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BPI, o banco nascido em democracia

O BPI foi o primeiro banco privado criado em Portugal após o 25 de Abril de 1974. Começou como uma sociedade de investimento em 1981, no Porto, que reunia como accionistas a nata da indústria do norte do país e cinco instituições internacionais de peso. Esta semana, a gestão do banco deixou de ser portuguesa. O BPI pertence agora aos espanhóis do CaixaBank.

A primeira equipa de gestão do BPI. Da esquerda para a direita: António Seruca Salgado, Jorge Roquette, Artur Santos Silva, Rui Lélis e Fernando Ulrich Arquivo BPI
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"Quem são estes tipos que querem falar comigo? 'Shantos Shilva', 'Cuto Shuares' e Talone?", pensou Douglas Gustafson. Naquele dia, em finais dos anos 1970, o então director do International Finance Corporation (IFC), uma instituição do grupo Banco Mundial, estava prestes a receber três pessoas de um país de que nunca tinha ouvido falar - Portugal. Referia-se a Artur Santos Silva, Couto Soares e João Talone. Os três pediram uma reunião em Washington com o responsável da IFC para os investimentos na Europa e Médio Oriente. Antes, o caminho já tinha sido preparado pelo embaixador de Portugal nos Estados Unidos. Queriam que o IFC investisse em Portugal. Algo que nunca tinha acontecido, apesar de o país ser membro do Banco Mundial desde 1961. Os três gestores estavam a preparar o embrião do que viria a ser a Sociedade Portuguesa de Investimentos, a primeira sociedade financeira portuguesa privada criada após o 25 de Abril de 1974.

A ideia partiu de Artur Santos Silva, no Verão de 1978, que depois a partilhou com João Talone, um industrial do sector das cervejas que conheceu quando trabalhava no Banco Português do Atlântico. Santos Silva, licenciado em Direito, sabia que a figura jurídica das sociedades de investimento era a única janela de oportunidade para a iniciativa privada no sector financeiro, numa altura em que os bancos tinham sido praticamente todos nacionalizados. A situação não poderia manter-se por muito mais tempo, visto que Portugal estava a negociar a sua entrada na Comunidade Económica Europeia. Tinha a "convicção profunda de que havia uma grande oportunidade que era preciso aproveitar", disse numa entrevista ao Negócios em 2007. Por isso, "quanto mais tarde arrancássemos, mais tarde contribuiríamos para ser um agente de mudança". Mas era preciso ter um investidor de peso para convencer o Governo a autorizar a constituição da sociedade. O IFC encaixava na perfeição, uma vez que tinha como missão financiar projectos privados nos países em desenvolvimento.

Durante a reunião em Washington, foi Artur Santos Silva, o mentor do projecto, que mais falou, mas Douglas Gustafson, confessou anos depois, não tirou os olhos de João Talone. "Lembro-me bem de que ele tinha o fato e a gravata mais bonitos que eu já tinha visto na vida", escreveu no discurso dos 25 anos do BPI. No final da reunião, os portugueses deixaram boa impressão e o IFC acabou por aceitar entrar no capital da SPI. Este parceiro foi fundamental para abrir as portas junto do Governo, diz Artur Santos Silva. Mas demorou algum tempo. "Foi lento e foi preciso haver muita persistência e muita determinação", admite. Tudo porque "não havia legislação". Era preciso fazer as regras. "Havia uma lei geral, mas não havia a regulamentação", explica, "ajudámos a modificar coisas que estavam mal". O processo de preparação e autorização do Governo durou três anos.

O grupo dos 100 + 5

Antes de partir para Washington, Artur Santos Silva já tinha desafiado um conjunto de empresas maioritariamente do Norte do país para entrarem como accionistas. Eram sobretudo da indústria, viradas para a exportação, e tinham escapado à onda de nacionalizações do PREC.

Tavares Moreira era nessa altura secretário de Estado do Tesouro. Recorda que "os projectos desse tipo [da SPI] exerciam uma grande atracção nas empresas não financeiras" porque "lhes dava prestígio". E, como na altura o sector bancário não era ainda acessível à iniciativa privada, "esse primeiro projecto teve uma adesão muito grande." De facto, houve mais interessados do que capital disponível. E foi preciso fazer um rateio das acções. E havia uma regra, nenhum português podia ter mais de 3%.


