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Na Polónia não deram o devido valor a Walesa

Danuta Walesa esteve diversas vezes com o Papa João Paulo II, o "catalisador" da queda do comunismo na Europa de Leste, como diz. "A sua visita à Polónia, em 1979, fez com que as pessoas sentissem que estavam juntas, que queriam a mesma coisa. Foi essa experiência de solidariedade, de pertença comum, que motivou os polacos...".

30 de Novembro de 2012 às 14:23
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Porquê este livro?
Queria reviver acontecimentos da minha vida que tinham passado depressa demais, queria voltar a eles.

Houve surpresas? Descobertas?
Vivi com muita emoção os acontecimentos que relembrei. Muitas daquelas situações, se tivesse de as reviver, não encontraria força para tal. Tive períodos muito difíceis. Quando eu hoje ouço as mulheres, mães com dois e três filhos, dizerem que é muito difícil gerir a casa, eu olho para trás e digo: o que eu fiz foi, de facto, muito difícil. Eu vivi esses anos sem parar para pensar muito, aceitava o que me acontecia, tentava resolver e dar a volta.

Foi uma vida de "solidão", como diz no seu livro. Sentiu-a na altura ou foi uma reflexão "a posteriori"?
Já antes me dava conta dessa solidão, tinha a consciência de que tinha de lutar sozinha naquelas circunstâncias, mas, tal como eu, existiam outras mulheres, outras polacas, cujos maridos estavam envolvidos no combate político e que, por isso, sentiriam o mesmo que eu.

Diz sobre o seu marido: "Na Polónia não lhe deram valor".
É uma situação que se mantém ainda hoje. No mundo dá-se significado ao que ele fez e percebe-se o valor do que ele conseguiu: conquistou a liberdade para a Polónia. Mas na Polónia nem toda a gente quer ou entende a sua importância. Não sei exactamente porquê. Somos assim enquanto nação.
Tem pena "que na Europa e no mundo seja mais lembrada a queda do muro de Berlim do que o nosso Agosto"...
Afinal, tudo começou na Polónia naquele Agosto de 1980. A queda do muro de Berlim é apenas uma consequência e o final de todo um processo. Talvez os polacos pudessem ter feito mais para que o mundo guardasse a imagem clara de que realmente foi o combate na Polónia que deu início a tudo o resto, à queda dos sistemas comunistas na Europa de Leste.

Que imagens guarda desse Agosto?
As pessoas foram capazes de uma enorme solidariedade, ajudavam-se naquele tempo de greves. A falta de transportes públicos, que obrigava as pessoas a andar dezenas de quilómetros a pé, foi superada por esta solidariedade. Quem tinha carro, levava o outro e o outro. As pessoas, em vez de se queixaram, de se lamentarem, entreajudavam-se. A palavra solidariedade ganhou sentido, foi vivida de facto.

Que papel teve o Papa João Paulo II na queda do comunismo no Leste?
Foi o catalisador de tudo o que aconteceu. A sua visita à Polónia, em 1979, fez com que as pessoas sentissem que estavam juntas, que queriam a mesma coisa. Foi essa experiência de solidariedade, de pertença comum, que motivou os polacos.

Fala num Walesa anterior e posterior ao isolamento durante a chamada "gaiola dourada". Que mudanças notou?
O período de "internamento político" marcou-o bastante. Ele tornou-se menos confiante nas pessoas. Passou, parece-me, a pensar que só podia confiar inteiramente em si próprio. Talvez tenha havido uma mudança para uma pessoa mais fechada e menos confiante.

Como foi recebido o seu livro na Polónia?
As pessoas perceberam o sacrifício que houve numa família para que aquele homem se pudesse entregar à política. E, através do livro, sem ter sido minha intenção, dei a experimentar a outras mulheres uma identificação com a minha vida.

