática.

 

Como é que isto se relaciona com o populismo, uma palavra que diz que é usada como instrumento para neutralizar ideias que querem mudar a sociedade?

O populismo existe inquestionavelmente, mas tem as costas largas. Muito de nós achamos que devemos contestar a forma como a política está a ser feita. Isto não é populismo, isto é a atitude mais saudável para salvar a democracia. Depois há forças que pretendem avançar soluções não democráticas, que esmagam ainda mais a participação possível dos cidadãos. Isto é Trump, é Marine le Pen.

 

Há populismo bom e populismo mau?

Há populismo e há vontade de mudar. Ou, se quiser, o conceito genérico é vontade de mudar. Dentro dele, há os movimentos populistas que têm instrumentos como o referendo, que tendem a rejeitar a elite política. Stephen Hawking, num artigo recente, defende que estamos a viver o pior tempo de sempre, descrevendo estes movimentos como de rejeição das elites incluindo também as científicas e intelectuais. Isto é uma situação perigosíssima. Podemos também interrogar-nos se o populismo não é o que antigamente era um pouco a luta de classes.

 

É mais fácil mudar a sociedade dentro do sistema de forma gradual, ou fora dele de forma radical?

Fora do sistema de forma radical é uma pergunta que impede alguém de responder "fora do sistema de forma radical", pois essa foi, no fundo, a perspectiva da Baader-Meinhof, das Brigadas Vermelhas, das FP-25 e ninguém quer essas companhias.

 

Não tão fora do sistema então...

No fundo, reforma ou revolução... e, aí, continuamos na zona perigosa. Estava a brincar, percebo o que pergunta: estão em causa duas perspectivas, uma gradualista, que é a do "vamos portar-nos bem" com Bruxelas, e, aos poucos, as coisas vão avançando até que conseguimos que Bruxelas nos leve a sério. Essa é a tal acção dentro do sistema. Há outra opção possível. Um amigo meu norte-americano diz que temos de nos habituar à ideia de que a humanidade é má e que, de vez em quando, há alguém que a consegue fazer avançar e que esses passos dificilmente são retirados. Esses passos, em regra, são dados por pessoas que fazem cortes significativos.

 

Tsípras é uma desilusão?

É uma desilusão total. Ainda hoje não consegui compreender como foi possível fazer aquele referendo com aquele resultado espantoso e, na semana a seguir, assinar a capitulação. Foi uma coisa criminosa. Pode achar que o Varoufakis é um louco, mas teve dignidade e percebeu que não se podia ir por este caminho. Hoje, Tsípras vai muito mais além do que a direita grega fez.

 

Isso  diz-nos mais sobre Tsípras ou sobre a UE?

Sobre os dois, sem dúvida. Sobre a máquina opressora e destruidora da UE nestes dias seguramente. Mas diz também muito sobre Tsípras. Diz que havia muito amadorismo e diz sobre a sua personalidade: acho deplorável. A única atitude sensata depois de ter perdido seria ir embora. Ficar, ele, a executar não faz sentido nenhum. Aliás, acabará com um resultado eleitoral tipo PASOK.

 

Já não adora a UE?

Adoro a ideia de UE. Gosto muito. O Victor Hugo tinha a bela expressão de abrir os braços da Europa para os Estados Unidos sobre o Atlântico. Neste tempo, imaginamo-nos Marine Le Pen  a abraçar Trump: é demais. Tirando esta brincadeira, adoro a ideia de integração europeia. A liberdade de circulação, a solidariedade, o trabalho em conjunto, a forma como as gerações mais jovens são abertas e se sentem habitantes do mesmo espaço. O que não gosto é a forma como está a ser interpretada, como um mero exercício tecnocrata, com uma grande arrogância face aos governos nacionais e sobretudo em relação às populações.

 

A falta de líderes europeus que identifica pode resultar de uma camisa de forças criada, por exemplo, pela Zona Euro?

