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04 de Setembro de 2007 às 13:59

Quando o capital já lê Saramago

Um pequeno tufão está a mudar todo o mercado português de editores livreiros. Depois de anos e anos de quietude, poucos meses trouxeram novos donos, aquisições, bancos, empresários, capitais de risco, portugueses e estrangeiros, várias propostas e muitos

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Foi Miguel Pais do Amaral o primeiro garimpeiro a descobrir o filão, com a compra da Texto Editora a meio desta Primavera. Antes, já a Civilização comprara a Bulhosa e o Círculo de Leitores adquirira a rede de livrarias da Bertrand (que hoje pertence aos alemães da Bertelsmann). Mas foi verdadeiramente Pais do Amaral quem tirou a espoleta ao processo de consolidação dos meses subsequentes. Depois da Texto (a segunda maior editora escolar, depois da Porto, esse "império" que tem quatro das dez maiores editoras escolares), atirou-se à Caminho (que edita Saramago, Isabel Alçada, Mia Couto...) e à Asa. Também as escolares Gaia e Plátano terão sido sondadas, assim como a Pergaminho e a Teorema, mas sem negócio. A Teorema, essa sim, acabou por ser disputada pela capital de risco Explorer e pelo Banco Invest, que já em Agosto chegou a acordo para a transacção. Enquanto a Verbo, a Dom Quixote e a Civilização permanecem fora da jogada, a Bertrand, o Banco Invest e o próprio Miguel Pais do Amaral continuam interessados em mais aquisições.

Numa palavra: concentração. Porque o capital descobriu um negócio no que antes desdenhava como coisa de intelectuais.

O negócio é rentável há anos. Por exemplo, a Caminho, que tem raízes no Partido Comunista, suportou durante anos "O Diário", que só sucumbiu quando a queda do Muro de Berlim significou o desinvestimento na gráfica Heska. Não deixa de ser irónico ver agora um capitalista puro e duro ser dono da Caminho – que só comprou depois de garantir que o "best seller" José Saramago permaneceria no catálogo.

Mas há mais do que uma oportunidade de negócio. A indústria estava em ponto de rebuçado, perdera o controlo do mercado para a distribuição, que ela própria se consolidara nos últimos 20 anos. Não há mais uma enorme teia de livrarias dispersas pelo país. Há a grande distribuição (sobretudo o Continente, que não pára de aumentar área de venda para os livros), há a Fnac e há a Bertrand, que tomaram dois terços do mercado retalhista, tornando-se imprescindíveis para as editoras, que começaram a ceder-lhes margens do negócio – hoje, metade ou mais do preço de venda fica na distribuição, uns 10% são para o autor, um terço é do editor.

As editoras estão a internacionalizar-se para Angola, para Moçambique, para Espanha. Neste rebuliço, nunca se editaram nem venderam tantos livros em Portugal como hoje. Há marketing em força, sucessos instantâneos, os livros de bolso regressaram, as ofertas com os jornais têm sucesso. Há menos portugueses a comprar livros que há espanhóis ou franceses, muito menos que há dinamarqueses, apesar de tudo mais do que há norte-americanos.

A distribuição concentrou-se, a "produção" está a consolidar-se, o "cliente" está a comprar mais. Só não sabemos que parte do que ele compra chega efectivamente a ler. Sabê-lo seria importante para o país. Mas, reconheçamos, é completamente irrelevante para os novos donos das editoras.

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