Notícia
Folha de assentos
O ano começou ao ritmo de Marcelo Rebelo de Sousa e da "geringonça". São as grandes figuras do ano passado e prometem sê-lo também este ano. Novas e velhas ignorâncias prometem animar e desanimar 2017. O caderno de encargos é grande. Não faltarão conflitos ambientais e algumas experiências económicas e sociais.
geringonça. É a palavra de 2016, segundo a Porto Editora. Em boa verdade, seria a palavra de 2015. "Geringonça" refere-se à solução política encontrada pelo PS depois das legislativas desse ano. Celebrar compromissos com os partidos à sua esquerda foi algo nunca visto na política portuguesa. A paternidade do uso da palavra é de Vasco Pulido Valente. Utilizou-a em 2014 para se referir ao PS envolvido num duelo entre António José Seguro e António Costa. Mas foi Paulo Portas que a ajustou à solução de governo socialista com o apoio do BE, PCP e Verdes. A palavra parecia depreciativa, pois remete para "o que é mal feito, com estrutura frágil e funcionamento precário". Mas acabou por se tornar popular. Talvez porque "funciona", como costuma ripostar Costa. Um dos usos mais antigos do vocábulo é do séc. XVI: "Os honrados são pobres, os ricos vilões, ruins: concertai-me esta geringonça!" É toda uma filosofia política… tão antiga como moderna.
descrispação. Marcelo Rebelo de Sousa não concorda com os votantes na palavra "geringonça". Se fosse ele a escolher, preferia "descrispação". Não tenho a certeza de que a palavra exista, mas percebe-se que será um antónimo de "crispação". Percebe-se também que o Presidente da República quer "chamar a brasa à sua sardinha", como se diria em linguagem mais popular. Ou seja, quer dizer que os protagonistas do ano não são os partidos da esquerda, mas o Presidente, ele próprio, que tanto fez pelos afectos dos portugueses… Ciúmes?!
positivo. Marcelo Rebelo de Sousa terminou 2016 e começou 2017 numa actividade muito recomendável: o mergulho. Fica-se entre o céu e o mar e "esquece-se tudo", diz o Presidente. Esquecer é uma grande faculdade humana. Com tanto frenesim, imagina-se a utilidade. Marcelo é um optimista e não tardou a desvalorizar alguns pecados da governação "do imediato", seja a justiça lenta, a dívida muito elevada ou o crescimento tardio e insuficiente. Feito o balanço dos passos percorridos, o veredicto foi positivo. Como temia o pior, acredita que "somos capazes de melhorar". E deixou um caderno de encargos pesado: investimento, crescimento, exportações, justiça, Estado Social… Tudo em bom-tom: união, estabilidade, confiança, esperança, solidariedade. Marcelo é um homem de afectos, positivo. Mas começou a deixar traços no terreno político. À atenção do Governo e para memória futura.
ignorância. A palavra foi glosada na última semana do ano por José Pacheco Pereira. Há uma "nova ignorância"? Há sempre novas ignorâncias, atrevidas, e velhas ignorâncias, que perduram. A ignorância anda normalmente a par da inconsciência e da arrogância. A maior ignorância é a ausência da dúvida, a ausência de sentido crítico. A nova "alfabetização" confundiu-se com a disseminação de redes de comunicação. O registo e troca de palavras ganharam um volume e velocidade tais que criaram a ilusão de que estaríamos perante uma nova Babel. Não passa de muito palavreado em pequenas doses. Tão inconsequente como vazio. A comunicação não é sinónima de informação. Do falatório não resulta conhecimento.
rendimento. A Finlândia começou esta semana uma experiência original. Vai pagar um subsídio mensal de 560 euros a 2.000 desempregados, independentemente de virem, ou não, a trabalhar. O subsídio vigora durante dois anos. A Finlândia tem pouco mais de 5 milhões de habitantes. O rendimento médio é de 2.500 euros e a taxa de desemprego anda um pouco acima dos 8%. A experiência é um teste de eficácia. Até agora, o subsídio de desemprego era cancelado sempre que o trabalhador encontrava outros rendimentos, o que constituía um desincentivo à procura de trabalho ou a trabalhar por conta própria. A nova fórmula é polémica. Há quem sustente que incentivará a preguiça. Mas há quem tenha outras expectativas. Se os resultados forem positivos, isto é, se o subsídio dinamizar o trabalho e a economia, a Finlândia admite generalizar este rendimento mínimo a toda a população. Esta poderá ser uma resposta a uma reconfiguração do trabalho, tantas vezes mais raro e desvalorizado perante máquinas cada vez mais eficientes na produção de bens. Ora, só há economia quando se dinamiza não apenas a oferta, mas também a procura. Talvez o subsídio seja um contributo racional para o futuro da economia.
