Notícia
Como a Uber e a Airbnb agitaram o mercado
Em menos de 10 anos, a Uber e a Airbnb cresceram rapidamente a nível global e são vistas pelos sectores tradicionais de transporte de passageiros e imobiliário como uma ameaça. As plataformas online encabeçam a chamada “uberização da economia” e estão envoltas em polémicas e processos na justiça em vários países.
Começaram por ser start-ups "adolescentes e desengonçadas", mas estão a mudar o mundo. Em menos de 10 anos, a Uber e a Airbnb cresceram rapidamente a nível global e são vistas pelos sectores tradicionais de transporte de passageiros e imobiliário como uma ameaça. As plataformas online encabeçam a chamada "uberização da economia" e estão envoltas em polémicas e processos na justiça em vários países. No livro "As Upstarts", o jornalista Brad Stone conta a história destas empresas.
Quando Steve Jobs anunciou ao mundo o nascimento do iPhone, em 2007, estaria longe de imaginar a revolução que estava em marcha. Era certo que o modo como vivemos não seria mais o mesmo com aquele pequeno aparelho electrónico rectangular a fazer "magia" na vida quotidiana. Mas a era digital e os smartphones trouxeram também uma nova forma de fazer negócio e de trabalhar. Na linha da frente deste movimento estão a Uber e a Airbnb. Duas plataformas online cujo modo de funcionamento rompeu com as operações tradicionais de transporte de passageiros e de alojamento local.
No livro "As Upstarts", designação para uma empresa ou pessoa recentemente bem-sucedida e que não mostra deferência para com o "establishment", o jornalista da Bloomberg News Brad Stone aborda a forma como estas empresas deixaram de ser "start-ups adolescentes e desengonçadas" e estão a mudar o mundo. Para o bem e para o mal. Uma coisa ninguém pode negar. Ambas estão a fazer mexer o mercado. Ao fim de oito anos de actividade, a Airbnb foi avaliada em 30 mil milhões de dólares, "mais do que qualquer cadeia de hotéis no mundo", refere Stone. E a avaliação da Uber, em 2016, foi de 68 mil milhões de dólares, apesar de a empresa continuar a registar prejuízos. São os exemplos perfeitos para a palavra de ouro em Silicon Valley: escalar.
As guerras na justiça
As aplicações de telemóveis tornaram-se parte do dia-a-dia dos consumidores. Com um simples toque no ecrã, obtêm inúmeros serviços. É fácil, flexível e rápido. "Os gigantes Uber e Airbnb não criaram esta onda tecnológica, mas, mais do que qualquer outra empresa (…) souberam 'surfá-la' e lucrar com isso", escreve o autor. De facto, diz Stone, "a Airbnb pode ser considerada a maior companhia hoteleira no mundo, mas não possui um único quarto de hotel", e "a Uber é dos maiores serviços de aluguer de carros com motorista no mundo, mas não tem quaisquer empregados motoristas nem é proprietária de veículos".
No fundo, estas empresas "são o exemplo definitivo de um negócio da internet do século XXI, portadoras não só de novas oportunidades, mas também de novos riscos".
Este novo modelo de negócio veio beliscar os sectores onde estas plataformas operam. A ponto de se falar numa "uberização" da economia ou numa economia colaborativa ou de partilha. Um estudo da consultora Juniper Research, denominado "Sharing economy: Opportunities, Impacts and disruptors 2016-2020", publicado no ano passado, revela que as receitas geradas pela chamada economia de partilha vão triplicar até 2020, atingindo nessa altura os 18 mil milhões de euros. Em 2015, este "sector" gerou 5,7 mil milhões de euros. A confirmar-se esta previsão, será um salto gigantesco. Ainda assim, em declarações ao Negócios, Brad Stone diz que, por precaução, há empresas que estão à espera de ver "o destino" da Uber para decidirem se replicam o seu modelo de negócio. É que nem tudo corre sobre rodas.