Devo ser uma das poucas pessoas que tem esta ideia e, portanto, deve esta errada: espanta-me imenso o unanimismo em torno de Jacques Delors. Ninguém o critica. No entanto, foi ele que criou o sarilho em que estamos. A ideia da [união monetária] de dar passos económicos para, a seguir, dar passos políticos é totalmente suicida. É evidente que ou se mete a dimensão social logo no desenho inicial ou não há nada a fazer. Ele próprio tem, uns anos mais tarde, um artigo, torturado, a questionar sobre se traímos a Europa social. Há espaço para haver uma Europa sem o actual desenho: assim houvesse vontade.

 

A Europa deve equacionar o fim do euro ou uma reconfiguração?

Não tenho muitas dúvidas que a Europa precisa de ter planos B para o euro e não sei se tem. O fim do euro pode acontecer por vontade deliberada, por racionalidade, por cálculo, mas parece-me que isso não faz muito o tipo dos actuais dirigentes europeus. Ou pode acontecer que as coisas expludam. E basta que a Itália saía do euro, ou até apenas que convoque um referendo.

 

Como Portugal se pode preparar para um cenário de tão grande incerteza? Precisa de reestruturar a dívida, precisa de um plano político mais alargado?

Tenho como completamente claro que temos de reestruturar a dívida, não de forma unilateral, mas negociada, como acontece no sector privado. Ainda agora o representante do FMI para Portugal veio dizer que a dívida é completamente pagável. Isto poderia ser verdade num contexto em que houvesse crescimento económico mais significativo, e em que houvesse inflação.

 

A reestruturação da divida parece surgir como a solução para todos os problemas...

Não é uma solução para todos os problemas, mas é um passo necessário. A dívida consome todos os anos mais em juros do que a despesa do Ministério da Saúde. Reduzir a dívida deixaria outra margem de manobra.

 

Que balanço que faz da geringonça, se é que lhe chama assim?

Não falo em geringonça. Acho, aliás, extraordinária a forma como a esquerda se adaptou à ideia. O balanço que faço é positivo, é quase necessariamente positivo. E espero que continue a ser necessária depois das próximas eleições.

 

Depois da devolução de rendimentos, no que podem convergir?

Numa posição mais afirmativa na relação com a UE. [E daqui para a frente também] vai haver uma questão de redistribuição do rendimento que se vai colocar. 

 

Criticou uma UE construída com estratégia em que a integração económica força a união política. Mas, no meio da crise, fez-se isso mesmo, com a criação da união bancária. Faz sentido?

A união bancária, em si, é uma ideia positiva e faz todo o sentido. Mas há duas coisas na forma como foi feita que me impressionam: uma é o facto de não ter sido possível conseguir a mutualização dos depósitos; a outra é forma como está ser exercida. Eu sou um adepto da regulação, mas qualquer dia deixo de ser. A regulação do Mecanismo Único de Supervisão é de tal forma obsessiva que um quarto do trabalho dos bancos é satisfazer as exigências de preenchimento de sucessivos documentos.

 

É sempre o discurso que se ouve nos regulados....

Eu próprio comecei por dizer que qualquer dia mudo de posição. Em Portugal, passou-se de uma situação em que não havia regulação – o que se passou no Banco de Portugal é uma história vergonhosa, impensável – para uma situação em que há um excesso absoluto de regulação. Além disso, há esta ideia de que as instâncias europeias podem decidir que bancos é que os países têm, quem são os donos dos bancos, etc. A pressão conjugada entre a Direcção-Geral da Concorrência e o MUS destruiu qualquer presença de capitais portugueses nos bancos, num projecto claro de os reduzir apenas à CGD. Ainda por cima, sem garantir a solidez: estamos a entregar bancos a fundos especulativos, a capitais chineses que, alguns, nem serão muito sólidos...

 

A ideia de capitais portugueses na banca anda próxima da ideia antiga de ter centros de decisão nacionais, da qual não se pode fazer um balanço muito positivo...

É verdade, foi o resultado, em grande medida, da falha de supervisão. Mas não podemos abandonar a ideia de ter centros de decisão nacional. Vi a entrevista que fez à dra. Teodora Cardoso e não poderia estar mais em desacordo. Vejamos, por exemplo, o que se passa na área da energia: é criminoso que Portugal tenha uma área com a vulnerabilidade da energia – quer a distribuição, quer a produção – entregue à China. É assustador, permite todo o tipo de chantagens, é suicida fazer isto. Há privatizações a fazer e outras a não fazer.

