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Calouste Gulbenkian, o milionário discreto

Há quem lhe chame o “Ministério da Cultura” de Portugal. A Fundação Calouste Gulbenkian, agora liderada por Isabel Mota, teve nos últimos 60 anos um papel fundamental no desenvolvimento do conhecimento no país. Tudo começou em 1957 com o sonho e a fortuna de um magnata do petróleo, de origem arménia, que se refugiou em Lisboa, durante a II Guerra.

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12 de Maio de 2017 às 16:00
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Calouste Sarkis Gulbenkian, o magnata do petróleo de origem arménia, faleceu aos 86 anos em Lisboa, no dia 20 de Julho de 1955. Tinha chegado 13 anos antes, durante a II Grande Guerra. A vinda para Portugal era temporária. Seria apenas uma curta estada. O destino final eram os Estados Unidos. Em Paris, onde vivia e era conselheiro comercial da embaixada da Pérsia, a situação complicou-se depois de as tropas de Hitler terem invadido França. Gulbenkian chegou a Lisboa e instalou-se no pequeno, mas luxuoso Hotel Aviz, na Rua Latino Coelho. O milionário gostou da cidade. Aqui conseguia passar despercebido e ter uma vida discreta. Era assim que gostava de viver. "A coisa mais preciosa que o dinheiro pode comprar é a privacidade", chegou a escrever. O magnata era um filantropo e um amante das artes. Tinha uma preciosa colecção, com mais de seis mil peças. Entre 1929 e 1930, comprou várias obras ao Museu Ermitage, em São Petersburgo, na Rússia. Em Lisboa, conheceu o advogado José de Azeredo Perdigão, uma figura que viria a ser fundamental na constituição da Fundação.

Dois anos antes de morrer, o milionário refez o seu testamento. Instituiu como legatários os seus dois filhos Nubar Sarkis Gulbenkian e Rita Gulbenkian, o genro Kevork Loris Essayan, o neto Mikael Essayan, a sua secretária particular Isabelle Riehl "pelos seus dedicados e valiosos serviços" e, por fim, o Hospital de Yedi-Kule, em Istambul, terra onde nasceu, ao qual legou a sua propriedade de Salamet Han, "com a obrigação expressa de [o hospital] continuar a cuidar dos túmulos de seus pais e de mandar celebrar, por sua alma, as missas habituais". Deixou também pensões vitalícias a vários familiares e a empregados.

A sua vontade, expressa no testamento, era que o restante da sua fortuna fosse para património de uma fundação internacional denominada "Fundação Calouste Gulbenkian", sediada em Lisboa, com fins de "caridade, artísticos, educativos e científicos", e onde pudesse acolher a sua colecção de arte, que estava espalhada por vários países. Gulbenkian escolheu como executores testamentários e "trustees" o seu advogado inglês de confiança, Lord Radcliff, o advogado português José de Azeredo Perdigão e o genro, Kevork Loris Essayan. E deixou um lamento: "O testador não inclui, desde já, seu filho entre os seus executores testamentários, porque a sua conduta para com ele tem sido, sob vários aspectos, verdadeiramente lamentável. Como pai, deplora profundamente ser obrigado a manifestar uma tal reserva, tanto mais que reconhece que ele, pela sua inteligência e conhecimento, poderia ser, se quisesse, um elemento muito útil na execução do testamento."

Gulbenkian queria Lord Radcliff como presidente da Fundação. Mas o advogado viria a renunciar ao cargo devido a divergências com o Governo português no que diz respeito ao peso da actividade internacional da Fundação e à composição maioritariamente portuguesa do conselho de administração, uma exigência de Salazar. Radcliff temia que a Fundação não pudesse ser independente num país que vivia debaixo de uma ditadura.

A Fundação Calouste Gulbenkian seria constituída no Decreto-lei n.º 40690 de 18 de Julho de 1956, onde constam os seus estatutos. No artigo 12.º do capítulo IV pode ler-se que "enquanto existirem descendentes em linha recta do fundador, um dos lugares no conselho de administração será, de preferência, preenchido por um desses descendentes". Actualmente, o lugar pertence ao bisneto do fundador, Martin Essayan. O edifício-sede da Fundação foi inaugurado em 1969. Antes, as negociações entre os governos de Lisboa e Paris para a saída da colecção de arte do milionário de França foram difíceis. A colecção completa só chegou a Portugal em 1960.

Portugal a ler

No princípio dos anos 1950, mais de 40% da população portuguesa era analfabeta. A grande aposta da Fundação Gulbenkian foi, por isso, na formação da população. Começaram a ser atribuídas bolsas de estudo e houve um estímulo à leitura, através das bibliotecas itinerantes, que chegaram a milhares de pessoas. As carrinhas cinzentas Citröen, repletas de livros, percorreram ao longo de 44 anos as estradas de norte a sul do país, levando livros dos mais variados géneros a 1.800 localidades. Elas foram para muitas pessoas a única possibilidade de terem acesso aos livros, em particular no interior. Em 1962, existiam 47 bibliotecas itinerantes e o número de leitores rondava os 300 mil. O projecto terminou em 2002.

Actualmente, a Fundação gere um orçamento anual que ronda os 100 milhões de euros. E os activos de petróleo e gás pesam cerca de 20% nas receitas. Recentemente, um grupo de personalidades escreveu uma carta aberta à administração onde pedia "uma estratégia de saída dos seus activos relacionados com combustíveis fósseis". Um desafio para a nova presidente Isabel Mota. É a primeira mulher à frente da Fundação. No seu discurso de tomada de posse, a 3 de Maio, disse que a instituição terá como principais beneficiários "os mais vulneráveis" e que a Gulbenkian "tem de ousar trilhar caminhos novos".

Durante 44 anos, as bibliotecas itinerantes da Gulbenkian incentivaram os portugueses à leitura. As carrinhas cinzentas Citröen percorriam as estradas de norte a sul do país, do litoral ao interior. O presidente da fundação, José de Azeredo Perdigão, foi apresentar o programa ao presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, nos jardins da sua residência oficial, em São Bento, em Agosto de 1958. 


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