A empresa tem estado no centro de várias polémicas. "Em muitas cidades, a Uber contornou regulamentos que exigem que motoristas profissionais passem por sessões de formação rigorosas, pela verificação de antecedentes criminais e registo de impressões digitais, e pela compra de alvarás caros, atribuídos pelo Estado. Encontrou forte resistência por parte de frotas de táxis e de reguladores e foi alvo de protestos violentos", refere o autor.
Portugal não foi excepção. Recentemente, a plataforma digital perdeu mais uma batalha jurídica. O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, numa sentença com data de 24 de Novembro, decisões judiciais anteriores e declarou que a actividade da Uber é ilegal, dando razão à Associação Nacional de Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL), que pede uma indemnização de 25 milhões de euros à Uber, por danos causados. A associação de taxistas, que instaurou este processo contra a Uber em 2015, prepara-se para avançar também com uma acção contra outra plataforma concorrente, a Cabify.
"Esta situação reforça mais uma vez a urgência da aprovação, pela Assembleia da República, de um quadro regulatório moderno e transparente para a mobilidade em Portugal, que vá ao encontro das expectativas dos milhares de utilizadores que usam diariamente a Uber para viajar nas nossas cidades, e dos mais de 3.000 motoristas que encontram na Uber uma oportunidade económica", disse fonte oficial da Uber ao Diário de Notícias.
As plataformas são as primeiras interessadas em que a lei seja definida, diz a jurista Joana Campos de Carvalho, que está a preparar uma tese de doutoramento com o tema "Sharing Economy: a contratação através de plataformas na internet". "O enquadramento jurídico da regulação está pensado para uma realidade em que apenas existiam táxis, o que não permite que estas novas empresas operem de forma legal", explica a professora convidada da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Mas, acrescenta, "é claro que elas tentam fazer lóbi para que a regulação que é aprovada seja aquela que pretendem."
Esta terça-feira arrancaram as audições na Comissão Parlamentar de Economia aos representantes das plataformas Uber e Cabify, assim como da ANTRAL e da Federação Portuguesa do Táxi. O Governo apresentou há um ano uma proposta de lei para regulamentar a actividade de transporte em veículos descaracterizados a partir de plataforma electrónica, mas o diploma esteve parado à espera de aprovação no Parlamento durante nove meses. O presidente da Comissão, o deputado do CDS Hélder Amaral, acredita que "há agora todas as condições para resolver este processo o mais depressa possível".
Outra das questões que tem levantado polémica é a situação profissional dos motoristas que trabalham para estas plataformas. De facto, a Uber é "alvo de centenas de processos em tribunal, muito em torno do estatuto legal dos seus condutores, que a empresa considera prestadores de serviços e não empregados. Podem decidir que horas trabalham, mas não gozam das protecções de um posto de trabalho permanente", escreve Brad Stone em "As Upstarts".
Esta nova realidade laboral "veio colocar em causa as relações tradicionais de trabalho que existiam e tornar evidente que é necessária uma nova abordagem para garantir um equilíbrio de interesses das empresas e dos trabalhadores", diz Joana Campos de Carvalho. E, nesta questão, as coisas colocam-se de maneira diferente nos Estados Unidos e na Europa. "Tradicionalmente, os Estados Unidos são um país muito mais liberal, no que diz respeito, especialmente, às relações laborais", explica. Lá não existe "uma tradição de protecção do trabalhador". Por isso, a jurista defende que "é necessária alguma cautela ao fazer a transposição das questões". Até porque "na Europa já trilhámos um caminho bastante longo na luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores. E, portanto, não faz sentido agora deitarmos fora todos estes anos de conquistas", defende.
Uma relação a três
Mas há uma outra questão que estas novas empresas levantam e que a académica está a estudar na sua tese de doutoramento - a área do direito dos contratos. Com estas empresas, deixa de haver um contrato tradicional entre um cliente e um prestador de serviços e passa a existir um terceiro interveniente, a plataforma. Joana Campos de Carvalho dá um exemplo. Se uma pessoa arrendar uma casa através da Airbnb noutro país e, quando lá chegar, essa casa não existir ou tiver características diferentes das anunciadas na plataforma, será que a Airbnb tem alguma responsabilidade perante o consumidor por este incumprimento? "Neste caso, parece-me que [o hóspede] não está a celebrar um contrato com a Airbnb, mas o facto é que eles têm um grande poder nesta relação que foi criada. Controlam pagamentos, os termos em que os contratos são celebrados e, portanto, provavelmente também vão ter de assumir alguma responsabilidade." E isso, afirma a jurista, "ainda é uma questão que está por definir."