nuclear. A central nuclear espanhola de Almaraz, situada numa bacia do Tejo perto dos distritos de Castelo Branco e de Portalegre, é uma potencial ameaça para todos os que se situam nas proximidades. É uma das centrais mais velhas a operar na Europa, sofreu algumas avarias e tem levantado muitas dúvidas de segurança. Quando se esperava que o governo espanhol anunciasse uma data para o seu encerramento, surge a decisão de construir no local um armazém de resíduos nucleares, o que indicia a continuidade da central. Decisão unilateral, sem ouvir o Governo português, que lança novas preocupações sobre a ameaça nuclear. São vários os exemplos trágicos. O de Fukushima, há cerca de seis anos, ainda paira e levou a Alemanha a prescindir do seu programa de energia nuclear. Preocupações que não contagiaram Espanha e que não têm tido grande eco nas autoridades portuguesas. As críticas do ministro português do Ambiente nos últimos dias são justificadas, mas decerto serão inconsequentes se a União Europeia não intervier, como se impõe. Haja vantagens em pertencermos à mesma comunidade!
descrispação. Marcelo Rebelo de Sousa não concorda com os votantes na palavra "geringonça". Se fosse ele a escolher, preferia "descrispação". Não tenho a certeza de que a palavra exista, mas percebe-se que será um antónimo de "crispação". Percebe-se também que o Presidente da República quer "chamar a brasa à sua sardinha", como se diria em linguagem mais popular. Ou seja, quer dizer que os protagonistas do ano não são os partidos da esquerda, mas o Presidente, ele próprio, que tanto fez pelos afectos dos portugueses… Ciúmes?!
ignorância. A palavra foi glosada na última semana do ano por José Pacheco Pereira. Há uma "nova ignorância"? Há sempre novas ignorâncias, atrevidas, e velhas ignorâncias, que perduram. A ignorância anda normalmente a par da inconsciência e da arrogância. A maior ignorância é a ausência da dúvida, a ausência de sentido crítico. A nova "alfabetização" confundiu-se com a disseminação de redes de comunicação. O registo e troca de palavras ganharam um volume e velocidade tais que criaram a ilusão de que estaríamos perante uma nova Babel. Não passa de muito palavreado em pequenas doses. Tão inconsequente como vazio. A comunicação não é sinónima de informação. Do falatório não resulta conhecimento.
rendimento. A Finlândia começou esta semana uma experiência original. Vai pagar um subsídio mensal de 560 euros a 2.000 desempregados, independentemente de virem, ou não, a trabalhar. O subsídio vigora durante dois anos. A Finlândia tem pouco mais de 5 milhões de habitantes. O rendimento médio é de 2.500 euros e a taxa de desemprego anda um pouco acima dos 8%. A experiência é um teste de eficácia. Até agora, o subsídio de desemprego era cancelado sempre que o trabalhador encontrava outros rendimentos, o que constituía um desincentivo à procura de trabalho ou a trabalhar por conta própria. A nova fórmula é polémica. Há quem sustente que incentivará a preguiça. Mas há quem tenha outras expectativas. Se os resultados forem positivos, isto é, se o subsídio dinamizar o trabalho e a economia, a Finlândia admite generalizar este rendimento mínimo a toda a população. Esta poderá ser uma resposta a uma reconfiguração do trabalho, tantas vezes mais raro e desvalorizado perante máquinas cada vez mais eficientes na produção de bens. Ora, só há economia quando se dinamiza não apenas a oferta, mas também a procura. Talvez o subsídio seja um contributo racional para o futuro da economia.
nuclear. A central nuclear espanhola de Almaraz, situada numa bacia do Tejo perto dos distritos de Castelo Branco e de Portalegre, é uma potencial ameaça para todos os que se situam nas proximidades. É uma das centrais mais velhas a operar na Europa, sofreu algumas avarias e tem levantado muitas dúvidas de segurança. Quando se esperava que o governo espanhol anunciasse uma data para o seu encerramento, surge a decisão de construir no local um armazém de resíduos nucleares, o que indicia a continuidade da central. Decisão unilateral, sem ouvir o Governo português, que lança novas preocupações sobre a ameaça nuclear. São vários os exemplos trágicos. O de Fukushima, há cerca de seis anos, ainda paira e levou a Alemanha a prescindir do seu programa de energia nuclear. Preocupações que não contagiaram Espanha e que não têm tido grande eco nas autoridades portuguesas. As críticas do ministro português do Ambiente nos últimos dias são justificadas, mas decerto serão inconsequentes se a União Europeia não intervier, como se impõe. Haja vantagens em pertencermos à mesma comunidade!