O primeiro cliente da SPI foi a empresa Joaquim de Sousa Oliveira, dona da fábrica Sedas Vizela, que fazia tecidos de seda para fatos de senhora e camisas de homem.   


A 6 de Outubro de 1981, é constituída a Sociedade Portuguesa de Investimento, com sede no Porto. Tinha cerca de uma centena de entidades privadas portuguesas, que eram detentoras de 77,5% do capital social. Entre os investidores, estavam a Ambar, a Sogrape, a Vista Alegre, a Viagens Abreu, a Têxtil Manuel Gonçalves, a Corfi (de Manuel Violas), a Alves Ribeiro, a Colep, a Corticeira Amorim (de Américo Amorim), a Inapa, a RAR (de Macedo Silva), a Coelima e a Riopele. Os restantes 22,5% do capital estavam em mãos estrangeiras. Havia quatro accionistas estrangeiros de referência. Duas instituições financeiras de desenvolvimento. A associada do Banco Mundial IFC, que tinha a maior participação, 7,5%; e a instituição financeira pública da República Federal Alemã DEG, com 5%. Depois havia dois bancos comerciais europeus - a União de Bancos Suíços (UBS), com 5% e o segundo maior banco francês na altura, o Crédit Lyonnais, também com 5% do capital. A Investors in Industry, do Reino Unido, entra um pouco mais tarde, já em 1982. Era a maior sociedade de capital de risco do mundo.

Escritura da Constituição da Sociedade Portuguesa de Investimento, a 6 de Outubro de 1981, no Porto. Artur Santos Silva, o fundador da instituição, está de pé. Sentados estão representantes dos principais accionistas e administradores. Entre eles, estão William Diamond, da IFC, João Meireles, da Lusotur, João Talone e Erwin Wehrli, da UBS.  

O primeiro cliente da SPI foi a empresa Joaquim de Sousa Oliveira, dona da Sedas Vizela, uma fábrica de tecidos de seda para fatos de senhora e camisas de homem. No final do primeiro exercício, que durou apenas três meses, a SPI tinha um quadro de 20 colaboradores e o conjunto das operações de financiamento realizadas totalizou o montante de 500 mil contos. "Foi numa altura em que havia ainda uma crise de confiança, o investimento privado não era muito forte", explica Artur Santos Silva. "Nos primeiros três meses, penso que aprovámos quatro ou cinco operações e depois, no ano de 1982, já teve mais significado", acrescenta.

Tavares Moreira recorda que esta foi uma época em que se abriu um ciclo novo na economia portuguesa. "É um período muito rico, em que há muitas iniciativas [privadas]." As empresas não financeiras "tinham condições para afectar uma parte da poupança para o capital destes projectos. Foram essas empresas que animaram o sector financeiro", afirma.

O delfim

Fernando Ulrich assistiu à assinatura da constituição da Sociedade Portuguesa de Investimento, no Porto. Tinha 29 anos e era então chefe de gabinete do Ministro das Finanças e do Plano, João Morais Leitão. Depois manteve as mesmas funções quando João Salgueiro ficou com a pasta das Finanças.

Menos de dois anos depois da cerimónia de constituição da SPI, Ulrich já fazia parte da equipa de Artur Santos Silva. Foi o homem escolhido para ir abrir a sucursal de Lisboa, em 1983. Mas o processo arrastou-se durante algum tempo. "Eu desenvolvi os contactos e, numa determinada altura, chegámos a um entendimento. O João Salgueiro pediu-me 'não mo tire porque ele é decisivo para mim, não mo leve já'. E eu adiei uns meses a abertura de Lisboa para esperar por ele. Pelo melhor momento. Não queria ter uma guerra com o João Salgueiro, que era meu amigo", recorda o fundador. Artur Santos Silva estava convicto de que valia a pena esperar, por várias razões: "É muito novo, é muito inteligente e tem uma grande vontade de estudar coisas novas, é muito imaginativo, é com ele que vou abrir Lisboa." Dando o exemplo do recrutamento de Fernando Ulrich, Artur Santos Silva revela que tem uma máxima que aprendeu com um grande banqueiro: "Recrute pessoas quando gosta delas e não quando precisa delas." "Eu usei muito esta máxima na minha vida", afirma.