Neste momento, sempre que surgem problemas, as plataformas "resolvem-nos de forma a proteger a sua reputação", diz, mas "têm o poder de decidir caso a caso se assumem a responsabilidade ou não. O que, sublinha, "não é desejável do ponto de vista de um ordenamento jurídico que se quer avançado e com certeza jurídica". Ficou célebre um caso já há alguns anos "em que um conjunto de hóspedes destruiu uma casa que tinha sido arrendada através do Airbnb". Como o anfitrião veio a público reclamar, "o que a Airbnb fez imediatamente foi reparar tudo, exactamente para proteger a sua reputação, porque é isso que tem de mais precioso". É que, "a partir do momento em que deixamos de confiar naquela marca, deixamos de a usar".
Esta semana, a Bloomberg escreveu que a plataforma está a enfrentar "questões" de regulação em Paris, o seu segundo maior mercado depois de Londres, causadas por uma "expansão demasiado agressiva e uma tendência para ignorar as regras, mesmo que sejam razoáveis". A cidade francesa ameaça processar a companhia se esta não retirar das suas listas de imóveis aqueles que não estão registados como alojamento local junto das autoridades o que, segundo a Bloomberg, corresponde a cerca de 80% das propriedades da Airbnb em Paris. Há situações semelhantes em Berlim e Barcelona.
Em Portugal, o caso é diferente. "Já temos um enquadramento jurídico do alojamento local equilibrado que tem sido até considerado um bom exemplo ao nível europeu, que consegue ter em conta vários interesses", explica Joana Campos de Carvalho. Mas, sublinha, "há uma série de questões sociais, como a ocupação dos bairros tradicionais e das rendas, que ainda vão sendo colocadas e, espera-se que o direito também as vá regulando".
Helena Roseta, coordenadora do grupo de trabalho sobre habitação no Parlamento, que tem a missão de criar um projecto de Lei de Bases para a Habitação, alertou recentemente para a existência de uma "bolha" imobiliária, que tem graves riscos sociais. Este fenómeno, segundo a deputada independente da bancada do PS, está a ser agravado pelo crescimento do alojamento local, aliado ao aumento do turismo.
"Estamos a assistir ao crescimento acelerado de uma 'bolha' especulativa no mercado da habitação, com um ritmo vertiginoso de aumento dos preços, sobretudo em Lisboa e no Porto. Os riscos são enormes, porque não há qualquer relação entre os preços pedidos, quer na venda, quer no arrendamento, e a qualidade da habitação", disse a também presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, sublinhando a urgência na adopção de uma série de medidas para regular o mercado.
Numa entrevista ao Negócios, o director-geral ibérico da plataforma de alojamento local revelou que está a haver uma colaboração com o Turismo de Portugal, que resultou num "mecanismo único no mundo". "Os dados colocados por novos anfitriões vão ser partilhados pelo Turismo de Portugal, o que pode ajudar a detectar se há pessoas a infringir a lei e vamos facilitar a detecção", pelo que "se detectarem que há pessoas que não estão a cumprir as regras, então comunicam-nos e nós retiramos essas pessoas da plataforma", disse Arnaldo Muñoz. A relação entre a empresa e o Estado português corre bem, garante aquele responsável. E é a demonstração de que, quando "as coisas são feitas de forma correcta, faz sentido desenvolver ferramentas que ajudem a cumprir com as regras". Arnaldo Muñoz rejeita que a Airbnb seja uma das causas do aumento das rendas e das casas na capital portuguesa. "É mais fácil atribuir ao mais recente 'player' a responsabilidade de um problema", afirma. Na mesma entrevista, revelou que a Airbnb recolheu 5 milhões de euros de taxa turística para a autarquia de Lisboa, desde Maio de 2016.
