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Opinião
06 de Junho de 2006 às 13:59

Pão e circo

Portugal joga no campeonato do futebol global. A prestação real dos portugueses dá-nos motivos para sonhar alto? A resposta parece óbvia. Tão óbvia que é isso que justifica o estado de espírito dos portugueses, ...

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Tão óbvia que é isso que justifica o estado de espírito dos portugueses, espelhado (e exagerado) nos hiperbólicos títulos de jornais, que nos fazem olhar de um patamar desnivelado para os países concorrentes, marcando a nossa ambição nessa disputa. Porque tudo fica revelado quando estamos nesse espaço transparente que é o jogo de futebol: ganhar ou perder é o reflexo do nosso valor. E nós sabemos o que valemos e o resultado que nos espera.

Que fique claro: se é verdade que o País está dividido entre, de um lado, a imensa e generosa maioria que apoia incondicionalmente a importância da selecção nacional e, do outro, os proscritos que andam para aí a criticar a euforia com o Mundial, não tenha dúvidas: estou com os críticos. Com os críticos à euforia anestésica, que as empresas patrocinam, a que os políticos se colam e que merecem psicadélicas coberturas da comunicação social, que elevam o futebol à categoria de opiáceo que verdadeiramente nem sequer será. Há assim tanta audiência para vibrar em directo com a depilação do peito de Figo?

Este não é um texto, perceba-se, sobre audiências ou a não convocatória de Quaresma. Verei os jogos da Selecção e torcerei na final. Mas ganhar o Mundial não resolve nada. Será uma festa, uma bebedeira gregária, que no dia seguinte degenera em ressaca colectiva. Pão e circo. O resto não muda. E não creio que faça bem ao País proteger os galácticos (!) da crítica e dizer que ganhar será um tónico para a auto-estima nacional, que a economia melhorará, as pessoas serão mais produtivas e felizes. Patranhas.

Patranhas que criam o estado de espírito surrealista de apoio vertiginoso à Selecção Nacional, que muitos jornalistas defendem à náusea, porque não se pode dizer mal, isso é anti-nacionalismo, temos é de apoiar, puxar pela moral dos jogadores, dar as boas notícias (que vendem...), desvalorizar as más e ser claramente parcial porque isso é ser por Portugal. Não é. Ser por Portugal não é ser complacente, é ser exigente.

Quando Jack Welch, num discreto debate com um punhado de gestores de topo portugueses, se mostrou há dias espantado com o nosso clima de pessimismo, um presidente de uma das maiores empresas retorquiu: que não se preocupasse, agora ganhávamos o Mundial e a coisa resolvia-se. Welch não aceitou a brincadeira e respondeu que sim, que Portugal tem essa opção, a opção do futebol, dos restaurantes, das praias, do sol fantástico e esquecer tudo o resto. Mas então, concluiu, escusavam de estar ali numa reunião de trabalho.

Repare:

Portugal joga no campeonato da economia global. A prestação real dos portugueses dá-nos motivos para sonhar alto? A resposta parece óbvia. Tão óbvia que é isso que justifica o estado de espírito dos portugueses, espelhado (e exagerado) nos hiperbólicos títulos de jornais, que nos fazem olhar de um patamar desnivelado para os países concorrentes, marcando a nossa ambição nessa disputa. Porque tudo fica revelado quando estamos nesse espaço transparente que é o jogo da economia: ganhar ou perder é o reflexo do nosso valor. E nós sabemos o que valemos e o resultado que nos espera.

Do primeiro para o último parágrafo, apenas uma palavra foi substituída. O País é o mesmo. As pessoas são as mesmas.

A diferença é o sonho. E isso justifica tudo. Para o bem e para o mal. Vamos ganhar?

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