Em 1983, o sector bancário português era constituído por 16 instituições, 13 estavam na posse do Estado e as restantes eram estrangeiras.


Dando o exemplo do recrutamento de Fernando Ulrich, Artur Santos Silva revela que tem uma máxima que aprendeu com um grande banqueiro: "Recrute pessoas quando gosta delas e não quando precisa delas." "Usei muito esta máxima na minha vida."


Pouco depois de abrir a sucursal da SPI em Lisboa, com Fernando Ulrich a liderá-la, abre-se outra janela de oportunidade. A lei passou a permitir a transformação da SPI em banco de investimento. Em 1985, nasce o Banco Português de Investimento (BPI), o primeiro banco privado português criado após o 25 de Abril. Com esta transformação, alarga a sua actividade e passa a poder captar depósitos, conceder crédito a curto prazo, intervir nos mercados interbancários e praticar operações cambiais. Pouco depois surge o BCP, liderado por Jardim Gonçalves, constituído também com capitais industriais do Norte do país.

O BPI abre o seu capital ao público em 1986, dispersando acções nas Bolsas de Valores de Lisboa e Porto. Era o primeiro banco a ser cotado em bolsa. O IPO gerou grande entusiasmo nos investidores, com os interessados a fazerem filas à porta do banco e a acamparem na rua para subscreverem as acções. O número de accionistas passou de pouco mais de 100 para cerca de 1.880.

Nesse mesmo ano, Portugal entra como Estado-membro na CEE. O BPI operava como banco de investimento, mas um grupo de accionistas portugueses começou a fazer pressão para lançar um banco comercial. Foi assim que surgiu o BCI - Banco Comércio e Indústria.

Primeira assembleia-geral de accionistas em 1982. Artur Santos Silva está sentado à frente, do lado direito. Na primeira fila estão alguns representantes dos accionistas estrangeiros. À esquerda está William Diamond, da IFC, que o fundador do BPI considerou um "coach", primeiro como representante do maior accionista e depois como consultor.

"Nós [BPI] éramos um dos maiores accionistas do BCI. Numa determinada altura, os accionistas entenderam que devia haver um parceiro técnico, um grande banco comercial e entrou o Santander", conta Artur Santos Silva. O banco espanhol, "mal entrou, começou a tentar fazer um 'takeover' hostil". Essa estratégia provocou "uma guerra entre accionistas". A oferta dos espanhóis era aliciante. "Era uma tentação para muitos. A partir de uma certa altura, a única solução foi vender." Foi assim que o Santander entrou no mercado português.

Entre 1987 e 1989, no primeiro mandato de Cavaco Silva como primeiro-ministro, foram criadas duzentas sociedades parabancárias, de capital de risco ou gestoras de fundos. Algumas dessas entidades transformaram-se depois em bancos. A concorrência aumenta no sector financeiro. É durante o seu Governo que é publicada a lei das privatizações e começam a ser vendidas as empresas nacionalizadas. As primeiras da lista são a cervejeira Unicer e o Banco Totta & Açores, em 1989.

Artur Santos Silva recorda a primeira década como "uma fase apaixonante". Como banco de investimento, "ajudámos a construir imensas coisas novas, a relançar o mercado de acções, a criar o mercado de obrigações, que não havia, só havia obrigações do Estado. E também a modernizar a própria gestão da dívida pública, a preparar as privatizações, a fazer reestruturação de empresas e fusão de empresas." Em muitos casos, diz, "até ajudámos o Governo a legislar e a conceber como é que as coisas se deviam fazer". O banco chega aos 236 colaboradores em 1990.