Travis Kalanick, o homem sem medo
É certo que estas empresas estão a desbravar caminho. Mas, quando se entra à força num terreno já "habitado", as coisas podem correr mal. E quando tudo isto se cruza com questões políticas, ainda pior. Foi o que aconteceu com a Uber. Logo no início de 2017, a plataforma ficou debaixo dos holofotes dos media quando desafiou o protesto dos taxistas de Nova Iorque, no aeroporto JFK, contra uma ordem executiva do Presidente Trump, que proibia a entrada de cidadãos de sete países maioritariamente muçulmanos em território norte-americano. Nessa altura, o fundador da Uber anunciou no Twitter que mantinha o serviço sem activar a função que aumenta o preço em alturas de elevada procura, numa clara tentativa de atrair mais clientes. Em resposta, milhares de pessoas apagaram a aplicação.
Travis Kalanick, fundador da Uber, demitiu-se do cargo de CEO em Junho, por pressão dos accionistas.
Este episódio e o facto de o fundador da Uber, Travis Kalanick, ter feito parte do grupo de conselheiros do Presidente Donald Trump caíram como uma mancha na reputação da empresa, tendo em conta o contexto político que os Estados Unidos estavam e estão a viver. Era só o começo de um "annus horribilis", com muita tinta a correr nos jornais. Kalanick é muitas vezes apontado como "arrogante", tanto pelas entidades regulatórias nos Estados Unidos como pelos rivais. No livro "As Upstarts", Brad Stone começa um dos capítulos com uma citação do fundador da Uber retirada de um vídeo no Youtube, de Junho de 2011: "Estou melhor do que era. Estou mais forte. Estou mais impressionante. A diferença é que na última [start-up] tinha medo de falhar. Agora não tenho medo. Agora posso divertir-me, ir em frente e ganhar."
Em Junho, Travis Kalanick demitiu-se do cargo de CEO por pressão dos accionistas. Isto depois de ter vindo a público uma série de escândalos de assédio sexual, discriminação e cultura de empresa agressiva, que o envolviam a ele e a outros gestores. O homem escolhido para sucessor de Kalanick foi Dara Khosrowshahi, até então líder do site de viagens Expedia. Pode dizer-se que a "viagem" da Uber tem sido bastante turbulenta.
Também a Airbnb está debaixo de fogo. Ao leme da plataforma está Brian Chesky, co-fundador e CEO da empresa. É hoje um dos jovens mais ricos fundadores de empresas tecnológicas nos Estados Unidos. O empreendedor confidenciou que o multimilionário Warren Buffett lhe deu um conselho que está a tentar seguir: "enriquece devagar". A Airbnb angariou quase 4,5 mil milhões de dólares em 12 rondas de financiamento. E muitos investidores estão à espera do retorno do seu investimento, o que coloca pressão sobre a empresa. A Airbnb precisa de crescer rápido. Actualmente, tem mais de três milhões de imóveis listados em todo o mundo e opera em cerca de 190 países. Mas, em muitas cidades na Europa, está envolvida em polémicas e problemas de regulação. E isso pode condicionar a sua actividade nos próximos anos.
Nestas condições, que futuro poderão ter a Uber e a Airbnb nos próximos cinco anos? Brad Stone responde que vai depender de como as empresas lidarem com as crises internas e externas. Uma das guerras que a Uber enfrenta é o processo judicial colocado pela Wayamo, a vertente da Google do carro sem condutor, que a acusa de espionagem industrial. Além disso, há várias facções em choque dentro do conselho de administração. "Se a Uber não apontar na direcção certa, em breve pode tornar-se numa subsidiária de outra companhia", antevê o autor ao Negócios. Já a Airbnb "poderá tornar-se numa empresa pública nesse prazo". Falta saber "se será uma empresa de viagens versátil, ajudando as pessoas a reservar viagens e a planear os seus itinerários, ou se simplesmente será uma plataforma alternativa de alojamento, usada sobretudo por jovens", considera. Mas há uma coisa de que não tem dúvidas. "Parte do destino da Airbnb será decidido pelo seu sucesso em convencer as cidades a regularem-na de forma leve."
Quando Steve Jobs anunciou ao mundo o nascimento do iPhone, em 2007, estaria longe de imaginar a revolução que estava em marcha. Era certo que o modo como vivemos não seria mais o mesmo com aquele pequeno aparelho electrónico rectangular a fazer "magia" na vida quotidiana. Mas a era digital e os smartphones trouxeram também uma nova forma de fazer negócio e de trabalhar. Na linha da frente deste movimento estão a Uber e a Airbnb. Duas plataformas online cujo modo de funcionamento rompeu com as operações tradicionais de transporte de passageiros e de alojamento local.
No livro "As Upstarts", designação para uma empresa ou pessoa recentemente bem-sucedida e que não mostra deferência para com o "establishment", o jornalista da Bloomberg News Brad Stone aborda a forma como estas empresas deixaram de ser "start-ups adolescentes e desengonçadas" e estão a mudar o mundo. Para o bem e para o mal. Uma coisa ninguém pode negar. Ambas estão a fazer mexer o mercado. Ao fim de oito anos de actividade, a Airbnb foi avaliada em 30 mil milhões de dólares, "mais do que qualquer cadeia de hotéis no mundo", refere Stone. E a avaliação da Uber, em 2016, foi de 68 mil milhões de dólares, apesar de a empresa continuar a registar prejuízos. São os exemplos perfeitos para a palavra de ouro em Silicon Valley: escalar.
As aplicações de telemóveis tornaram-se parte do dia-a-dia dos consumidores. Com um simples toque no ecrã, obtêm inúmeros serviços. É fácil, flexível e rápido. "Os gigantes Uber e Airbnb não criaram esta onda tecnológica, mas, mais do que qualquer outra empresa (…) souberam 'surfá-la' e lucrar com isso", escreve o autor. De facto, diz Stone, "a Airbnb pode ser considerada a maior companhia hoteleira no mundo, mas não possui um único quarto de hotel", e "a Uber é dos maiores serviços de aluguer de carros com motorista no mundo, mas não tem quaisquer empregados motoristas nem é proprietária de veículos".
No fundo, estas empresas "são o exemplo definitivo de um negócio da internet do século XXI, portadoras não só de novas oportunidades, mas também de novos riscos".
Este novo modelo de negócio veio beliscar os sectores onde estas plataformas operam. A ponto de se falar numa "uberização" da economia ou numa economia colaborativa ou de partilha. Um estudo da consultora Juniper Research, denominado "Sharing economy: Opportunities, Impacts and disruptors 2016-2020", publicado no ano passado, revela que as receitas geradas pela chamada economia de partilha vão triplicar até 2020, atingindo nessa altura os 18 mil milhões de euros. Em 2015, este "sector" gerou 5,7 mil milhões de euros. A confirmar-se esta previsão, será um salto gigantesco. Ainda assim, em declarações ao Negócios, Brad Stone diz que, por precaução, há empresas que estão à espera de ver "o destino" da Uber para decidirem se replicam o seu modelo de negócio. É que nem tudo corre sobre rodas.
A empresa tem estado no centro de várias polémicas. "Em muitas cidades, a Uber contornou regulamentos que exigem que motoristas profissionais passem por sessões de formação rigorosas, pela verificação de antecedentes criminais e registo de impressões digitais, e pela compra de alvarás caros, atribuídos pelo Estado. Encontrou forte resistência por parte de frotas de táxis e de reguladores e foi alvo de protestos violentos", refere o autor.
Portugal não foi excepção. Recentemente, a plataforma digital perdeu mais uma batalha jurídica. O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, numa sentença com data de 24 de Novembro, decisões judiciais anteriores e declarou que a actividade da Uber é ilegal, dando razão à Associação Nacional de Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL), que pede uma indemnização de 25 milhões de euros à Uber, por danos causados. A associação de taxistas, que instaurou este processo contra a Uber em 2015, prepara-se para avançar também com uma acção contra outra plataforma concorrente, a Cabify.
