Opinião
O pobre e o peixe em Davos
O mundo deve parecer diferente visto de Davos, lá do alto das brancas montanhas, onde por esta época se reúne «la crème de la crème» do mundo político e empresarial à escala planetária. Eu, que nunca fui a Davos, não sou capaz de explicar porquê. Poderá s
A verdade é que o mundo visto de Davos deve parecer diferente. E melhor. Ou como explicar a mensagem de optimismo (embora moderado) saída da última reunião do Fórum Económico Mundial? Apesar dos constrangimentos reconhecidos em diversas frentes, alguns dos quais estiveram no centro das discussões, como o desequilíbrio comercial americano, a desvalorização do dólar (e também do iuan, sem que as autoridades chinesas tenha dado na reunião qualquer sinal de alteração da sua política cambial) e a escalada dos preços do petróleo, com a OPEP a admitir reduzir a produção na Primavera.
Este ano, o Fórum dedicou a sua conferência ao combate à pobreza e ao tema do desenvolvimento. Enquanto em Porto Alegre, representantes do FMI e do Banco Mundial participaram, pela primeira vez, no Fórum Social Mundial. O mundo já não é o que era também na fronteira entre o activismo pró e contra a globalização.
Em Porto Alegre, os representantes do FMI faziam juras de, no futuro, dar mais atenção ao desenvolvimento e ao combate à pobreza e não apenas à ortodoxia financeira. Em Davos os líderes europeus envolviam-se numa espécie de «beauty contest» na luta contra a pobreza das nações. Chirac, em vídeoconferência, propôs um imposto mundial para financiar o combate à SIDA, antecipando-se às propostas de Blair e à intervenção de Schröder a favor do perdão da dívida dos países pobres.
Chirac, Blair e Schröder disputaram o protagonismo da ajuda ao Terceiro Mundo, território de eleição das estrelas de Hollywood e da «pop music» que também desfilaram em Davos. Um verdadeiro problema porque os líderes europeus sairão sempre a perder em qualquer «beauty contest» com Angelina Jolie ou Sharon Stone.
Esta conversa fez-me lembrar o velho provérbio chinês: «Se vires um pobre não lhe dês um peixe, ensina-o a pescar».
Os líderes europeus bem podem tentar suplantar-se em propostas generosas. Os destinatários da ajuda podem é preferir menos peixes e mais canas de pesca. No caso, menos protecção da fortaleza agrícola europeia e mais acesso aos mercados. Menos caridade e mais justiça. Ou seja, o aprofundamento da liberalização do comércio mundial, encalhada há mais de um ano na última ronda da Organização Mundial do Comércio. Dizem que o próximo teste será em Hong Kong no final do ano mas quem assistiu ao falhanço de Cancun desconfia.
A menos que todos os que contribuiram para o «flop» tenham percebido que o impasse é a pior solução e estejam dispostos a fazer cedências. A reconhecer que, embora uns ganhem e outros percam, o resultado não é de soma nula.