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Metas da nova a Lei da Restauração da Natureza podem ser adiadas em caso de “forte impacto socioeconómico”

Com uma aprovação renhida, a Lei visa que até 2030 sejam implementadas medidas de restauração da natureza que abranjam pelo menos 20% das superfícies terrestres e marítimas da UE. Lei gera discórdias.

13 de Julho de 2023 às 08:46
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A Lei da Restauração da Natureza foi aprovada no Parlamento Europeu (PE), nesta quarta-feira, por 336 votos a favor, 300 votos contra e 13 abstenções, após alguma discórdia gerada nos últimos meses sobretudo com a Direita europeia a contestar o texto.

O PE salienta que a nova lei deve contribuir para o cumprimento dos compromissos internacionais da União Europeia (UE), em particular o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal. Os eurodeputados apoiam também a proposta da Comissão Europeia de pôr em prática, até 2030, medidas de regeneração que abranjam, pelo menos, 20% das zonas terrestres e marítimas da UE. Porém, o PE prevê igualmente a possibilidade de protelar os objetivos em virtude do ambiente económico, salientando que as metas poderão ser "adiadas em caso de forte impacto socioeconómico".

Em comunicado, o PE afirma que a lei só se aplica quando a Comissão Europeia (CE) tiver fornecido dados sobre as condições necessárias para garantir a segurança alimentar a longo prazo e quando os países da UE tiverem quantificado a área que precisa de ser recuperada para atingir as metas para cada habitat. Dados do PE indicam que mais de 80% dos habitats europeus estão degradados.

No prazo de 12 meses a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento, a CE terá de avaliar qualquer lacuna entre as necessidades financeiras de recuperação e o financiamento disponível da UE e procurar soluções para colmatar essa lacuna.

Com esta aprovação, os eurodeputados sublinham que a restauração do ecossistema é fundamental para combater as alterações climáticas e a perda de biodiversidade, reduzindo também os riscos para a segurança alimentar. Salientam que o projeto de lei não impõe a criação de novas áreas protegidas na UE, nem bloqueia novas infraestruturas de energias renováveis, uma vez que acrescentaram um novo artigo a sublinhar que tais instalações "são esmagadoramente de interesse público".

"A Lei da Restauração da Natureza é um elemento essencial do Pacto Ecológico Europeu e segue o consenso científico e as recomendações para restaurar os ecossistemas da Europa. Os agricultores e os pescadores beneficiarão desta lei e garantirão uma terra habitável para as gerações futuras. A nossa posição hoje adotada envia uma mensagem clara. Agora, temos de continuar o bom trabalho, defender o nosso terreno durante as negociações com os Estados-Membros e chegar a um acordo antes do final do mandato deste Parlamento para aprovar o primeiro regulamento sobre a restauração da natureza na história da EU", declarou o relator César Luena (S&D, Espanha) após a votação.

De seguida, o PE irá iniciar negociações com o Conselho da União Europeia sobre a forma final da legislação.

 

Ambientalistas satisfeitos

Algumas organizações ambientalistas já se mostraram satisfeitas com a aprovação desta lei. "Estamos aliviados pela adoção de uma posição por parte do Parlamento Europeu, nomeadamente pelo texto positivo no que toca à Política Comum das Pescas. Existem em Portugal inúmeros exemplos de projetos de conservação e restauro com o envolvimento dos pescadores e agricultores, fixando populações em territórios onde mais nenhuma atividade o faz. O texto adotado pelo Parlamento permite continuar esse caminho, pelo que estamos gratos às eurodeputadas e eurodeputados portugueses que votaram favoravelmente", declarou Gonçalo Carvalho, coordenador executivo da Sciaena.

Em conjunto, as organizações Oceana, Sciaena e Seas At Risk criticaram a politização à volta da lei ocorrida nos últimos meses com uma divisão do plenário que levou a uma aprovação renhida. Estas organizações apontam que a lei tem sido "explorada como um trampolim" para as eleições europeias do próximo ano por deputados conservadores, de extrema-direita e alguns liberais.

"Foi um sucesso ter sido possível assegurar apoio suficiente dos deputados, incluindo alguns conservadores do Partido Popular Europeu que enfrentaram pressão considerável do líder do seu grupo, o deputado alemão Manfred Weber, para atacar a NRL [sigla para Lei da Restauração da Natureza] numa tentativa de garantir o voto dos agricultores, pescadores e silvicultores nas eleições europeias do próximo ano. No entanto, ao alinhar-se com a posição do Conselho, o Parlamento votou a favor de um texto fraco que fará pouco para restaurar significativamente a natureza e o oceano, prevenir a perda de biodiversidade ou combater as mudanças climáticas", declaram os ambientalistas.

"Ninguém está contra a natureza"

Entretanto, a UNAC – União da Floresta Mediterrânica, que representa os interesses dos produtores florestais do espaço mediterrânico português, veio a público dizer que "ninguém está contra a natureza".

Perante as evidências das alterações climáticas que diariamente são reportadas, a organização critica que, por outro lado, "não ouvimos a forma como os agricultores e os produtores florestais lidam diariamente com esta realidade, revendo e adaptando as suas práticas de modo a conseguirem garantir uma produção de alimentos e de produtos florestais, como a cortiça, a madeira, a bolota e a resina, de uma forma ambientalmente sustentável".

Destaca também as diferenças que existem na floresta europeia, com a floresta mediterrânica a ser mais fustigada pela seca e incêndios florestais. "Por estas razões, uma Lei da Restauração da Natureza que condiciona fortemente a gestão florestal é tão criticada no setor, porque sabemos, os técnicos florestais, os gestores florestais e as comunidades rurais, que a gestão é uma ferramenta essencial na manutenção dos ecossistemas mediterrânicos e da biodiversidade associada", acrescentam em comunicado.

Argumentam que sem gestão a vegetação combustível, como os matos e as árvores, ficam em continuidade e ardem; as árvores mortas por causa da presença de pragas e doenças podem infestar as árvores envolventes; e o sequestro de carbono diminui pela ausência de clareiras para a promoção da regeneração de jovens plantas.

"Soluções promotoras da resiliência climática e da biodiversidade são necessárias, mas devem ser delineadas a nível local e não devem contribuir para aumentar os riscos que há décadas vimos mitigando através de uma adequada gestão florestal. A Lei da Restauração da Natureza aplicada na região mediterrânica vai matar o futuro das nossas florestas, gerar uma elevada perda de biodiversidade e contribuir para acelerar as alterações climáticas", defende a UNAC.

 




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