"Esta situação reforça mais uma vez a urgência da aprovação, pela Assembleia da República, de um quadro regulatório moderno e transparente para a mobilidade em Portugal, que vá ao encontro das expectativas dos milhares de utilizadores que usam diariamente a Uber para viajar nas nossas cidades, e dos mais de 3.000 motoristas que encontram na Uber uma oportunidade económica", disse fonte oficial da Uber ao Diário de Notícias.
As plataformas são as primeiras interessadas em que a lei seja definida, diz a jurista Joana Campos de Carvalho, que está a preparar uma tese de doutoramento com o tema "Sharing Economy: a contratação através de plataformas na internet". "O enquadramento jurídico da regulação está pensado para uma realidade em que apenas existiam táxis, o que não permite que estas novas empresas operem de forma legal", explica a professora convidada da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Mas, acrescenta, "é claro que elas tentam fazer lóbi para que a regulação que é aprovada seja aquela que pretendem."
Esta terça-feira arrancaram as audições na Comissão Parlamentar de Economia aos representantes das plataformas Uber e Cabify, assim como da ANTRAL e da Federação Portuguesa do Táxi. O Governo apresentou há um ano uma proposta de lei para regulamentar a actividade de transporte em veículos descaracterizados a partir de plataforma electrónica, mas o diploma esteve parado à espera de aprovação no Parlamento durante nove meses. O presidente da Comissão, o deputado do CDS Hélder Amaral, acredita que "há agora todas as condições para resolver este processo o mais depressa possível".
Outra das questões que tem levantado polémica é a situação profissional dos motoristas que trabalham para estas plataformas. De facto, a Uber é "alvo de centenas de processos em tribunal, muito em torno do estatuto legal dos seus condutores, que a empresa considera prestadores de serviços e não empregados. Podem decidir que horas trabalham, mas não gozam das protecções de um posto de trabalho permanente", escreve Brad Stone em "As Upstarts".
Esta nova realidade laboral "veio colocar em causa as relações tradicionais de trabalho que existiam e tornar evidente que é necessária uma nova abordagem para garantir um equilíbrio de interesses das empresas e dos trabalhadores", diz Joana Campos de Carvalho. E, nesta questão, as coisas colocam-se de maneira diferente nos Estados Unidos e na Europa. "Tradicionalmente, os Estados Unidos são um país muito mais liberal, no que diz respeito, especialmente, às relações laborais", explica. Lá não existe "uma tradição de protecção do trabalhador". Por isso, a jurista defende que "é necessária alguma cautela ao fazer a transposição das questões". Até porque "na Europa já trilhámos um caminho bastante longo na luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores. E, portanto, não faz sentido agora deitarmos fora todos estes anos de conquistas", defende.
Uma relação a três
Mas há uma outra questão que estas novas empresas levantam e que a académica está a estudar na sua tese de doutoramento - a área do direito dos contratos. Com estas empresas, deixa de haver um contrato tradicional entre um cliente e um prestador de serviços e passa a existir um terceiro interveniente, a plataforma. Joana Campos de Carvalho dá um exemplo. Se uma pessoa arrendar uma casa através da Airbnb noutro país e, quando lá chegar, essa casa não existir ou tiver características diferentes das anunciadas na plataforma, será que a Airbnb tem alguma responsabilidade perante o consumidor por este incumprimento? "Neste caso, parece-me que [o hóspede] não está a celebrar um contrato com a Airbnb, mas o facto é que eles têm um grande poder nesta relação que foi criada. Controlam pagamentos, os termos em que os contratos são celebrados e, portanto, provavelmente também vão ter de assumir alguma responsabilidade." E isso, afirma a jurista, "ainda é uma questão que está por definir."
