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A esposa solitária

O livro-biografia de Danuta Walesa fala de fraldas, sopas, pijamas, do quiosque de flores em Gdansk - na Polónia comunista, todas as fábricas encomendavam flores no Dia da Mulher - onde, um dia, entrou um jovem para trocar dinheiro.

30 de Novembro de 2012 às 14:27
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Era o tal de fartos bigodes chamado Lech Walesa. "Sonhos e Segredos" é o lado dela. O lado feminino de uma história política protagonizada pelo polaco dos estaleiros leninistas, aquele que subiu para uma empilhadora e falou.

 

Vem de rosa e ouro, visitou Fátima duas vezes, no início da década de noventa. Danuta Walesa, a mulher de um antigo electricista de largos bigodes chamado Lech Walesa, esteve em Portugal com "Sonhos e Segredos", o seu lado da história política protagonizada pelo polaco dos estaleiros leninistas, pelo homem que subiu para uma empilhadora e falou. Ela baptizava a filha Ania. Ele era ovacionado no meio da multidão. Nascia, no início de oitenta, o primeiro sindicato independente na Europa de Leste, o Solidariedade. Os trabalhadores contra o comunismo.

Mas o livro-biografia de Danuta Walesa fala de fraldas, sopas, pijamas, do quiosque de flores em Gdansk - na Polónia comunista, todas as fábricas encomendavam flores no Dia da Mulher - onde, um dia, entrou um jovem para trocar dinheiro. Era o tal de fartos bigodes. Passearam por Gdansk, foram ao cinema Leninegrado. Casaram, moraram no apartamento dos estaleiros, tiveram filhos, oito. Entre papas e crianças, as casas por onde viveram conheceram "um rodopio de membros do sindicato, assessores, políticos, jornalistas e gente desequilibrada. Um senhor andou a gabar-se que havia tomado uns óptimos ovos mexidos na casa dos Walesa às sete da manhã. Pois, as pessoas sentavam-se à mesa e eu tinha que as servir".

Veio a Lei Marcial, o Prémio Nobel, a Presidência. "E por fim, o último estágio, quando o meu marido me trocou pelo computador (...) Sentia-me abandonada como mulher e como mãe, existia como se não existisse (...) tornei-me uma mancha, uma mancha (...). Vivia como que meio adormecida". Esse semientorpecimento foi esbatido durante a detenção do marido na chamada "gaiola dourada", uma casa-prisão onde Walesa recebia cigarros, um saquinho de caramelos e um grande jarro de mel que o padre Orszulik lhe levava. Danuta fazia de porta-voz do marido. Até mesmo depois do seu "internamento", quando foi a Oslo receber o Nobel da Paz, em 1983, atribuído ao homem do Solidariedade. Danuta recebeu o prémio não como esposa de Walesa, mas como dona de casa. De casa, compras, crianças, escola, reuniões de pais. Como mulher polaca, representante de mulheres polacas.


"Sim, Santo Padre",
Em "Sonhos e Segredos", um testemunho sobre a solidão, fala da viagem do Papa João Paulo II à Polónia, em Junho de 1979. Ela era a "Dona Danutinha" do Papa. "Sim, Santo Padre", respondia ela. "A nossa família deve tudo à Providência e ao Santo Padre (...) Não vou inventar e dizer que já naquela altura contava que graças ao Papa caísse o comunismo. Toda a gente decorou as janelas com imagens e bandeirinhas". O seu retrato junto à imagem de Nossa Senhora de Czestochowa decorou o portão nº2 dos estaleiros de Gdansk. "Que conjunto tão simbólico: Estaleiros de Lenine, Nossa Senhora e o Papa".

Um dia foi, ela a Roma. Ficou presa às montras dos talhos, cheias de enchidos e charcutaria. Na Polónia, havia cartões de racionamento e ganchos vazios. Conheceu George H. W. Bush e a mulher Barbara, esteve com Margaret Thatcher, "uma mulher que governava realmente e governava com uma mão firme". Teve a visita de actores como Jane Fonda e Robert de Niro. "A América veio até nós".


A esposa do Presidente
A vitória nas presidenciais de 1990. Um rol de viagens, os encontros com a Rainha Isabel II, "uma velhinha simpática", a estadia no castelo de Windsor, a lista de informação sobre mordomos, os comentários às vestes do marido: "os botões de punho estavam mal, a gravata, mal, o colarinho, mal". Chegaram cartas de protesto, "telefonemas com maldições": estariam a gastar o dinheiro do Estado para sustentar a mulher de Walesa. O comportamento do marido mudava. "Quanto mais tempo ele era presidente, mais nervoso e impulsivo se tornava (...) Ao tornar-se chefe de Estado, acreditava que poderia fazer muita coisa boa. Ilusão. Os poderes presidenciais eram limitados". Chegaram as eleições perdidas de 1995. "Os pós-comunistas foram buscar contra o meu marido o caso do imposto sobre um milhão de dólares que recebera uns anos atrás, quando era para ser feito um filme sobre ele - os americanos da Warner Bros haviam-no procurado, mas o filme acabou por cair por terra", refere autora, em nota de rodapé.


A bela história
"O meu marido participou numa bela história... o problema dele é que não se quis tornar um monumento, uma lenda, queria continuar a fazer política. Hoje, ao ver como a política muda e como mudam os políticos polacos, fico feliz por ele não ter sido eleito presidente. Foi a mão de deus", diz Danuta Walesa. E recorda o Agosto de 1980. "A imagem que eu guardo é linda. Talvez idealística demais. Mas, infelizmente, não foi o portão coberto de flores dos estaleiros polacos em Agosto que se tornou símbolo da liberdade e da unidade da Europa, mas sim a queda do muro de Berlim em 1989", continua. "Somos um povo estranho. Como sociedade, não sabemos defender o nosso lugar na história, lugar esse que, sem dúvida, merecemos. Faltou um grupo de pessoas sábias que dissesse: fomos nós, os polacos, que o alcançámos'. Durante muitos anos, só soubemos reclamar dos méritos e organizar guerrilhas uns contra os outros. Como podemos esperar que no estrangeiro reconheçam os nossos méritos se nós próprios cuspimos uns nos outros? Tenho pena que na Europa e no mundo seja mais lembrada a queda do muro de Berlim do que o nosso Agosto".

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