A fase do crescimento

O BPI não desistiu de ter um banco comercial e, em 1991, decide concorrer à privatização do Banco Fonsecas & Burnay. "O grupo Mello chegou a levantar a informação, mas desistiu porque o banco estava numa situação muito difícil", recorda Artur Santos Silva. Havia dois problemas, o fundo de pensões do Fonsecas & Burnay estava descapitalizado e os riscos de crédito não estavam convenientemente provisionados. "O Estado vende o banco, mas a parte mais importante da receita da operação foi investida no aumento de capital do banco", diz.


O Itaú avisou o BPI que queria sair do capital do banco em 2009, revela Câmara Pestana, mas não foi encontrado um investidor português durante três anos. Depois, em 2012, o CaixaBank cometeu um "erro infantil" ao dividir as acções que comprou ao Itaú com Isabel dos Santos, considera. Se "tivessem ficado com toda a participação, o problema não tinha surgido posteriormente".


É nesta altura que o banco brasileiro Itaú entra na história. Na época, era o segundo banco mais importante do Brasil. O presidente era o português Carlos Câmara Pestana, amigo de Artur Santos Silva. O banqueiro tinha ido para o Brasil depois da nacionalização do Banco Português do Atlântico, em 1975, onde era CEO. Contratou Artur Santos Silva em 1967, quando ainda era professor assistente na Faculdade de Direito em Coimbra. "Ele trabalhou muito próximo de mim entre 1967 e 1970" como director do BPA no Porto, recorda.

O Itaú entrou como parceiro técnico de banca comercial no capital do Fonsecas & Burnay. Nessa altura, o banco brasileiro já estava presente em Portugal com uma sociedade de investimento pequena, o Itaú Europa. Carlos Câmara Pestana conta que o BPI convidou o Itaú para participar na compra do Banco Fonsecas & Burnay. Na operação, ficou com 12,5% do capital banco. Mas mais tarde, já em 1993, "houve uns rumores de que o BPI poderia ser objecto de uma OPA hostil do lado espanhol", recorda o banqueiro. Santos Silva propôs que o Itaú transformasse a sua posição de 12,5% no Fonsecas & Burnay numa participação no BPI, a holding onde estava o banco. "Então passámos 'para o andar de cima' e fizemos esse negócio." O BPI ficou com a totalidade do Fonsecas & Burnay e o Itaú com uma posição de 7,5% directamente no BPI, que foi aumentando, até chegar perto dos 19%, tornando-se num dos accionistas de referência do banco.

No dia em que se soube que a OPA do BCP, em 2007, tinha fracassado, Artur Santos Silva e Fernando Ulrich não escondiam a satisfação. Os accionistas de referência Itaú, La Caixa e Allianz recusaram vender e mantiveram-se do lado da administração do BPI. 

Em 1995, o BPI é transformado numa holding bancária sob a forma de SGPS, que controlava o Banco Fonsecas & Burnay e o Banco Português de Investimento. A estrutura accionista é reforçada com a entrada de dois novos parceiros estratégicos de grande dimensão - o banco catalão La Caixa e o grupo segurador alemão Allianz. "Formou-se um núcleo duro com músculo para nos apoiar no crescimento", diz Santos Silva. Pelo caminho ficaram os grandes accionistas fundadores. "A UBS teve duas crises e acabou por vender. O Crédit Lyonnais teve uma crise brutal e teve de vender tudo o que eram participações pequenas. A IFC e a DEG, accionistas de transição, só eram promotores durante cinco, oito, dez anos, depois vendiam porque a filosofia deles é essa." Com três novos parceiros estratégicos - Itaú, Allianz e La Caixa -, começa um outro capítulo da história.

"Em cinco anos fizemos o 'turnaround' do Fonsecas & Burnay", recorda Artur Santos Silva, e "em 1996, já com António Guterres no Governo, decidimos avançar para a privatização do Banco de Fomento". Nesta operação, o BPI teve mais concorrentes, mas ganhou o concurso público. A operação não foi pacífica e envolveu batalhas jurídicas. O Banco de Fomento e Exterior "era um banco parecido connosco, muito maior, mas parecido. Financiava projectos de investimento de empresas", diz. Era dono da Cosec, uma companhia de seguros de crédito à exportação. E, tinha uma vantagem, estava em Angola e Moçambique. O banco era ainda detentor de 100% do Borges & Irmão, um banco comercial do Norte. Com esta operação, a dimensão do banco duplicou.