Neste momento, sempre que surgem problemas, as plataformas "resolvem-nos de forma a proteger a sua reputação", diz, mas "têm o poder de decidir caso a caso se assumem a responsabilidade ou não. O que, sublinha, "não é desejável do ponto de vista de um ordenamento jurídico que se quer avançado e com certeza jurídica". Ficou célebre um caso já há alguns anos "em que um conjunto de hóspedes destruiu uma casa que tinha sido arrendada através do Airbnb". Como o anfitrião veio a público reclamar, "o que a Airbnb fez imediatamente foi reparar tudo, exactamente para proteger a sua reputação, porque é isso que tem de mais precioso". É que, "a partir do momento em que deixamos de confiar naquela marca, deixamos de a usar".
Esta semana, a Bloomberg escreveu que a plataforma está a enfrentar "questões" de regulação em Paris, o seu segundo maior mercado depois de Londres, causadas por uma "expansão demasiado agressiva e uma tendência para ignorar as regras, mesmo que sejam razoáveis". A cidade francesa ameaça processar a companhia se esta não retirar das suas listas de imóveis aqueles que não estão registados como alojamento local junto das autoridades o que, segundo a Bloomberg, corresponde a cerca de 80% das propriedades da Airbnb em Paris. Há situações semelhantes em Berlim e Barcelona.
"Os gigantes Uber e Airbnb não criaram esta onda tecnológica, mas, mais do que qualquer outra empresa (…), souberam 'surfá-la' e lucrar com isso", escreve Brad Stone.
Em Portugal, o caso é diferente. "Já temos um enquadramento jurídico do alojamento local equilibrado que tem sido até considerado um bom exemplo ao nível europeu, que consegue ter em conta vários interesses", explica Joana Campos de Carvalho. Mas, sublinha, "há uma série de questões sociais, como a ocupação dos bairros tradicionais e das rendas, que ainda vão sendo colocadas e, espera-se que o direito também as vá regulando".
Helena Roseta, coordenadora do grupo de trabalho sobre habitação no Parlamento, que tem a missão de criar um projecto de Lei de Bases para a Habitação, alertou recentemente para a existência de uma "bolha" imobiliária, que tem graves riscos sociais. Este fenómeno, segundo a deputada independente da bancada do PS, está a ser agravado pelo crescimento do alojamento local, aliado ao aumento do turismo.
"Estamos a assistir ao crescimento acelerado de uma 'bolha' especulativa no mercado da habitação, com um ritmo vertiginoso de aumento dos preços, sobretudo em Lisboa e no Porto. Os riscos são enormes, porque não há qualquer relação entre os preços pedidos, quer na venda, quer no arrendamento, e a qualidade da habitação", disse a também presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, sublinhando a urgência na adopção de uma série de medidas para regular o mercado.
Numa entrevista ao Negócios, o director-geral ibérico da plataforma de alojamento local revelou que está a haver uma colaboração com o Turismo de Portugal, que resultou num "mecanismo único no mundo". "Os dados colocados por novos anfitriões vão ser partilhados pelo Turismo de Portugal, o que pode ajudar a detectar se há pessoas a infringir a lei e vamos facilitar a detecção", pelo que "se detectarem que há pessoas que não estão a cumprir as regras, então comunicam-nos e nós retiramos essas pessoas da plataforma", disse Arnaldo Muñoz. A relação entre a empresa e o Estado português corre bem, garante aquele responsável. E é a demonstração de que, quando "as coisas são feitas de forma correcta, faz sentido desenvolver ferramentas que ajudem a cumprir com as regras". Arnaldo Muñoz rejeita que a Airbnb seja uma das causas do aumento das rendas e das casas na capital portuguesa. "É mais fácil atribuir ao mais recente 'player' a responsabilidade de um problema", afirma. Na mesma entrevista, revelou que a Airbnb recolheu 5 milhões de euros de taxa turística para a autarquia de Lisboa, desde Maio de 2016.
