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Inquérito à CGD e resgate à espanhola, já!

Como brinca Luciano Amaral no seu provocador "Rica Vida", os portugueses têm conseguido sobreviver há quase 900 anos, apesar das suas elites. Talvez estas possam retribuir agora, pressionando por uma limpeza com baixos custos dos balanços dos bancos e, idealmente, sem pesar na dívida pública nacional. Tal exigiria um programa de resgate à espanhola, dedicado apenas ao sistema financeiro, com taxas de juro reduzidas.

Quem não deve não teme, e não há mal algum num escrutínio mais fino da actividade da CGD. Venham de lá comissões de inquérito e auditorias forenses, desde que respeitem a instituição, os seus clientes e os contribuintes. Mas é bom não irmos ao engano – o problema é antigo, traduz uma deficiente cultura institucional no país e já se está a ver o resultado: haverá responsabilidades para muitos, mas muito pouca responsabilização. Nesse sentido, temo que o muito bem-vindo às páginas do Negócios Bruno Faria Lopes fique frustrado quanto aos resultados. No fim, creio, chegaremos essencialmente com uma conclusão: o Parlamento e os sucessivos governos não exerceram devidamente as suas funções de accionista e fiscalizador. E isso, como diz o humorista Miguel Guilherme na TSF, já não é mau, que é como quem diz: é melhor do que nada, embora manifestamente insuficiente.

Mau, mau, sujeito até a piadas fáceis, é observar que as dúvidas e a insistência numa comissão de inquérito chegam de quem esteve no Governo nos últimos quatro anos, assistindo ao lado do Banco de Portugal ao colapso do BES e empurrando com a barriga as recapitalizações do Banif e da CGD, ambos bancos públicos. Com tantas dúvidas, que accionista foi o Ministério das Finanças neste período? Uma certeza podemos ter desde já: quatro anos e um humilhante programa da troika não chegaram para limpar e reestruturar a banca o que, sabemos de outras crises, é uma condição para qualquer retoma pós-crise financeira.

E assim chegamos a 2016 com um sector financeiro com lucros magros e imparidades gordas, ameaçado pela incerteza sobre a sua saúde e pelo risco de ser engolido pelo velho papão espanhol. Eis o que escreveram recentemente Dirk Schoenmaker e Nicolas Véron, do influente "think tank" Bruegel: "Grécia, Itália e Portugal, em particular, estão longe de ter devolvido a saúde aos seus sistemas bancários, enquanto Irlanda e Espanha estão, após grandes reestruturações e recapitalizações dos seus sistemas bancários, mais avançadas no caminho em direcção à recuperação."


A responsabilidade pelo falhanço é, em primeira linha, do Governo, do Banco de Portugal e da troika – e destes três, apenas a Comissão Europeia ensaiou um "mea culpa", numa interessante intervenção em Lisboa de um dos seus altos quadros. Mas, tal como a CGD, a responsabilização dos principais actores não deve esconder outra mais ampla e colectiva: o falhanço das "chamadas" elites nacionais, de deputados a economistas, de jornalistas a banqueiros, em identificar soluções duradouras para a banca ou em evitar ao longo dos anos episódios como a passagem directa de António de Sousa de governador do BdP para a presidência da CGD, a ascensão meteórica e as assinaturas de cruz de Armando Vara.


Como brinca Luciano Amaral no seu provocador "Rica Vida", os portugueses têm conseguido sobreviver há quase 900 anos, apesar das suas elites. Talvez estas possam retribuir agora, pressionando por uma limpeza com baixos custos dos balanços dos bancos e, idealmente, sem pesar na dívida pública nacional. Tal exigiria um programa de resgate à espanhola, dedicado apenas ao sistema financeiro, com taxas de juro reduzidas (é o próprio Mecanismo Europeu de Estabilidade que revela que, graças aos instrumentos de financiamento, Portugal paga hoje o dobro dos juros de Espanha pelo seu empréstimo). Pelo caminho, poderíamos aproveitar para reforçar os controlos institucionais sobre a gestão da banca. Da CGD, e não só.

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