Artur Santos Silva não perdeu tempo. Meteu-se num avião e foi para África. Na visita às três agências em cada um dos países, percebe o potencial que tem nas mãos. Mas Angola estava em guerra civil. E o caminho não seria fácil. "A operação era pequena, mas muito rentável e nós não podíamos tirar de lá os lucros porque não havia autorização para transferir dividendos", diz. A estratégia foi "mostrar que estávamos empenhados em crescer", e "em muitos sítios foi o próprio Banco de Angola que nos cedeu gratuitamente espaços para instalar agências, porque havia uma cobertura muito deficiente do país". O banqueiro decidiu transformar as operações nos dois países em bancos de direito angolano e moçambicano. "Em Moçambique, foi aprovado em três, quatro meses. Em Angola, demorou anos."

A fusão que não aconteceu e a OPA hostil

Julho de 1998, nova mudança. Há uma fusão dos quatro bancos comerciais do grupo. Passa a vigorar a marca única Banco BPI. Uma estratégia de marketing que destoava dos concorrentes na altura. O BPI SGPS passou a integrar apenas duas instituições bancárias: o BPI - Investimentos e o banco comercial Banco BPI. No final desse ano, a rede totalizava 500 balcões.

Na viragem do século, a instituição liderada por Artur Santos Silva senta-se à mesa das negociações para uma fusão com o Banco Espírito Santo. Carlos Câmara Pestana afirma que os accionistas aprovavam essa operação porque "havia complementaridade" entre as duas instituições. Por isso, "as negociações foram sempre muito francas e abertas". Já nessa altura, no ano 2000, "havia circunstâncias lá [no BES] que nós sabíamos que tinham de acabar". Eram conhecidas "coisas que não eram as melhores práticas". Mas, sublinha, "nada do que apareceu depois". O novo grupo seria controlado em 59% pelos accionistas do BES e em 41% pelo BPI.

Quinze dias antes da fusão, o cenário azeda. O acordo era para que a nova instituição se chamasse Espírito Santo/BPI, de forma a salvaguardar a imagem das duas instituições. Mas, a 6 de Março de 2000, Ricardo Salgado dá uma entrevista ao Diário de Notícias, na qual considera que a marca Espírito Santo tem mais notoriedade e critica a gestão do BPI, dando a ideia de que o nome do BPI irá desaparecer com o tempo. Artur Santos Silva estava fora do país, Fernando Ulrich, que já era o número dois do banco, responde três dias depois numa entrevista ao Público. "Não estou disponível para um projecto Espírito Santo." A fusão falhou.

Na assembleia-geral de accionistas de 20 de Abril de 2004, Artur Santos Silva, o fundador do BPI, cessa funções executivas, mantendo a presidência do conselho de administração. Será Fernando Ulrich, n.º2 do banco, o homem ao leme a partir dali. Dois anos depois, o BPI estaria envolvido "à força" numa OPA. Desta vez do seu eterno rival - o BCP.

"Conhecia bem o Jardim Gonçalves e ele, por duas vezes, abordou-me, muito antes da OPA hostil e tentou que se fizesse uma fusão. Mas esbarrávamos sempre nos problemas de governance", conta Artur Santos Silva. Carlos Câmara Pestana revela que o presidente do BCP, que é ainda hoje seu amigo, começou a ficar incomodado com o facto de o BPI estar a comprar acções do BCP. E decidiu lançar uma OPA hostil. Quando Câmara Pestana soube o que estava a ser preparado, procurou Jardim Gonçalves e deixou-lhe um aviso: "Se você avançar com uma OPA, vai ser recebido com os pés. Não tem o apoio dos espanhóis, não tem da Allianz e não conta com o nosso apoio." Apesar de serem amigos, durante todo o período que durou a OPA, cerca de ano e meio, Carlos Câmara Pestana recusou qualquer contacto com Jardim Gonçalves. Para ele, aquela operação era inaceitável porque envolvia afastar a comissão executiva do BPI, "contrariando todo o projecto do fundador". O que estava em causa, diz, não era só "minha relação pessoal com ele [Artur Santos Silva]. Era por uma questão institucional. Quando viemos para Portugal, o Brasil estava em cacos e eles deram-nos apoio. Era impossível a gente afastar-se."

