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Porque é a COP28 a “mais importante” de todas?

Será o local onde o mundo vai fazer o primeiro balanço do progresso do Acordo de Paris e traçar planos para reduzir drasticamente as emissões de GEE. Mas vai procurar consensos num mundo desalinhado dos objetivos, a enfrentar instabilidade política global e com uma pressão crescente da sociedade civil.

29 de Novembro de 2023 às 11:30
O secretário-geral da ONU, António Guterres, visitou a Antártida chilena e viu com os seus próprios olhos o rápido degelo do Polo Sul.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, visitou a Antártida chilena e viu com os seus próprios olhos o rápido degelo do Polo Sul. Mark Garten/Reuters
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O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, esteve nestes últimos dias na Antártida, para levar o seu testemunho pessoal sobre os efeitos das alterações climáticas aos líderes mundiais que vão estar na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), que decorre de 30 de novembro a 12 de dezembro no Dubai. "O que acontece na Antártica não fica na Antártida. E o que acontece a milhares de quilómetros de distância tem um impacto direto aqui mesmo", disse no decorrer da sua visita, apelando aos líderes para agirem neste encontro global.

Um testemunho suportado por sucessivas evidências científicas. Nomeadamente, oito anos depois de 193 Estados e a União Europeia terem aderido ao Acordo de Paris, o mundo não está no caminho certo para cumprir os objetivos de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, segundo o Primeiro Balanço Global da ONU (Global Stocktake), que vai servir de base de discussão na COP28.

O recente relatório anual das Nações Unidas sobre o Défice de Emissões 2023 também acrescenta pressão ao mostrar que as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) estão a atingir máximos históricos quando deveriam estar a diminuir, tendo-se registado um aumento de 1,2% em relação ao ano passado. O relatório mostra que, a menos que os países intensifiquem a ação climática e cumpram mais do que o prometido nos seus compromissos para 2030, o mundo caminha para um aumento da temperatura de 2,5-2,9 °C acima dos níveis pré-industriais, no final do século, ou seja, bem acima dos objetivos. Os alarmes soaram levando António Guterres a falar que o mundo está a caminhar para "um beco sem saída".

Perante este cenário, os delegados, onde se incluem peritos, ministros, chefes de Estado e representantes de organizações não governamentais, terão de discutir na COP28 medidas de mitigação, ou seja, os compromissos climáticos nacionais para reduzir os GEE - denominados Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC); medidas de adaptação para os países lidarem com os impactos através de Planos Nacionais de adaptação; finalizar o primeiro Global Stocktake (já referido), que é o mecanismo através do qual são avaliados os progressos efetuados no âmbito do Acordo de Paris e que ocorrerá a partir de agora a cada 5 anos. A atravessar isto tudo, a questão do financiamento, sobretudo ajudar os países mais vulneráveis através do Fundo de Perdas e Danos acordado na última edição e que continua a gerar polémica. "As dificuldades encontradas começam desde a linguagem dos documentos propostos até às potencias como os Estados Unidos e China que apresentam uma grande influência nas negociações e que continuam em desacordo em vários temas, como quando encerrar as operações das suas centrais a carvão ou quem deve fornecer ajuda financeira para os países em desenvolvimento", explica Islene Façanha, gestora de projetos na área do clima na Zero e que estará presente na COP28. Para já, os países acordaram que será o Banco Mundial a acolher este fundo, e os EUA e a União Europeia (UE) já deram sinais de que vão contribuir substancialmente para o mesmo. "É fundamental que a ação climática se centre na justiça climática e que seja prestado apoio e assistência para ajudar o Sul Global", refere Laetitia Arrighi de Casanova, diretora da B Lab Portugal.

Também está na agenda a responsabilidade de setores específicos, particularmente os da energia e agroindustrial, no sentido de transformarem a forma como operam. Para a diretora da B Lab Portugal, "a questão do financiamento, o foco nos ganhos a curto prazo e algum ‘lobbying’ dificultam o consenso, mas é imperativo que abracemos o espírito da interdependência, percebendo que é responsabilidade de todos agirmos para mitigar a crise climática".

Desafios ao consenso

Os Estados-membros têm de concordar unanimemente nas decisões. Porém, as tensões geopolíticas que se fazem sentir atualmente "tendem desviar a atenção pública e recursos financeiros e a destabilizar capacidades institucionais essenciais para acelerar a transição energética e solucionar a urgência climática", assinala Joana Portugal, autora do Emissions Gap Report desde 2020 e do 7.º Global Environmental Outlook que será publicado em 2026. Para além disso, "não podemos esquecer que as alterações climáticas apresentam riscos potencialmente irreversíveis para a humanidade e que podem despoletar outros conflitos", acrescenta.

As alterações climáticas muitas vezes agravam outras crises e ameaçam a segurança e a liberdade das pessoas. Islene Façanha
Gestora de projetos na Zero 
As guerras na Ucrânia e mais recentemente no Médio Oriente estão a ter impacto direto nessas comunidades e a propagar impactos económicos e sociais no resto do globo. Por isso mesmo, para Islene Façanha, "esta COP pode ser considerada mais importante do que a de Paris em 2015, porque as alterações climáticas muitas vezes agravam outras crises e ameaçam a segurança e a liberdade das pessoas".

Muitas vozes estão a pedir políticas transformadoras, desde governos, sociedade civil e até setores empresariais. O Conselho Europeu pede mais ambição mundial e aumento global das NDC, por exemplo, e o mesmo já fizeram mais de CEO e executivos seniores da Aliança dos Líderes Empresariais Climáticos, promovida pelo Fórum Económico Mundial, numa recente carta aberta. "Nenhuma empresa, indústria ou movimento pode conseguir isso sozinho. Deve estender-se uma colaboração extensa entre fornecedores, colaboradores, comunidades à volta da empresa e também outras empresas que partilham os mesmos objetivos, decisores políticos e associações", sublinha Laetitia Arrighi de Casanova.

Apesar de considerar "crucial" resultar desta COP uma resposta política orquestrada entre todas as potências do Norte e Sul globais, "diante da instabilidade política global e dos conflitos que vivemos na Europa de Leste e no Médio Oriente é complicadíssimo que esta COP entregue medidas efetivas", considera, por sua vez, Joana Portugal.

Para além disso, merece também muitas críticas o facto de esta COP ser realizada no Dubai. A presidência da COP28 foi atribuída ao sultão Al Jaber, o CEO da ADNOC, a 11.º maior empresa produtora de O&G do mundo. "Com este grande conflito de interesses, não é esperado que se reúna a imparcialidade necessária para conduzir as negociações de forma objetiva", acrescenta.

A mesma preocupação tem a responsável da Zero. "Desde o início que deixámos claro o receio de a COP ser num país que está entre os principais produtores de petróleo do mundo e que podem mover influências para evitar avanços na eliminação dos combustíveis fósseis", sublinha.

E, de facto, uma investigação da BBC apurou que os Emirados Árabes Unidos planearam usar o seu papel como anfitrião das negociações climáticas da ONU como uma oportunidade para fechar acordos de petróleo e gás. Questionados pela BBC, os anfitriões não negaram o uso das reuniões da COP28 para negociações de negócios, dizendo que "reuniões privadas são privadas".
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