O seu marido acompanhou esta a escrita deste livro? Qual a reacção?
(risos) Ele começou por ser informado que eu iria escrever o livro... Foi um trabalho que durou dois anos. Ele ia perguntando "então, esse livro?", e eu dizia: "estou a trabalhar nele"; e continuava ele: "o livro sai?". Acho que ele nunca pensou que o livro seria mesmo publicado e quando o foi, ele ficou, de alguma forma, chocado.

Ele não tinha consciência dessa sua vida de solidão?
Não, acho que ele não estava inteiramente consciente. Acho que ele pensou que se tratava de uma partilha de papéis natural, em que cada um tinha a sua função. Que seria normal que a mulher se ocupasse dos filhos... Só depois do livro terá percebido que os filhos precisavam do pai e não tiveram; e que a mulher precisava mais do marido e não teve.

E, após o livro, o seu comportamento mudou?
O meu marido é um homem de uma geração muito conservadora que entende que a mulher deve estar ali, sempre presente, com os filhos. Hoje, com os filhos já criados, e com netos, ele continua um pouco à espera que eu continue ali. Ora, a mim apetece-me sair, apetece-me viajar, ter outra vida, algo que ele não entende muito bem. Mas o meu marido, com a idade que tem, quase setenta anos, não vai mudar. Posto isso, eu também já não espero que ele se transforme noutra pessoa, é assim que ele é e é assim que nós aprendemos a viver os dois.

Refere no livro: "O meu marido participou numa bela história... o problema dele é que não se quis tornar um monumento, uma lenda, queria continuar a fazer política. Hoje, ao ver como a política muda e como mudam os políticos polacos, fico feliz por ele não ter sido eleito presidente. Foi a mão de deus". Foi?
Eu tinha a esperança que, depois de um período muito intenso em que o meu marido esteve roubado à família, chegasse um momento em que ele se entregaria mais à mulher e aos filhos, mas ele não soube fazer isso; até mesmo quando deixou de estar tão activo na política, continuou a passar muito tempo fora de casa, ou ao computador. Pelos vistos, é mesmo assim. Eu esperaria outra coisa, mas já que é assim, o que me importa é que seja feliz. É engraçado ver que, agora que me tornei mais activa, ele parece ter receio de me perder, de não me ter tão garantida. Eu acho graça, é como se ele estivesse menos seguro da minha presença ao seu lado.

O seu dia-a-dia mudou muito?
No fundo, a minha vida não mudou assim tanto, tenho as mesmas ocupações. Quando estou em casa, levanto-me, faço o pequeno-almoço para o marido, depois o almoço, passo muito tempo com os netos. E trabalho horas no jardim. Com a publicação do livro, passei a sair um pouco mais, a falar um pouco mais. Um grupo de feministas na Polónia tentou tornar-me uma bandeira, como se eu estivesse a motivar uma revolução das mulheres, mas não me identifico com isso, não é isso. Muitas das mulheres agradecem porque o livro mostra como viveram no período comunista. É um testemunho importante da época; e depois, há situações caricatas nas sessões de autógrafos: uma senhora pediu-me que, na dedicatória, eu solicitasse ao seu marido que a escutasse mais. "Que idade tem o seu marido?", perguntei. "Setenta", respondeu. "Então, acho que já não há nada a fazer..." (risos) As pessoas enviam-me muitas cartas. Uma senhora de 85 anos escreveu-me de um lar de idosos a dizer que decidira, ela própria, escrever as suas memórias, mesmo que não fossem publicadas. Estou contente por ter trazido alguma alegria às mulheres polacas.

Como olha para a Polónia de hoje?
Entretanto, duas gerações nasceram e isso faz hoje uma Polónia diferente. Eu gostaria que fosse um país onde as pessoas se entendessem melhor, que fossem mais felizes entre si, que houvesse maior proximidade. Em geral, as pessoas são algo amargas, pouco optimistas, mais facilmente se lamentam do que encontram razões para estar felizes com aquilo que têm de bom.

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