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21 de Outubro de 2012 às 23:30

Um peixe chamado Ana

Cada privatização é uma convulsão. Sempre assim foi e assim sempre será - isso não é estranho. O que é estranho é quando não se discute. Nem questiona. Nem pressiona. Sobretudo se o que se está a vender é bom, é grande e é importante. Falemos do que não se fala, da privatização de um monopólio. Falemos da Ana Aeroportos.

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EDP, REN, BPN, TAP, CGD, RTP, CTT, Estaleiros Navais, CP Carga, águas, resíduos... cada um destes casos é uma polémica. Porque há motivações ideológicas, financeiras e de serviço público em cada uma delas. Porque se temem cartas marcadas atrás das cartas fechadas de cada proposta. Porque é difícil explicar que é preciso pagar (e é preciso pagar) para vender a TAP, como se pagou para vender o BPN e como terá de se pagar para vender a RTP.

Na Ana não é assim. Ela é escandalosamente lucrativa para os dias que vivemos. Por isso está cheia de interessados. Por isso vai garantir um grande negócio em 2012 para o Estado. Mas... e nos 40 anos seguintes?

A decisão de privatizar a Ana não é em si mesma problemática, a Europa está cheia de aeroportos geridos por privados. Mas há perguntas a fazer: como vão ser assegurados os interesses de Lisboa num novo aeroporto, do Porto na dinamização do Sá Carneiro, das ilhas que são fonte de prejuízo, de Faro que está em perda? Como vão ser assegurados os interesses de um país que depende do turismo como se fosse petróleo?

Até aqui, a privatização da Ana só tem servido interesses financeiros imediatos. Interesses da Câmara de Lisboa, que viu cair de céu 286 milhões de euros este ano pela venda dos terrenos da Portela. Interesses de redução da dívida pública, através de uma concessão cuja utilização é chumbada em Bruxelas. São boas razões. Mas não são as razões boas. Razão boa é o futuro.

Não é um crime, é uma tautologia: um privado não defende o interesse nacional, defende o seu interesse. Um privado vai querer ter menos tráfego nos Açores e Madeira, vai querer taxas mais elevadas no Porto, vai querer embolsar os lucros anuais e não ter de investir num novo aeroporto para Lisboa - e vai querer, depois de o construir, pagá-lo com aumento de taxas nos demais aeroportos. Só um contrato bem feito hoje e um regulador mais forte do que actualmente o INAC é que poderá equilibrar estas forças. Assim foi em Londres: depois dos espanhóis da Ferrovial terem ganho a gestão de dois aeroportos da cidade, a falta de concorrência levou a uma quebra tão forte do serviço que foi preciso desmanchar o monopólio.

A importância do aeroporto para as cidades que serve - e, nisso, para o país - é inestimável. O exemplo do Porto é paradigmático: os voos da Ryanair tornaram-se uma questão de economia para toda a região. E as preocupações do Porto, de Lisboa, das ilhas e de Faro têm de ficar asseguradas no contrato de venda. Incluindo a necessidade de construção do novo aeroporto, que há-de voltar para cima da mesa.

A Ana é das empresas públicas mais rentáveis, com uma rentabilidade operacional (margem de EBITDA) nos 50%. Isso mostra duas duas coisas: que a empresa está a praticar taxas elevadas de mais (margens de 50% num monopólio não será uma "renda excessiva"...?); e que este é um exemplo de que uma empresa pública pode ser bem gerida. Guilhermino Rodrigues pode ser chamado "boy" do PS até à raiz dos cabelos mas, olhando para a evolução dos quadros económicos da empresa, conclui-se que a geriu bem.

Para evitar que o novo dono da Ana fique a desmamar os lucros, praticando taxas elevadas (o que prejudica o país), é preciso um modelo acertado e corajoso, ainda que isso desvalorize o encaixe imediato da empresa. O modelo regulatório é bem feito? Ou vamos apenas passar um monopólio do público para o privado? Como vão ser decididas as taxas aeroportuárias no futuro? Quem vai pagar o novo aeoroporto, como e à custa do quê?

A questão vai ser mais importante no futuro do que hoje parece. Foi assim que se criou um monstro no modelo eléctrico, cheio de boas intenções e proveitos no curto prazo e deixaram um fardo para o futuro.

A privatização da Ana vai concluir-se e deve concluir-se. Mas só duas entidades podem evitar hoje o que não remediarão amanhã. O Governo, que pode cegar por ânsia de retorno, e o INAC, que hoje é fraco com a Ana, a quem permite taxas elevadas e margens de corar. Mas se não forem eles, duas coisas vão acontecer: o Governo vai anunciar uma enorme vitória na privatização da Ana, por um valor próximo de dois mil milhões de euros. E depois ficaremos 40 anos capturados pelo privado que quererá os dois mil milhões de volta. Sem juras, mas com juros.


psg@negocios.pt
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