Travis Kalanick, o homem sem medo
É certo que estas empresas estão a desbravar caminho. Mas, quando se entra à força num terreno já "habitado", as coisas podem correr mal. E quando tudo isto se cruza com questões políticas, ainda pior. Foi o que aconteceu com a Uber. Logo no início de 2017, a plataforma ficou debaixo dos holofotes dos media quando desafiou o protesto dos taxistas de Nova Iorque, no aeroporto JFK, contra uma ordem executiva do Presidente Trump, que proibia a entrada de cidadãos de sete países maioritariamente muçulmanos em território norte-americano. Nessa altura, o fundador da Uber anunciou no Twitter que mantinha o serviço sem activar a função que aumenta o preço em alturas de elevada procura, numa clara tentativa de atrair mais clientes. Em resposta, milhares de pessoas apagaram a aplicação.
Travis Kalanick, fundador da Uber, demitiu-se do cargo de CEO em Junho, por pressão dos accionistas.
Este episódio e o facto de o fundador da Uber, Travis Kalanick, ter feito parte do grupo de conselheiros do Presidente Donald Trump caíram como uma mancha na reputação da empresa, tendo em conta o contexto político que os Estados Unidos estavam e estão a viver. Era só o começo de um "annus horribilis", com muita tinta a correr nos jornais. Kalanick é muitas vezes apontado como "arrogante", tanto pelas entidades regulatórias nos Estados Unidos como pelos rivais. No livro "As Upstarts", Brad Stone começa um dos capítulos com uma citação do fundador da Uber retirada de um vídeo no Youtube, de Junho de 2011: "Estou melhor do que era. Estou mais forte. Estou mais impressionante. A diferença é que na última [start-up] tinha medo de falhar. Agora não tenho medo. Agora posso divertir-me, ir em frente e ganhar."
Em Junho, Travis Kalanick demitiu-se do cargo de CEO por pressão dos accionistas. Isto depois de ter vindo a público uma série de escândalos de assédio sexual, discriminação e cultura de empresa agressiva, que o envolviam a ele e a outros gestores. O homem escolhido para sucessor de Kalanick foi Dara Khosrowshahi, até então líder do site de viagens Expedia. Pode dizer-se que a "viagem" da Uber tem sido bastante turbulenta.
Esta nova realidade "veio colocar em causa as relações tradicionais de trabalho que existiam e tornar evidente que é necessária uma nova abordagem para garantir um equilíbrio de interesses", diz a jurista Joana Campos de Carvalho.
Também a Airbnb está debaixo de fogo. Ao leme da plataforma está Brian Chesky, co-fundador e CEO da empresa. É hoje um dos jovens mais ricos fundadores de empresas tecnológicas nos Estados Unidos. O empreendedor confidenciou que o multimilionário Warren Buffett lhe deu um conselho que está a tentar seguir: "enriquece devagar". A Airbnb angariou quase 4,5 mil milhões de dólares em 12 rondas de financiamento. E muitos investidores estão à espera do retorno do seu investimento, o que coloca pressão sobre a empresa. A Airbnb precisa de crescer rápido. Actualmente, tem mais de três milhões de imóveis listados em todo o mundo e opera em cerca de 190 países. Mas, em muitas cidades na Europa, está envolvida em polémicas e problemas de regulação. E isso pode condicionar a sua actividade nos próximos anos.
Nestas condições, que futuro poderão ter a Uber e a Airbnb nos próximos cinco anos? Brad Stone responde que vai depender de como as empresas lidarem com as crises internas e externas. Uma das guerras que a Uber enfrenta é o processo judicial colocado pela Wayamo, a vertente da Google do carro sem condutor, que a acusa de espionagem industrial. Além disso, há várias facções em choque dentro do conselho de administração. "Se a Uber não apontar na direcção certa, em breve pode tornar-se numa subsidiária de outra companhia", antevê o autor ao Negócios. Já a Airbnb "poderá tornar-se numa empresa pública nesse prazo". Falta saber "se será uma empresa de viagens versátil, ajudando as pessoas a reservar viagens e a planear os seus itinerários, ou se simplesmente será uma plataforma alternativa de alojamento, usada sobretudo por jovens", considera. Mas há uma coisa de que não tem dúvidas. "Parte do destino da Airbnb será decidido pelo seu sucesso em convencer as cidades a regularem-na de forma leve."