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Rui Neves - Jornalista ruineves@negocios.pt 06 de Novembro de 2013 às 00:01

Estado apanhado com as peúgas na mão

Álvaro Costa, um pequeno empresário de Barcelos que é a cara chapada do sucateiro Manuel Godinho (principal arguido do processo "Face Oculta"), conseguiu derrotar em tribunal o gigante espanhol BBVA naquele que foi o primeiro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre os polémicos "swaps" de taxa de juro de empresas privadas. O veredicto foi noticiado, em primeira mão, pelo Negócios on-line, na noite de 18 de Outubro.

O dono da "Faria da Costa", empresa que factura 99% das vendas de meias nas exportações, "trabalha no dia-a-dia na produção de peúgas". Descrito como "pessoa muito simples, que tem apenas a instrução básica e nunca tinha contratado qualquer operação especial ou complexa, sendo certo que nunca a autora [da acção judicial] se apercebeu que o contrato que assinava poderia acarretar qualquer risco e, consequentemente, a perda de valores significativos".

O perfil deste empresário, traçado pela sociedade de advogados que patrocinou Álvaro Costa neste processo, faz lembrou tantos outros que andam pelos tribunais por causa dos mesmíssimos "swaps". Raciocínio básico: se até o Estado – ou melhor, os seus decisores políticos e do sector empresarial estatal –, pelos vistos, não sabia o que andava a fazer nesta matéria, muito menos o pequeno empresariado nacional.

Em Março passado, à conversa com o Negócios, António Tomás, outro microempresário apanhado num contrato ruinoso que visava supostamente proteger o seu negócio de uma subida das taxas de juro, lamentava-se: "Quero aquilo que me roubaram. Perdi aí uns 50 mil euros com isso dos ‘shopes’, que nunca soube o que era."

Não sabemos se os "shopes" de Costa e de Tomás foram inocentemente contratualizados. O que se sabe é que, em matéria de facto, o Supremo entendeu que a crise no sistema financeiro mundial, com as alterações que produziu após Setembro de 2008, não pode ser considerada como risco normal, assim como as oscilações da taxa de juro (leia-se queda abrupta) como riscos próprios do contrato de "swap".

"Perante o desequilíbrio supervenientemente ocorrido, a exigência do cumprimento do contrato revelar-se-ia manifestamente abusiva, pela desconsideração da alteração anormal entretanto ocorrida, afectando o princípio da igualdade, imposto pela exigência da boa-fé na execução contratual", diz o acórdão do Supremo sobre o "swap" da fabricante de peúgas.

Resultado: o contrato do Sr. Costa foi declarado nulo, tendo o banco sido condenado a restituir-lhe 44,7 mil euros, acrescido de juros de mora. Uma decisão que deverá agora influenciar as centenas de outros casos similares que correm nos tribunais. E os "shopes" do Estado?


*Coordenador do Negócios Porto

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