 

No sistema bancário, mantêm-se um grande banco português, com capitais púbicos...

Há outros bancos, mas pequenos. É normal?

 

Se não houver capital...

Porque é que o Estado não fica com o Novo Banco ou não o incorpora na Caixa? Isto vai acabar numa situação semelhante à que vimos na Fidelidade, em que quem compra, vende acções logo a seguir.

 

A UE não traz, pelo menos, maior exigência sobre a gestão, sobre a avaliação da idoneidade e competência dos administradores...

Até já mandaram alguns estudar, o que também é de algum mau gosto. Portugal é problemático para nós, mas a Itália e a Alemanha estão por resolver e a união bancária não foi capaz de fazer grande coisa por isso. Em Portugal, temos uma coisa muito má: que é, de facto, não ter havido qualquer punição de responsáveis. É muito difícil perceber como o dr. Rendeiro promove exposições em Nova Iorque quando desgraçou a vida de muitas pessoas e desgraçou a vida dos contribuintes com o dinheiro que o Estado meteu no BPP.

 

Os banqueiros em Portugal sempre foram favoráveis à UE e à ideia de disciplina sobre o Estado. Quando a UE passou a definir o que é disciplina sobre o sistema bancário, passámos a ouvir mais cepticismo...

É uma observação curiosa, não tinha pensado nisso. Não posso acrescentar muito, acho que tem razão: gostamos sempre mais quando é na casa dos vizinhos.

 

Fazem bem em juntar-se a uma perspectiva mais céptica da construção europeia?

Eu percebo que possa ser considerado um céptico, mas acho que, mais do que cépticos, é bom sermos positivos. Talvez fosse melhor que tentassem avançar com formas positivas de encarar a gestão. Apesar de, há pouco, ter criticado o excesso de regulação, é bom que haja regulação e que seja feita a nível europeu. Os bancos portugueses, neste momento, estão um pouco de cabeça perdida. Vêem o sistema, tal como o conheciam, a desmoronar. Estão um pouco sem saber o que fazer.

 

Como explica o desmoronamento do sistema financeiro português?

Por um lado, pela falha da supervisão que permitiu práticas muito inaceitáveis; e depois porque o Estado português não teve coragem. Não deveria ter intervindo em alguns casos como no BPP, e não teve a coragem para nacionalizar outros, como deveria ter feito. Não para ficar com eles, mas para, durante algum tempo, ter esses bancos nacionalizados e controlados. Nós preferimos colocar lá dinheiro e, a seguir, vender a preço de saldo, e até a pagar a quem os comprava, como aconteceu como Banif.

 


Também aqui foi a UE a impor uma solução?

Também é verdade que a UE impõe muita coisa a Portugal que não impõe a outros países, e que Portugal se conforma com o que a UE impõe.

 

Este Governo reivindica uma atitude de maior resistência às imposições da UE. No sector financeiro consegue fazê-lo?

Não vejo muito. 

 

Os problemas no sistema financeiro reflectem uma falência financeira, ou também uma falência ética e intelectual?

É basicamente ética. A nível intelectual, há que reconhecer algum "mérito" na capacidade de criação de produtos e na capacidade de aproveitar falhas de regulação. Havia em Portugal um ambiente de verdadeira veneração dos banqueiros: eram, por definição, pessoas sérias e importantes e isso facilitou-lhes muito a tarefa.

 

No caso das soluções para o Banif e para a CGD, quanto é imposição da UE, e quanto é aceitação nacional sem questionar?

Faz-me muita impressão que as conclusões da Comissão Parlamentar no caso do Banif sejam totalmente inúteis e tudo menos claras. O que veio a público são coisas graves: a ideia de que foi impedido um candidato interessante; a ideia de que foi declarado que o Banif era para o Santander – há até quem diga que o Santander já antes estava a explicar a vários clientes do Banif que iam ficar com eles. Quanto à Caixa, preocupa-me muito e tem de nos preocupar a todos.

 

Porquê?