Os três accionistas institucionais, o Itaú e o La Caixa tinham no seu conjunto 35% e a Allianz perto de 10%, decidiram resistir à OPA hostil e a operação falhou. Pouco depois, o BPI propõe uma fusão amigável ao BCP. Na carta aos responsáveis do BCP, Fernando Ulrich propunha "a criação de um banco português multidoméstico e com centro de decisão em Portugal". Mas a resposta foi um redondo "não". Corria o ano 2007, o mundo estava prestes a ser abalado por uma crise financeira.

A saída do Itaú, a entrada de Isabel dos Santos

A operadora angolana de telecomunicações Unitel, controlada pela empresária Isabel dos Santos, entra no capital do BPI em Angola, em Dezembro de 2008. Fica com uma participação de 49,9%. No mesmo mês, o BCP vende a participação de 9,69% que tinha no BPI à empresária, filha do Presidente de Angola. Isabel dos Santos passa a ser a terceira maior accionista do banco português. No ano seguinte, o Itaú decide sair de Portugal e vender a sua posição no BPI.

Com a crise internacional, que ganhou força a partir de 2008, o Itaú Europa, que financiava as exportações do Brasil sobretudo para a Europa, através da emissão de obrigações colocadas no mercado internacional, deixou de conseguir manter as operações porque, estando sediado em Portugal, o seu "investment grade" caiu. "A partir de 2007, não conseguimos emitir nem mais um título fora", diz Carlos Câmara Pestana. Nessa altura, o banqueiro decidiu mudar a sede para Londres. E, assim sendo, "não tinha sentido nenhum mantermos a participação no BPI". Em 2009, Câmara Pestana transmitiu a Santos Silva a intenção de vender a posição do Itaú e abordou os espanhóis do La Caixa. Mas eles recusaram comprar. "O Itaú assumiu que Portugal iria ter o destino da Grécia, que iria ajoelhar e que o sistema bancário iria entrar todo em colapso", considera Artur Santos Silva. "E, portanto, decidiu vender. Eu tentei dissuadir o Dr. Carlos da Câmara Pestana mas, como se costuma dizer: amigos, amigos, negócios à parte."

Em resultado da OPA, o CaixaBank ficou com 84,5% do BPI. Fernando Ulrich entrega a presidência executiva a Pablo Forero e Artur Santos Silva deixa vaga a cadeira de "chairman" para Ulrich. O histórico fundador do BPI será presidente honorário do banco e também o rosto da Fundação La Caixa em Portugal.

O tempo foi passando e nenhum comprador português mostrava interesse em comprar. Com a crise, "desapareceu o capital em Portugal, o negócio bancário caiu e não havia possibilidade [de vender]". Em 2011, o BPI é forçado pela Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla inglesa) a fazer um aumento de capital por causa da carteira de títulos de dívida soberana que tinha da Grécia, Itália e Irlanda. "Nós tínhamos capacidade [para ir ao aumento de capital], mas não estávamos interessados e queríamos sair", diz Câmara Pestana. As alterações na forma de contabilizar a dívida pública que os bancos têm no balanço obrigaram o BPI a pedir apoio ao Estado. Foram injectados 1.500 milhões de euros no banco dos cofres públicos, em Junho de 2012. O banco salda a dívida dois anos depois.

Já em 2012 os espanhóis do La Caixa decidiram aceitar comprar a fatia do Itaú. Mas depois "cometem um erro infantil", diz Câmara Pestana. "Nós vendemos a nossa posição de 18,8% e eles resolvem 'dar' metade à Isabel dos Santos, que já tinha 10%. Como a blindagem dos estatutos era aos 20%, ela ficou com o poder de bloquear todas as decisões do banco. Se tivéssemos vendido aos espanhóis e eles tivessem ficado com a toda a participação, o problema não tinha surgido posteriormente", conclui. Artur Santos Silva conta que "a Santoro contactou o CaixaBank e disse que para haver um bom relacionamento [entre accionistas] o melhor era dividirem a compra". E assim foi. Depois desta operação, o CaixaBank/LaCaixa ficou com 44,1% e Isabel dos Santos com 19%, tornando-se no segundo maior accionista do BPI.

