Opinião
O que guarda Abel?
Abel Mateus diz que falta concorrência nas concessões de abastecimento e saneamento de águas. Em benefício de quem? Segundo se subentende no relatório de recomendações ao Governo, em benefício potencial da Águas de Portugal, concessionários e autarcas.
As recomendações da Autoridade da Concorrência introduzem transparência e eliminam liberdades excessivas na adjudicação e acompanhamento de contratos.
Uma das propostas é de que os prazos das concessões devem deixar de poder ser prorrogados.
Uma concessão atribui um monopólio, em condições controladas, de exploração de um serviço durante um período de tempo. E a AdC considera que os prazos nas actuais concessões são demasiado longos. Sobretudo quando câmaras e concessionários decidem eternizá-los, dando mais anos à concessão para compensar uma rentabilidade inferior à estimada. Foi isto que a Lusoponte conseguiu nas portagens da Ponte Vasco da Gama: mais anos para pagar menos receitas.
O que Abel Mateus vem dizer é que é necessário reduzir o período entre concursos e impedir que os prazos das concessões sejam dilatados. Porque, diz, é no concurso que se faz concorrência.
Curioso...
Porque a mesma AdC chumba a compra de 40% da Auto-Estradas do Atlântico (AEA) pela Brisa pois o mesmo accionista passaria a gerir duas concessões, a A1 e a A8, que são concorrentes, sobretudo entre Lisboa e Leiria. O consumidor sairia prejudicado. Como se prejudica o consumidor nas auto-estradas? Subindo preço ou baixando a qualidade (por exemplo não conservando). Ora, os preços, actualizações e investimentos em conservação são condições que estão definidas precisamente nos contratos de concessão.
A contradição é esta: nas águas, a AdC considera que é nos concursos que se faz concorrência; nas estradas, diz que os contratos de concessão que resultam dos concursos não são suficientes.
O chumbo da operação Brisa/AEA é difícil de aceitar. Porque a alteração accionista da AEA não altera as condições contratuais (e concorrenciais) da concessão; porque o regulador das estradas deu parecer favorável ao negócio; e porque quando a AEA invocou estes mesmos argumentos para impedir que a Brisa pudesse concorrer à concessão Litoral-Centro, o Estado não aceitou, a então Direcção-Geral de Concorrência calou... e a Brisa ganhou.
A criação da AdC foi talvez uma das decisões políticas mais importantes do Governo de Durão Barroso, que fez o funeral à irrelevante direcção-geral e deu todo o espaço a uma nova entidade e a quem viesse a liderá-la. E Abel Mateus fez o lugar. Decide, intervém, destrói, chumba. Fez da concorrência uma preocupação dos empresários, que manifestamente não o era. Quem luta contra os abusos das empresas? Luta Mateus. Quem guarda os direitos dos consumidores? Guarda Abel.
O presidente da AdC tem feito um trabalho imparcial e independente, acima de qualquer suspeita. Sem amigos. Os seus únicos aliados estão na Imprensa. Mas também erra. E se errar destrói negócios, destrói... mercado. Quem regula o regulador?