Toda a gente e todos os partidos estão muito felizes com  a ideia de que a Caixa não foi privatizada e permanece pública. Eu tenho muitas dúvidas, mas não conheço suficientemente se os compromissos assumidos com a Direcção-geral da Concorrência não correspondem, na prática, a uma espécie de privatização. No sentido em que obrigam a Caixa a actuar com regras que não são as de um banco público, que têm de levar em consideração que é um certo instrumento de política económica do Estado que deve colaborar em objectivos de desenvolvimento económico e de cariz social, e não apenas actuar como puro banco comercial. E, ainda por cima, um banco comercial muito limitado pela exigência de rigor excessivo na concessão de crédito. A culpa, em grande medida, é da Direcção-geral da Concorrência, mas não percebo os motivos de alegria.

 

Não canta vitória sobre  a CGD?

Uma coisa de que gosto muito é da nomeação do Dr. Paulo Macedo. É uma excelente escolha e deveria ter sido a primeira.

 

As imparidades da CGD vão para níveis absurdos, que devem ser quase um recorde mundial.

 

Ele é a pessoa indicada para perceber e definir o que é um banco de capitais públicos numa economia de mercado?

Tenho uma grande confiança nele. Penso muito no extraordinário trabalho que fez da Direcção-Geral dos Impostos. Depois, não tenho qualquer dúvida que era o melhor ministro da Saúde possível no governo anterior e que o que conseguiu fazer em defesa do SNS foi notável. Tem também uma longa experiência bancária e uma grande experiência governativa. Além de características pessoais de integridade e honestidade que são absolutamente notáveis.

 

Foi presidente da Comissão de Auditoria da CGD: como é que são precisos 5 mil milhões de euros para a Caixa?

Eu também tenho a mesma dúvida, por estranho que lhe pareça. A anterior administração tinha um projecto de recapitalização que andaria pelos dois mil milhões, dois mil milhões e tal, e o anterior governo não acedeu ao pedido de recapitalização, deixando arrastar a questão. Depois, conjugam-se duas coisas. Por um lado, a forma desastrada como o novo governo deixou arrastar o assunto. Logo a seguir à tomada de posse, o  "Chairman" e o presidente da Comissão Executiva foram pedir ao ministro das Finanças uma substituição rápida, uma vez que toda a gente percebia que a Administração ia sair. Em vez disso, optou-se por deixar arrastar quase um ano, o que também terá deteriorado as coisas. Depois aconteceu uma coisa extraordinária, que foi a  mudança quanto às imparidades: a Caixa tinha uma solução totalmente adequada de imparidades, e agora passou, ou vai passar, para níveis absurdos, que devem ser quase um recorde mundial. Qualquer dia, quase todo o crédito está em imparidade. Isto é muito bom para a administração que vier a seguir, pois quase tudo o que fizerem é lucro, mas não vejo qual o sentido económico disto.

 

Os responsáveis do anterior governo colocaram recentemente sobre a Comissão de Auditoria, que liderou, o ónus de alertar sobre a situação na Caixa?

A Comissão de Auditoria alertou sucessivas vezes para o que era a situação. Mas entendamo-nos: está a gerar-se uma situação de pânico sobre a Caixa que não tem razões reais de existir.

 

Imagine-se candidato a direito, com o romantismo da altura, e sabendo o que sabe hoje. Que três alterações proporia para uma sociedade mais decente?

Convém não exagerar no romantismo: o meu pai era advogado e, portanto, a escolha de direito era relativamente natural. Primeiro, a questão da fuga e evasão fiscal. Falo da grande fuga: Gabriel Zucman, em "A Riqueza Oculta das nações", estima que 8% da riqueza financeira mundial está em off-shores; O segundo aspecto é que é preciso reforçar o papel do Estado enquanto regulador social, que nos últimos anos praticamente desapareceu. Criou-se o mito de que o sector privado é sempre melhor, e o Estado deixou-se ir, desaparecendo como instância reguladora da sociedade. O terceiro aspecto é um combate decidido à desigualdade: é impossível ter os níveis de desigualdade que temos em Portugal. É preciso fazer mais: é necessário fazer redistribuição de rendimentos. 



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