Tempos conturbados

No final de 2014, Angola sai da lista de países com supervisão reconhecida pelo Banco Central Europeu e o BCE obriga o BPI a reduzir a exposição ao banco angolano. O BPI tinha então 51% do Banco de Fomento Angola (BFA). O prazo para resolver a situação é o início de 2016. Em 2015, o CaixaBank/La Caixa lança uma OPA ao BPI, com o objectivo de acabar com os limites de voto e ficar com a maioria do capital. A operação falhou.

Isabel dos Santos, que também tinha influência no BCP, defendia então uma fusão entre os dois bancos. A tensão entre os accionistas agrava-se. A administração quer resolver o problema pendente com o BCE e avança para a separação dos negócios em Angola e Moçambique. Isabel dos Santos opõe-se. E, na assembleia-geral de 5 de Fevereiro de 2016, a proposta de cisão simples dos activos africanos é barrada pela empresária angolana. Uma "situação complicada", admitia o presidente executivo do banco, Fernando Ulrich, acrescentando que "o interesse fundamental do banco não foi tido em consideração". Era clara a guerra entre accionistas.

No início de Março, a Bloomberg avança que os espanhóis do CaixaBank estão a negociar a compra da posição de Isabel dos Santos no BPI. E, a 10 de Abril de 2016, no último dia do prazo dado pelo BCE para resolver a "questão africana", sai "fumo branco" das negociações. Sol de pouca dura. Uma semana depois, o banco divulga um comunicado, onde diz que "a Santoro Finance desrespeitou o que tinha acordado e veio a solicitar alterações aos documentos oficiais". No dia seguinte, o CaixaBank anuncia que vai lançar outra OPA. O problema já está na esfera política. Nesse mesmo dia, o Presidente da República promulga um diploma do Governo feito à medida da situação do BPI. A lei facilita a desblindagem de estatutos de empresas financeiras. Em Setembro, o conselho de administração faz uma proposta para resolver o conflito. Propõe vender 2% do BFA à Unitel, de Isabel dos Santos, perdendo assim o controlo do banco angolano. No dia seguinte, os accionistas votam o fim do limite à contagem de votos. A medida é aprovada em assembleia-geral e, logo a seguir, numa conferência de imprensa em Serralves, Artur Santos Silva desvaloriza os receios de que a banca portuguesa fique em mãos estrangeiras. Falando da possível venda da maioria do capital do BPI aos espanhóis, afirmou: "Infelizmente, os capitais portugueses hoje em dia não conseguem suportar as exigências de uma instituição bancária. Portanto, há muito tempo que esse sonho de muitos - incluindo eu próprio - não é possível." Na assembleia-geral de Dezembro, a venda de 2% do BFA à Unitel é aprovada.

Entramos em 2017. Logo em Janeiro, a CMVM aprova oficialmente a OPA do CaixaBank. A operação dá 85% do capital do BPI aos espanhóis do CaixaBank. Esta quarta-feira, Fernando Ulrich passou a pasta ao espanhol Pablo Forero, que se tornou presidente executivo do BPI, aguardando apenas o "OK" final do BCE. O fundador do banco, Artur Santos Silva, fica como presidente honorário e será o rosto da Fundação La Caixa em Portugal, que vai investir anualmente 50 milhões de euros em projectos sociais portugueses destinados à criação de emprego, combate à exclusão social e apoio a idosos e doentes terminais. Ulrich é agora o "chairman" do banco para onde entrou quando tinha 31 anos. No dia da passagem de testemunho, foi o seu 65.º aniversário. Será que vai aguentar ficar longe da gestão do banco? Ulrich garante que não vai "atrapalhar" Pablo Forero.


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