Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

Uma reforma "tempestiva"

O guião da reforma do Estado foi um golpe de mágica, que já gerou uma maré de reacções, debates múltiplos e reflexões sortidas. Mas que tem um efeito prático nulo, porque como programa de Governo nunca seria eleito (sobretudo pelo "posicionamento" na educação ou saúde). E como reforma para a troika ver está, de forma absurda, alheado de medidas já decididas.

 

O que sobra do documento, além de mais uma subida ao palco do teatrinho político-partidário, é a sua fragilidade técnica. O tamanho da letra e espaçamento das linhas só é relevante porque expõe a filosofia de maquilhagem presente em largos pedaços do texto, que, pelo seu vazio, inconsistência e falta de preparação, devia envergonhar os seus autores.

No capítulo "Fomento económico: apoiar e conceder", um dos pontos versa as concessões dos transportes públicos, anunciadas à exaustão pela tutela e que, como já foi noticiado, continuam a esbarrar na resistência dos privados em assumir o gigantesco "bolo" da dívida das empresas. Um problema de difícil resolução, dada a incapacidade das finanças públicas em lidar com tamanho "bolo".

Pois o guião de Portas resume um dos mais complexos temas da presença do Estado na economia com a seguinte frase: "as concessões devem avançar tão cedo quanto a questão da contabilização das actuais EP [empresas públicas] seja clarificada com os nossos parceiros". Contabilização do quê? "Actuais EP" significa que já não serão reclassificadas mais empresas públicas? E quem são os "nossos parceiros", a troika ou os privados?

O outro exemplo de amadorismo, a roçar a falta de respeito por todos os portugueses que ousarem ler o guião surge no capítulo "Evitar EP e PPP". Aqui define-se que "o Governo considera do interesse nacional manter uma política de restrição quanto à criação de novas Empresas Públicas e quanto à contratualização de novas Parcerias Público-Privadas". Um posicionamento vago que ignora o complexo debate sobre o papel das PPP na economia. E que, assumido à letra, faria com que Portugal permanecesse um país obsoleto em duas legislaturas. Como vários teóricos têm sublinhado, o problema das PPP não é o conceito, mas a força com que o Estado entra nesses contratos. E, a não ser que se descubra petróleo em Peniche, Portugal nunca poderá voltar a assumir sozinho, sem a parceria dos privados, os encargos de futuras obras públicas que se venham a revelar necessárias à economia. Quais, em que termos, com que padrões de referência... o guião não diz. E as PPP não são propriamente secundárias num guião sobre a reforma do Estado.

Aquele que podia ser um documento para clarificar águas ideológicas não é mais do que uma saída de emergência para um problema auto-insuflado de imagem política. Mas cujo o interesse é essencialmente recreativo, como se percebe quase se lê, sobre "as melhores práticas" de "fomento à internacionalização" frases como: "simplificar os procedimentos concursais, torná-los na prática, permanentes, e tendo como objectivo sistemas de decisão mais tempestivos".

*Editor de Empresas

Visto por dentro é um espaço de opinião de jornalistas do Negócios

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio